terça-feira, 26 de julho de 2016
Dez mil Ipês florescendo em Lavras...
terça-feira, 12 de julho de 2016
Um Seminário na década de 1950 Parte I - Uma viagem ao passado
Cap. I de: Um Seminário na década de 1950
(Veja Nota Explicativa ao final, com a estrutura
completa do livro e links dos capítulos já publicados neste blog)
https://contosdaslavras.blogspot.com/2016/07/um-seminario-na-decada-de-1950-parte-i.html
Tripulação, preparar para o pouso..., assim soou a voz suave do comandante em toda a cabine do avião. O menino foi despertado de seu devaneio nas nuvens, literalmente. Um ligeiro tranco e o barulho característico do trem de pouso baixando, indicava a iminência do pouso. O moderno Boeing 737-800, de prefixo PR-GTQ, procedente de Brasília com mais de 100 passageiros a bordo, pousou suavemente na pista do Aeroporto de Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte, naquela manhã ensolarada de seis de setembro de 2013. Enquanto taxiava pela pista o menino das Lavras contemplou as alterosas montanhas que tanto o marcaram na infância, como também no internato, na cidade de Itaúna rodeada de montanhas de ferro e siderúrgicas. Montanhas faziam parte de sua vida, mesmo mais tarde, morando na capital de Minas Gerais, onde também cercavam a cidade, notadamente a Serra do Curral. Ali, em Belo Horizonte, recém-formado na faculdade, trabalhou em seu primeiro emprego. Mineiro das montanhas, as linhas sinuosas do horizonte lhe eram muito familiares e queridas, pois sabia medi-las com os olhos, mais que as planuras do planalto central a despeito de ter passado neste, a maior parte de sua vida. Lembrou-se das palavras do filósofo e poeta Rubem Alves descrevendo a alma movida à saudade. Para o poeta a alma não tem o menor interesse no futuro. A saudade é uma coisa que fica andando pelo tempo passado à procura dos pedaços de nós mesmos que se perderam. Perderam-se? Mas..., esses pedaços estavam bem ali mesmo, havia cinquenta e cinco anos... Era o que buscava, naquele momento, em meio aquelas montanhas de ferro e manganês. Despertado desses devaneios, pela voz da comissária de bordo que convidava os passageiros para o desembarque, deixou a aeronave, caminhou até o saguão, embarcando rapidamente no automóvel que o aguardava. Percorreu pouco mais de 100 km em direção ao oeste do estado da velha conhecida Minas “Geraes”, seu berço e inspiração de toda a vida. Tinha um encontro marcado com o passado de 55 anos..., rever o Seminário onde estudara, em Itaúna.
Rubem
Alves tinha razão, a alma é mesmo movida à saudade, como também o escritor e poeta francês, Marcel Proust, que
escreveu sua mais famosa obra, “Em busca do tempo do perdido”. Nesta,
inebriado, revive toda a infância depois de mergulhar o bolinho “madeleine”
numa xícara de chá, tal qual fazia nas manhãs de domingo na casa da tia do
escritor, quando ainda era menino. Da mesma forma que a lembrança dos bolinhos
de chuva levou Proust a relembrar sua infância, as montanhas cobertas de
minérios de ferro e manganês, serviram de gatilho que despertou o pensamento do
menino para as memórias escondidas nos escaninhos do inconsciente. Talvez por
isso, pelo especial significado daquela viagem o voo foi bem diferente daquelas
centenas de outros que fizera entre as duas capitais. Afinal, passou mais de
quarenta anos em missões de trabalho naquela rota. O aeroporto, velho
conhecido, até mesmo por causa de um sério desastre sofrido a bordo de outro
Boeing, lhe parecera mais interessante, a estrada mais bonita, tudo enfim
respirava alegria. Ressurgiu o espírito do menino ansioso a caminho do
seminário.
Enquanto
o motorista dirigia por entre montanhas o passageiro revia, com doce emoção, o
filme em seu imaginário de todo aquele longínquo passado. Rever o passado e
suas imagens é, como explicam os psicólogos, lembrar-se exatamente do local e
eventos onde estivera muito tempo antes. É uma característica de nossa mente
que “grava” com maior intensidade aquilo que foi marcante em nossa vida. É a
chamada memória cintilante. Agora, potencializada com a emoção de rever,
presencialmente, os espaços físicos daquela época, muitos ainda preservados no
original. Enquanto apreciava a bucólica paisagem pela estrada afora, cercada de montanhas, pensava em seu passado. Como
poderia evitar, se afinal de contas, era disso que se tratava aquela viagem, depois
de muitos anos da primeira vez que ali chegou, menino de apenas 12 anos, para
uma mudança radical em sua vida? Quase não conseguia conter a agitação, a mesma
ou até maior que aquela de 55 anos atrás, quando pela primeira vez fez uma
viagem de verdade, longa, para bem longe da família, de onde nunca tinha antes
se afastado. Ah..., quanta emoção, como seria hoje a cidade, a estação do trem,
o hotel e o principal alvo, o Seminário? Assim, reavivado e antenado nos detalhes da
paisagem, desembarcou na praça central da cidade de Itaúna. Respirou fundo e
caminhou em direção ao adro da igreja. Adentrou a Igreja Matriz de Sant´Ana,
cujo nome é o mesmo da matriz de sua cidade natal. A enorme matriz estava ali,
do mesmo jeito, onde participara de tantas missas dominicais e festas
religiosas dos dias santos, cantando no coral dos seminaristas. As cores vivas
de seu interior, com pinturas e imagens sacras, pareceram-lhe mais lindas que
aquelas guardadas na mente, mas esmaecidas pelo tempo. Rever ali o altar onde
se celebravam as missas e logo à entrada o elevado mezanino, onde os meninos do
coral se posicionavam para cantar, sob a regência do Padre Adriano ou do Padre
Luiz, com os acordes do órgão e tendo ampla e privilegiada visão de toda a nave
da igreja, foi uma sensação indizível, do fundo da alma, de arrepiar. Foi
possível “ver e ouvir” aquele coral de seminaristas cantando o Kyrie-eleisson,
ou o Pater Noster qui est in coelis... e tantos outros belíssimos hinos.
Parecia mesmo ouvir a própria voz, peito cheio, dando vivas a Deus nos solenes Kyries
de exaltação da alma a Deus e aos santos como no Salve Mater Misaericordiae.
Se entrar e contemplar aquele belo cenário da matriz já lhe causara arrepios na
alma, lembrar-se e “ouvir” o coral cantando o belíssimo hinário sacro, que
ainda sabia de cor, em latim, fez com que o menino derramasse lágrimas de pura
nostalgia naquele ambiente sagrado que, por mais de trinta anos não o
frequentava, ainda que em outros locais. Demorei-me um pouco ali e ainda “cantei”, em silêncio, algumas
estrofes daqueles hinos dos quais ainda me lembrava. Enxuguei as lágrimas,
agradeci a Deus. O dia prometia..., pois
logo no primeiro encontro com o passado as emoções se transbordavam.
A praça e a igreja nada mudaram. Ali nas
escadarias pude "sentir", como no passado, o abraço e o perfume da
mulher mãe com os afagos carinhosos que algumas senhoras nos distribuíam, bem
ali, após as missas, como se nossas mães fossem. Esses eram os únicos carinhos
que o menino recebia, ali na distante terra. E quase sempre eram acompanhados
de palavras de elogios, enaltecendo nosso desempenho no coral. Lembrei-me,
particularmente, de um forte abraço que recebi, com votos de felicidades na
missão de seminarista e, olhando para o rosto daquela bondosa senhora, vi as
lágrimas escorrendo em sua face. Puro amor de mãe que ali projetava, talvez, a
imagem de seu próprio filho, ausente que nunca pensara em ser seminarista, ou
talvez a falta de um filho que não tivera, para desejar-lhe um futuro promissor
de vida sacerdotal. Mas, Mas, agora, o interesse maior era chegar logo ao
Seminário, distante uns 200 metros apenas, numa rua que se iniciava na praça da
matriz. Não foi preciso consultar ninguém, nem mesmo o Google-maps ou GPS para
chegar até lá. O mapa ainda estava vivo na memória, pois fizera o mesmo trajeto
inúmeras vezes com seus colegas seminaristas. Todos os domingos havia a santa
missa com os cânticos de nosso coral regido pelos padres holandeses, irmãos de
sangue, Luiz e Adriano Turkenbourg. Em todos os ofícios sacros lá estávamos
naquela imponente catedral, especialmente na Semana Santa. Quanta emoção
reviver ali, in locco, a alegria do menino seminarista nos rituais de
sua igreja.
Ansioso e já impregnado pelo espírito do menino seminarista, caminhou pela Rua Melo Viana, que se inicia na praça da matriz e conduz ao Seminário situado a um quarteirão apenas. Ao final deste, já na esquina da Rua José Gonçalves com seu declive moderado, avistou o imponente prédio do Colégio Sant´Ana, que compõe a fachada do Seminário propriamente dito. Novamente foi tomado por indescritível emoção. Parou, contemplou tudo e o filme daquele cenário de tanto tempo atrás não parava de rodar em sua mente. Faltou-lhe o fôlego e ofegante de tanta emoção, ficou ali estatelado, arrepiado com os sentidos à flor da pele diante daquele reencontro. Ali estava, extasiado, parado no exato lugar que o menino de 12 anos chorara copiosamente no primeiro dia, na chegada ao novo endereço que ele próprio escolhera. Bem ali, em meio à rua, defronte ao portão do Seminário, agarrado à mão do diretor, Pe. Adriano, quando o pai e a irmã se despediram e desceram a rua acenando-lhe um último adeus dolorido na alma. Dali eles voltariam em direção ao hotel e à estação do trem para a viagem de volta à casa. Foi a sensação mais dolorida e marcante que o coração do menino experimentara em toda a sua vida. Desesperado e aos prantos custou conter o ímpeto de largar a mão amiga e correr em disparada atrás do pai e da irmã, que acabavam de dobrar a esquina, como a dizer-lhes... não me deixem aqui, sozinho com desconhecidos e tão distante... Mas, como reclamar ou desistir de ficar? Demais para o garoto que nunca saíra de casa. Só lhe restara adentrar o grande portão, mitigar a dor da separação e depois adaptar-se à nova vida de seminarista que tanto almejara. Deus haveria de consolar aquele coraçãozinho angustiado pela despedida e ainda por cima o impacto do ambiente totalmente desconhecido e tão distante como uma eternidade, reforçando a sensação de isolamento..., Era mesmo demais para o menino. Desde logo reconhecera o quanto é importante o amor dos pais e a união da família onde todos se sentem seguros e fortalecidos. Cortar bruscamente os laços familiares de um menino produz um grande impacto emocional, mas, com certeza reforça e molda um caráter mais forte e maleável às adversidades.
Após rodar esse filme e entender a dor da
separação pela primeira vez, tendo que suportá-la com galhardia, pois fora ele
próprio que assim escolhera seu futuro, o menino das Lavras ali permaneceu
parado, no meio fio, defronte ao majestoso prédio do antigo Seminário. Estático
por alguns minutos e absorto em sua doce e
emotiva recordação, contemplou a realidade daquele instante. Mas, foi subitamente
despertado ao ver à sua frente uma mãe e filha que atravessavam a rua de mãos
dadas. Essa cena disparou novamente o gatilho do subconsciente, reforçando
aquela lembrança de seu próprio pranto agarrando forte a mão confortadora de
seu tutor. O menino puxou fundo a respiração, suspirou e lacrimejante como a 55
anos atrás, sacou o celular e fotografou mãe e filha, de mãos dadas, como se
registrasse o resgate de sua própria história. Emoções a mil e um misto de
alegria e lágrimas a contemplar aquela cena familiar carinhosa de um simples
dar as mãos entre mãe e filha, como a recordar que ali, exatamente naquele
local, um dia bem distante, também passara por isso. Ainda que não tivesse
revisto mais nada, a viagem teria valido a pena por esse inesperado episódio.
Que ótimo, faltava apenas adentrar o Colégio e o antigo Seminário que lá estavam
com as mesmas belíssimas fachadas. Seria possível? Nada havia sido marcado com
a direção do educandário.
Alma
rejuvenescida com as reminiscências de 55 anos atrás, bem defronte ao mesmo
prédio, majestoso, que abrigava sua humilde
cama “patente”, de molas, no dormitório dos menores, próximo à 9ª janela, da
esquerda para a direita, do 2º pavimento.(*) Nota
Explicativa: Esta crônica é parte do livro: “Um Seminário na
década de 1950”. A obra compreende os capítulos de I a IX Os capítulos
já publicadas neste blog, estão com os links indicados abaixo, na estrutura
editorial:
Título geral: Um
Seminário na década de 1950
I- Uma
viagem ao passado – já publicada: http://contosdaslavras.blogspot.com.br/2016/07/um-seminario-na-decada-de-1950-parte-i.html
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II- O despertar da
vocação no menino -
http://contosdaslavras.blogspot.com/2021/03/o-despertar-da-vocacao-sacerdotal-um.html
III- a viagem para
o distante Seminário - http://contosdaslavras.blogspot.com/2020/07/a-viagem-para-o-distante-seminario.html
IV- A vida no
Seminário
4.1- a rotina de um internato
http://contosdaslavras.blogspot.com/2021/04/a-vida-no-seminario-rotina-de-um.html
4.2- os
seminaristas
4.3- os estudos do
colégio
4.4- A
religiosidade
4.5- o lazer e
cultura
4.6-
Eventos marcantes
4.6.1 - Fundições e Tecelagem Itaunense
4.6.2- Morro do Bonfim- a capela - https://contosdaslavras.blogspot.com/2024/05/o-morro-do-bonfim.html
4.6.3-
Copa do Mundo de 1958
4.6.4- A morte chega ao Seminário - já publicada: http://contosdaslavras.blogspot.com/2017/07/a-morte-chega-ao-seminario.html
V – A viagem de
volta - O fim
VI- O reencontro –
55 anos depois
VII- O legado
VIII- Anexos: Curiosidades de 1958
IX- Pos-Scriptum:
- http://contosdaslavras.blogspot.com/2015/06/reencontro-do-seminarista-foragido.html
- http://contosdaslavras.blogspot.com/2018/06/29-de-junho-de-1958-sessenta-anos-da.html
- http://contosdaslavras.blogspot.com/2019/03/o-algodao-as-ovelhas-de-producao-de-la.html
- https://contosdaslavras.blogspot.com/2022/02/o-som-do-silencio-na-alma-haendel-e.html
domingo, 3 de julho de 2016
Os Livros e o Prazer da Leitura
Segundo o cronista Gustavo Faleiros: falta de espaço será tua sina, ó nobre leitor!
Brasília, 2005/2016






















