terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Vovô, você foi importante?

    Pedro Henrique  pronto para recortar    a Revista ELITTE, edição  de jan 2014 (capa ao lado) com o artigo Terra dos Ipês e das Escolas - Lavras                                                      
 
Pedro Henrique, com cinco anos de idade, passou uma tarde após o carnaval na casa dos avós e uma de suas atividades foi recortar figuras em revistas. Pegou qualquer uma no porta-revistas da sala de estar e pediu autorização à vovó para recorta-la. Na verdade era uma revista que continha um artigo que escrevi sobre a história da educação em Lavras e as razões do porque de seu lema: Terra dos Ipês e das Escolas. Vovó, matreiramente, disse a ele para perguntar-me. Adentrou meu escritório e foi logo perguntando: Vovô posso recortar essa figura? Antes de qualquer resposta pedi a revista e a abri na pagina 30, mostrando-lhe a foto do autor do artigo, eu próprio. O menino arregalou os olhinhos e surpreso perguntou:

Vovô..., você é importante?

Sim....! O vovô já foi importante, olhe aí quanta gente bonita aparece nas fotos, a começar pela capa e eu estava lá entre eles, contando histórias..... Você acredita? Ah..., então eu não posso cortar sua foto na revista. Escolheu outras figuras e autorizei os recortes.

Instantes depois fui à sala verificar o seu “trabalhinho”. Um mosaico de variedades, começando por duas malas de viagem bem vermelhas,  moedas, bolo, tênis, roupas, tablet, telefone celular e outras coisinhas. Perguntei a que se destinariam os recortes e ele disse: É para a minha viagem, já tem mala, comida, tênis... e agora só falta o dinheiro. Você me dá um real? E para onde será a sua viagem? Para Nova York, vovô, mas é de mentirinha...., respondeu o sorridente garoto.

Criança é joia. É preciso que as tratemos assim, com muito amor. Uma benção de Deus!

Brasília, 06 de março de 2014

Paulo das Lavras
                                                             
                                   Preparativos da "viagem" imaginária para Nova York
pg 27-  A História da Terra dos Ipês e das Escolas- Lavras
        
pg 28

pg 29

                                                                                pg 30


domingo, 5 de janeiro de 2020

Saudades de minha terra




Nascido na fazenda Retiro dos Ipês, ali permaneci até os três anos de idade. Naquele ano de 1948 nos mudamos para a cidade. Era tempo das irmãs mais velhas frequentar a escola e também para facilitar os cuidados da saúde do menino que se recuperava de uma grande cirurgia torácica. O viver na fazenda, livre para andar nos amplos espaços não foi perdido na cidade. Ali, morei numa grande chácara com todas as características de fazenda, o pomar, a matinha, o córrego com límpida e transparente nascente e lambaris em profusão, o curral, as vacas de leite, galinhas, o cavalo manga-larga marchador, bom de sela e até mesmo um ou dois cevados na engorda para a produção de carne e banha, costume mais que tradicional nas fazendas. Um privilégio para o menino, correr pelos pastos, cavalgar, sentir o cheiro da mata e da natureza com seus frutos, pássaros e até alguns bichos selvagens como o ouriço-caixeiro, tatus, gambás, lontras, coelhos e preás, além das temidas, embora raras, cobras que habitavam as matas e os brejos. Tudo isso com a vantagem de se estar na cidade e poder frequentar as melhores escolas, além de angariar uma plêiade de amiguinhos atraídos pelo fascínio dos animais, o cavalo, principalmente, caçadas com estilingue e tudo mais que meninos livres tinham direito. Infância feliz, sem dúvida! Lembranças que carrego comigo, que muito me influenciaram e certamente tem a ver com a minha preocupação com as crianças de hoje, encerradas em apartamentos, presas aos dispositivos eletrônicos virtuais, que em muitos casos as deixam totalmente alienadas do convívio social com outros e sobretudo da natureza, nossa maior professora, educadora, que nos mostra os verdadeiros valores da vida.

            A vida profissional e acadêmica me levou por muitos caminhos. Trabalhei, estudei, cresci como profissional e como pessoa. Passei por muitas cidades, universidades, museus aqui e em muitos outros países, mais de duas dezenas, em missões de trabalho ou simples passeios. Aprendi muito, amei todas as experiências, mas, no período em que estive fora – e beira meio século, a cidade natal e seus encantos da infância e da juventude nunca saíram de meu pensamento. Minha mente fervilha a cada estímulo em relação a ela, seja na literatura ou presencial ou mais frequentemente virtual. E o pensamento voa, batimentos do coração acelerados e a vontade de voltar sempre presente, cada dia falando mais alto. Ah..., os filósofos e especialmente os poetas degredistas sabem muito bem do que falam. Proust disse que "os verdadeiros paraísos são os que perdemos" e o poeta Mário Quintana ensinou que "a gente continua morando na velha casa em que nasceu". Casemiro de Abreu escreveu a Canção do Exílio, exaltando as palmeiras onde canta o sabiá e eu canto os ipês e as escolas, como escreveu nosso poeta lavrense, Jorge Duarte.  Olavo Bilac e Guilherme de Almeida falaram da Pátria e do coração que é verdadeiro, puro, belo e não muda nunca, embora “tudo muda, tudo passa nesse mundo de ilusão, vai para o céu a fumaça, fica na terra o carvão”. Assim, ser degredista é assumir uma volta ao passado da terra natal e fazer que todos saibam disso, conforme escreveu outro poeta. Afinal, só se compreende a vida mediante um retorno ao passado para melhor viver o presente. É como se restaurássemos nosso sistema operacional e assim funciona melhor. E que neste novo ano, que ora se inicia, nossas esperanças sejam renovadas em todos nós. 

De nada adianta pensar que isso, a nostalgia, o amor à terra natal, a vontade de voltar, é apenas uma pseudo-doença dos dias de hoje, por conta da mobilidade à jato ou estímulos virtuais com imagens recebidas a toda hora pela internet. Não é! Tem-se notícia disso há mais 2.600 anos. Foi no século VI A.C que os judeus foram escravizados pelo rei da Babilônia. Viveram no cativeiro por cerca de 70 anos, quando então o novo rei permitiu o regresso dos escravizados à terra de Judá. Enquanto no cativeiro, imperava a nostalgia, a saudade, o choro da ausência de seus lugares e símbolos queridos que marcam para sempre seu território, seu lar, sua fortaleza moral. O compositor Verdi soube muito bem interpretar aquele sentimento do povo degredado compondo a belíssima ópera “Nabuco”. Ali canta as dores e os sonhos de regresso à pátria onde nasceram os judeus,as encostas e as colinas, onde os ares são tépidos e macios, com a doce fragrância do solo natal. Saúda as margens do rio Jordão e as torres abatidas de Sião”, escreveu Verdi.

Embora eu tenha somente 45 anos de exílio dourado, a uma distância de 1.000 km, a mesma que separava os judeus de Jerusalém à Babilônia (hoje Bagdá, no Iraque), tenho a vantagem de vencê-la em apenas uma hora, de jatinho, enquanto os judeus levavam 40 dias a pé ou em camelos para vencer a mesma distância pelos desertos da região. Mas ainda assim, o sentimento de perda, de saudade, é o mesmo e posso também dizer, plagiando Verdi, “saudades da silhueta da bela serra azul da Bocaina que emoldura a cidade e que trazia a brisa da chuva que descia a serra com seu cheiro de terra molhada, a fragrância inconfundível e inesquecível do solo natal; me lembram ainda as margens do rio Grande com suas lagoas apinhadas de curimbatãs e a bela ponte da rodovia, o velho monumento  abatido, do Cine Theatro Municipal, onde nós, as crianças saíamos chorando das matinês da Sexta Feira Santa após as cenas chocantes do filme Paixão de Cristo, mostrando a crueldade de sua crucificação e tortura com lanças e azorragues...
Ooh, minha terra querida dos tempos que não voltam mais. Oh, solo querido e gentil, perdido há tanto tempo, mas que a toda hora incomoda o nosso peito e nos faz chorar a ausência de seus símbolos e sobretudo os amigos de infância que ali deixamos. Falem, mostrem, sim, suas lindas praças, das belas e históricas igrejas, colégios, clubes, faculdades, dos bondes, tudo enfim, até mesmo dos pequenos aviões do aeroclube.  Reacendam a memória no nosso peito, Falem-nos do tempo que passou e dos amigos que ali deixamos ou até mesmo daqueles que já nos deixaram para sempre. Também eu, um dia, quero voltar, ainda que em cinzas e que elas repousem para sempre aos pés dos ipês e das escolas que florearam alimentaram a nossa alma! Voa pensamento, voa. Voa para o doce solo da terra natal, bem assim como cantado na ópera. Emocione-se, ouça e veja a encenação da ópera de Verdi em curto vídeo, cujo link vai abaixo e diga se é capaz de não se tocar, sentir o amor à terra natal.

Brasília, 05 de janeiro de 2020

Paulo das Lavras


Veja a bela e breve encenação de parte da ópera Nabuco, de Verdi: https://www.youtube.com/watch?v=FJ8JRD4xVmQ


A terra natal é o refugio da alma para aqueles dela vivem distantes.
Lavras nos anos de 1940/50. Igreja Matriz de Santana, vendo-se ao fundo da foto
O telhado alto da Escola Firmino Costa, onde estudou o menino
Foto: acervo de Renato Libeck



Cidade de Lavras, mais recente, emoldurada pela belíssima serra da Bocaina
Foto: acervo de Renato Libeck


A grande chácara onde morou o menino. Rua Progresso, hoje Vila Cruzeiro do Sul.
A belíssima vista para a serra azul da Bocaina, ficou marcada para sempre na alma do menino



A bonita ponte da BR 381, sobre o Rio Grande, inaugurada em 1959. As vazantes do rio enchiam as pequenas lagoas  nas margens com grande cardumes de curimbas e douradas.
Foto: acervo de Renato Libeck- 1960


Cine Theatro Municipal, demolido nos anos de 1960. Ali as crianças assistiam às sessões de matinês aos domingos. Nos filmes da Paixão de Cristo, durante a Semana Santa, era comum sirem chorando por causa das forte cenas da crucificação.
Foto: acervo de Renato Libeck



A principal praça da cidade, Dr Augusto Silva, ou simplesmente “jardim” e
o antigo  bonde, que rodou até o ano de 1967
Foto: acervo de Renato Libeck



A mesma praça com as imponentes e majestosas Palmeira Imperiais, que contornam
 a Escola Carlota Kemnper, vinculada ao Instituro Presbiteriano, que chegou à cidade em 1893
Foto: acervo de Renato Libeck


No coração da cidade, a igreja do Rosário, inaugurada em 1754. A seu lado o sobrado
do Capitão Evaristo Alves e mais adiante o Castelinho.
Foto: acervo de Renato Libeck


Sobrado da esquina, Colégio Aparecida, onde o menino cursou o ginásio e o científico
Foto: acervo de Renato Libeck


A velha Escola Superior de Agricultura de Lavras- ESAL, hoje Ufla,
que formava  os jovens no curso de agronomia.
Foto: acervo de Renato Libeck


Os pequenos aviões de treinamento eram a atração dos meninos no antigo campo de aviação.
Foto: acervo de Renato Libeck



Rodei o mundo, trabalhei bastante, no país e no exterior, mas mesmo com todos os encantos,
a saudade da terra natal nunca me deixou. Aliás, interessante, até mesmo os artistas
que passaram por Lavras ainda mantém vínculos com a cidade.
Foto do autor,  NY-1978


... é o caso da famosa cantora da Jovem Guarda, Wanderléa. Voltou à Lavras,
 onde viveu  dos 4 aos 11 anos, como mostra a foto na rua Dr Gammon,
 visitando a antiga casa onde morou.
Foto: acervo de Renato Libeck



Não só Wanderléa, como também os amigos dos tempos de colégio, Nilson Naves,
Ministro do STJ;  José Márcio de Carvalho, também do MEC (penultimo da direita) e
 Salvador de Miranda (residente em BH), estão sempre a visitar  Lavras, a cidade natal.
Foto do autor- Brasília, solenidade no STJ



Não tem jeito, o poeta Mario Quintana acertou em cheio: "a gente continua morando na velha casa em que nasceu". Levei para Brasília o carro de boi que pertenceu à família, em Lavras e o Jeep, comprado do Exército, de S.J. Del Rei, como a relembrar a vida na fazenda.
Foto do autor 



Ah... o calor humano dos mineiros de Lavras... Saudade das gostosas comidas da cozinheira “do Carmo”, na casa da Ponte de dona Edna, às margens do rio Capivari em Itumirim. Saudades de ser recebido na cozinha, pois além do calor humano e da prosa. o calor do fogão a lenha também nos aquece.
Minas é Minas e  mineiro... não tem igual!

Foto do autor - Itumirim, MG, 2017