sábado, 31 de maio de 2014

Vergonha nacional: Crime contra as crianças junto à Taça da FIFA




            Têm nomes, sobrenomes e prontuários de entrada em pronto-socorro as crianças agredidas e levadas ao Hospital Regional da Asa Norte, de Brasília. Têm nomes, sobrenomes e endereços os índios que portavam tacapes, lanças, bordunas e arcos de flechas com pontas de metal, guerreando ferozmente contra as forças policiais. Tem nome e patente o militar da cavalaria que foi ferido com uma flechada na virilha. Tem nome e CGC as entidades não governamentais e associações regionais que trouxeram os índios, de avião e ônibus fretados para as manifestações, do dia 27 de maio de 2014, aqui na capital federal. Idem para os ativistas do MTST e dos Quilombolas. Onde estavam as autoridades da segurança pública que foram incapazes de proibir o porte dessas armas de guerra usadas pelos índios? Afinal, não é proibido portar mochilas, paus, pedras e estilingues em manifestações públicas? Armas de guerra, ainda que indígenas, mas com considerável grau de letalidade podem?
            

          Infelizmente só sabemos onde estavam nossas crianças, centenas delas..., sob as tendas armadas ao lado do Estádio Nacional Mané Garrincha, admirando a Taça da FIFA que ali estava exposta. Meninos e meninas de seis a doze anos que merecidamente foram levadas para realizar um sonho. Entraram em verdadeiro pânico ao serem surpreendidas pelas bombas de efeito moral e gás lacrimogênio que as forças policiais tiveram que deflagrar para conter a turba de índios e mais de 2.000 manifestantes, incluindo os do MTST, Quilombolas e vários outros grupos que ameaçaram invadir a Exposição da Taça. Foram contidos a poucos metros de distancia das tendas onde estavam as crianças. Seria o caos total se a polícia não tivesse usado a força necessária para impedir a invasão. Ali estavam cerca de 7.000 visitantes, incluindo as crianças. Ainda assim, diante de bombas e o efeito asfixiante do gás lacrimogênio, os motoristas dos ônibus e monitores, em desespero, correram a abrigar as crianças nos veiculos. Providência mais que acertada diante das circunstâncias de incerteza se seria possível conter a massa invasora com probabilidade de os índios continuarem na fúria de espetar suas lanças e atirar flechas aleatoriamente. As crianças ficaram em pânico, se desesperaram muitas chorando, algumas desmaiando intoxicadas pelo gás lacrimogênio e rapidamente levadas aos hospitais. Outras machucaram as pernas e braços na correria descontrolada. Pais relataram os traumas dos filhos. Alguns sequer puderam retornar às aulas no dia seguinte, tamanho o trauma, como foi o caso da menina Emanuelle Reis, de 12 anos, que ficou entre o fogo cruzado. Afora isso, havia a frustação de terem estado tão perto da taça e não puderam sequer vê-la e fotografar. Além da frustação as crianças se assustaram muito, pois a toda hora eram alertadas para evacuarem o recinto rapidamente, pois os índios iriam invadir o local. Cena que os pais jamais imaginaram para seus filhos e pior foi real. Um crime que precisa ser apurado.

Vergonha nacional! Desnecessário dizer que a FIFA suspendeu imediatamente as visitas à Taça. Um país que se diz civilizado, mas que se presta a oferecer um show que só se vê em cenas cinematográficas de Hollywood retratando o General Custer, precisa ser repensado.  Índios com pinturas de guerreiros flechando soldados, a cavalaria recuando e se defendendo, cavalos e soldados feridos por lanças e flechas, baderneiros atirando tampas de bueiros e pedras. Não acreditei no que vi, surreal demais. Até mesmo as fotos anexadas a este texto, retratando um índio em frente ao Estádio Nacional, sentado para melhor tensionar o arco para lançar a flecha contra a cavalaria, me fez lembrar, além dos filmes hollywoodianos, das pranchas 5 e 18 do 1º tomo da publicação, de 1834, da Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, de Jean Baptiste Debret, o célebre pintor da missão artística francesa, que o Conde da Barca trouxera ao Brasil nos tempos de D. João VI que daqui reinava Portugal, Algarve e Colônias. Se as gravuras pintadas por Debret, há 200 anos (chegou ao Brasil em 1816) receberam o nome de pitorescas, a foto de hoje poderia ser classificada como surreal ou bizarra, embora real, objetiva e eficaz, pois o índio acertou a virilha do cabo da cavalaria, Cleber Ferreira, que foi socorrido imediatamente. Só restou mesmo lançar bombas e gás contra a turba.  O gás lacrimogênio foi, para os telespectadores, a única e diferença entre os filmes de antigamente e a batalha presente. Espetáculo bizarro, exibido pelas TVs do mundo inteiro. O mesmo amigo francês que me ligou há uns 20 anos dizendo-se “encantado” com a performance do cacique Raoni em Paris, para onde fora levado como peça publicitária exibicionista do cantor Sting, ligou-me novamente: vamos ter Copa, mon ami? Os selvagens nativos invadiram o Estádio Nacional? A flecha que atingiu o soldado estava envenenada? ... Vergonha nacional, até porque o risco de uma tragédia de proporções maiores parecia iminente. Ironicamente respondi ao amigo de Paris que aquilo era apenas uma encenação pré-Copa, a la hollywood, imitando as gravuras pintadas pelo seu compatriota francês Debret, as quais inclusive decoravam seu gabinete na cidade luz (regardez, mon ami, le Voyage pittoresque et historique au Brésil, le séjour d'un artiste français au Brésil, depuis 1816 jusqu'en 1831).  Acostumado com os desfiles do cacique Raoni em Paris, ao lado do cantor Sting e outros manifestantes em prol da Amazônia, achou graça da piada, mas deve ter se lembrado da famosa frase de seu ex-presidente Charles De Gaulle: “O Brasil não é um país sério”...  De qualquer modo ele não viria mesmo para Copa.

Mas a nossa vergonha não é dos índios que temos e seu protagonismo nesses episódios. Ao contrário, sempre o protegemos como dever de Estado. Aqui nunca houve general Custer dizimador e sim General Rondon, o protetor dos indígenas. E agora, o que temos? Se o índio é considerado incapaz e sucumbe como indivíduo, pois sua identidade está na tribo, nos seus costumes, na natureza, é dever do Estado tutelá-lo e protege-lo de todo o mal. E onde estava esse Estado que não só permitiu como financiou a sua vinda, a estada, alimentação e locomoção pela cidade? A vergonha é o tratamento que nós, os chamados civilizados, damos a eles, abandonando-os, deixando chegar a essa situação humilhante. Incrível! Índio não é arruaceiro. É incapaz, tutelado do Estado. Arruaceiros são aqueles que se aproveitam da situação para faturar algo inconfessado, mas que sabemos o que é e a quem serve. Messias Cassemiro relatou ao Correio Braziliense (29/05/2014, p. 21) que depois da manifestação interrogou, na rodoviária, mais de dez participantes da baderna. Nenhum soube explicar os motivos da manifestação. Claque paga? Como aquela em que cada participante foi flagrado, no gabinete do deputado Nelson Marquezelli, recebendo R$ 70,00 para bater palmas para o deputado na votação da lei que regula o descanso dos motoristas de caminhão? Baderneiros de aluguel, muito comuns aqui em Brasília..., é possível.

Os políticos dos três poderes da república, embora tenham afirmado em discursos que leram e entenderam os recados das manifestações de rua de 20 de junho de 2013, acontecida em Brasília e outras cidades do país, parece que não foram capazes de criar mecanismos suficientes para por fim a essas manifestações. Naquela data, participei, ao lado de estudantes, das manifestações de rua que protestavam por melhor educação, saúde, segurança e transporte público, tendo como mote o aumento de tarifas. Já quase chegando ao Congresso Nacional encontramos muitos índios provenientes de diversas e diferentes etnias. Conversamos com eles e até os fotografamos de tacapes lanças e flechas nas mãos, mas não as usaram. Reclamação deles há um ano? A mesma de hoje, a PEC 215, sobre demarcação de terras indígenas. Naquele dia a manifestação perdeu o controle, vândalos depredaram prédios públicos e 127 feridos foram levados aos hospitais. Todos os políticos e dirigentes dos três poderes correram às TVs e dispararam declarações que hoje sabemos foram demagógicas. O deputado André Vargas (recentemente flagrado em transações ilegais com doleiros, teve que deixar a vice-presidência da Câmara e também o seu partido) então Presidente em exercício da Câmara, recebeu delegações indígenas após nova manifestação e quase invasão do Congresso, em outubro de 2013. O cacique Raoni, de dedo em riste disse-lhe muitas verdades e promessas não cumpridas pelos políticos. Mesmo assim foram poucas as ações por parte dos governantes e políticos. O próprio Congresso Nacional continua a “cozinhar” a PEC 215, mesmo depois de um ano da primeira manifestação indígena. Novamente, agora, depois dessa quase tragédia no Estádio Nacional, lá estavam, dia seguinte, as lideranças indígenas, quilombolas e MTST sendo recebidas, em separado, pelos ilustres presidentes das casas do Congresso Nacional. Certamente “novas” promessas foram feitas sobre a tramitação de seus projetos de leis que visam colocar fim às respectivas contendas.

A tentativa de invasão do Estádio Nacional foi crime contra nossas crianças e num espectro mais amplo, contra toda a Nação, contra nós que delegamos aos políticos o direito de legislar, julgar e administrar o nosso país. Os índios, que vieram a Brasília reclamar seus direitos, não podem ser considerados baderneiros. Os nossos governantes, nos três poderes, são os causadores daquela baderna que nos envergonha. Na medida em que não agiram o bastante para evitar ou impedir tal ato, motivaram-no. Que os poderes constituídos investiguem, processem e julguem os políticos e dirigentes detentores de cargos e que têm se omitido na resolução das injustiças sociais. Agora extrapolou, muito além do tolerável, pois foram quatro crimes ao mesmo tempo: a agressão às crianças, a exposição de índios a situações perigosas, servindo de massa de manobra a interesses outros, a omissão nas ações de demarcação de terras indígenas e suposto motivo de tais manifestações e por último, o financiamento das manifestações com dinheiro publico, no mínimo para transporte, hospedagem e alimentação dos manifestantes. A sociedade financiando um ataque a si própria.... É legal, moral, justo?

Não se pode culpar, pelos tumultos, as forças policiais que vivem o eterno dilema de dosar a força para não incorrer em excessos. Agiu moderadamente. Se prendesse o índio que feriu o soldado com sua flecha ou ainda se morresse um manifestante..., não haveria Copa...! E sempre haverá os que acham que a polícia deveria reprimir com todo rigor os arruaceiros. Por outro lado é verdade também que instituições não cometem crimes. Quem se incrimina é a pessoa que viola as leis seja ela do povo, político ou detentor de cargos na administração pública. Reivindicar e manifestar são direitos de todos, mas, transgredir as leis, depredar o patrimônio público ferir e prejudicar não só as crianças aqui ali estavam, mas também toda a população que teve as ruas bloqueadas e só puderam chegar às suas casas três ou quatro horas depois, é crime que não pode mais ser tolerado, pois assume características de atentado à sociedade cujo direito maior deve ser respeitado. E cabe ao Estado defender a sociedade sem abrir mão do uso da força, se necessário. Embora justas as reivindicações expressas pela coordenadora do movimento Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Sônia Guajajara, afirmando que foram investidas vultosas quantias em obras para a Copa enquanto que as aldeias estão abandonadas, demarcações paralisadas, caos na saúde indígena, ainda assim não se justificam as manifestações de caráter violento.

Tomara que manifestações baderneiras não aconteçam durante a Copa e possamos todos, e principalmente os turistas, usufruir um pouco de entretenimento sem sobressaltos como esse acontecido com nossas crianças e índios no Estádio Nacional Mané Garrincha.

Brasília, 31 de maio de 2014

Paulo das Lavras. 


                                                  Manifestação de maio de 2014. Cena igual a 200 anos atrás
 




Será que Debret se inspirou nessa foto de 27/05/2014? Veja a seguir a tela que aquele artista pintou



                                           Impossível! Ele  pintou esta em 1816, no tempo de D. João VI no Brasil

 




A cavalaria de hoje não quis seguir o exemplo da cavalaria Guajajara de 200 anos atrás, conforme pintura de Debret, a seguir



                                                     Talvez assim o soldado de hoje não tivesse sido flechado
 




Um índio Kayapó acertou cavalos e um policial da cavalaria montada. E também.....


                                     atingiu em cheio o cavalo mecanizado, ou melhor, a moto da PM




Participando, com os estudantes, da manifestação (pacífica) de 20 de junho de 2013 



                                             Etnia Kayapó, pedindo fim da PEC 215- demarcação de terras, junho 2013
 




                            Bordunas, tacapes lanças e arcos com flecha . Grito guerreiro, Kayapó: Morrer pela terra.
              Porém pacíficos, não fizeram uso de suas armas na manifestação de junho de 2013, por isso fotografei.
 




Um cartaz na manifestação de 213, mas bem atual




                                        Cacique Raoni passa sermão em André Vargas então presidente em exercício
                                       da Câmara dos Deputados (em 02/10/2013). Nada feito até agora pela PEC 215.





                                   O mesmo Raoni, exibido em Paris pelo cantor Sting, no final dos anos 1980. Exotique!
 




      Raoni e Sônia Guajajara, recentemente exibidos em Paris. Tem razão os franceses ao perguntarem: haverá Copa?
     Sim, haverá e vamos receber muito bem a todos os estrangeiros que aqui vierem! Uma pena o que fazemos com
     os  nossos indígenas.