quinta-feira, 20 de setembro de 2018

O Dia da Árvore


Vinte e um de setembro é o Dia da Árvore. Dois dias depois começa a estação da Primavera. Termina o inverno. Odeio invernos! Desde menino, aos 10 anos de idade, quando passei para o turno matutino, na Escola Municipal Pe. Dehon, no distante ano de 1955, quando foi inaugurada na minha cidade natal, Lavras.  Situada no sul de Minas, elevada altitude e aninhada entre montanhas, o frio atingia temperaturas baixíssimas, de até 6º C. Pouco tempo depois, já no ano de 1957, gravei muito bem na memória o valor dessa baixa temperatura do inverno de junho. Lembro-me, exatamente do Pe. Raimundo Weilhermman, tiritando de frio e anunciando os terríveis 6º Celsius (era professor de Física e gostava de aproveitar ocasiões para incentivar os estudos da matéria). Esfregava rapidamente as mãos que regeriam a execução do hino nacional, cantado pelos meninos do Colégio Aparecida. Temperatura fria demais, às 07h da manhã, as mãos se enregelavam, doíam e até os dedos dos pés, também gelados, doíam dentro do sapato de couro fino, sem nenhuma proteção, após caminhada de três quilômetros para chegar à escola. Era um tremendo sacrifício caminhar, carregando pesada pasta com livros e cadernos, saindo às 06:00 horas, rua abaixo que mais parecia um túnel de vento gelado.

Pior mesmo deveria ser para aquela outra turma, de oito ou dez trabalhadores rurais, boias frias, moradores da Pedreira, ao lado da caixa d’água da PML (hoje, COPASA), à rua Otacílio Negrão, a esperar o Dr Weber Almeida, com sua caminhonete pick-up Wyllis, amarela e branca, a leva-los na carroceria aberta para a “apanha de café” em sua fazenda pelos lados da estrada de terra para Itumirim. Chapéus enterrados na cabeça e mulheres com o tradicional turbante a proteger-lhes os longos cabelos, todos enrolados em surrados panos e agasalhos de frio, agachados, encolhidos, ali no na calçada (nem existia, pois a rua era encascalhada), segurando seu embornal com a marmita contendo apenas arroz, macarrão, angu e feijão.  Eram assim os meses de junho e julho, pico do inverno e da colheita do café, com intenso e insuportável frio às seis horas da manhã. Anos mais tarde, já no início dos anos 70, tornei-me produtor de café e nossos caminhões faziam o mesmo transporte, porém dotado de cobertura de lona e, na hora do almoço, reforçávamos com carne cozida e mandioca a boia fria, trazida de casa por aquele mutirão de 30 ou mais apanhadores de café. A lembrança dos boias frias da Pedreira, tiritando de frio, marcou indelevelmente o menino, pois ele também passava pelo mesmo frio, com a diferença que depois da rua seguia-se a sala de aula, embora fria, mas nem tanto como ao relento.

Não era fácil enfrentar o inverno do sul de Minas. Sofria-se mais que nos cinco graus negativos de Michigan/EUA, ou zero grau em Paris, onde trabalhei temporariamente por alguns anos. Nesses lugares, de rigorosos invernos sujeitos às nevascas, o cidadão conta com a proteção da calefação em qualquer ambiente, mesmo nos meios de transporte. Por aqui, até as salas de aulas eram geladas, daí o desconforto a ojeriza acumulada nessa situação. Mas, porém, todavia, entretanto, contudo, não obstante e ainda assim..., aquele mal, gelado das Lavras do Funil, durava pouco tempo. Já nas paradas (desfiles) de 7 de Setembro o frio era bem mais atenuado, embora o uniforme fosse camisa de manga curta, de malha fina, sem blusa de frio. O melhor estava por vir e tinha data marcada, o dia da árvore, 21 de setembro, quando o frio já tinha ido embora e o calor já se fazia sentir. Nessa época toda a vegetação mostrava seus brotos explodindo e revestindo as árvores de intenso verde folha. Também a chuva já se anunciava e os pássaros com intensa cantoria, em festa de acasalamento, saltitavam de árvore em árvore a se mostrarem para as suas futuras companheiras. A natureza é sábia. Os pássaros cantam na primavera não é para “chamar chuva”, como diz o povo, mas sim pelo fato de que é hora de se acasalar, construir os ninhos e 21 dias depois da postura dos ovinhos, nascem os filhotinhos..., em época de plena fartura de frutas, facilitando a sua alimentação. Sábia Natureza!

Mas, aí estamos, chegou o 21 de Setembro – Dia da Árvore. O cheirinho gostoso de terra molhada aguça nosso olfato e as pretinhas jabuticabas ali já estão a nos esperar. O homem do campo, mais que esperançoso, começa a olhar para o céu em busca de sinais mais promissores da chuva, sulca a terra para plantar a semente que germinará e produzirá seu sustento. Saudemos, pois, a Árvore que nos alimenta na vida, nos dá sombra, conserva a água das nascentes, nos dá a madeira para a nossa casa e toda sorte de móveis e utensílios e até mesmo para locomoção, desde os mais remotos tempos. E, por último, ainda fornece a madeira que nos conduz ao repouso final no solo, de onde viemos como dito nas Sagradas Escrituras.

Ao Dia da Árvore segue-se a Primavera, a estação das flores que alegra a alma. É também a estação dos frutos, da semente que germina e produz o alimento para nosso corpo. Alguém pensa nisso, o que representa a Árvore para as nossas vidas? Prepare sua alma para a alegria, a beleza e celebre essa importante data da nova estação do ano que se avizinha, mas nem sempre lembrada nas urbes dominadas pela tecnologia, ferro, aço plástico e os eletrônicos que ocupam, agora, a maior parte de nosso tempo.
 Árvore e Primavera, água, solo, planta e a fauna, são os símbolos da Natureza, da Vida.

Brasília, 21 de setembro de 2018

Paulo das Lavras



A Árvore é o mais belo presente da Natureza

Foto do autor – 07/09/2014, Ipê amarelo na PGR/Brasília 


O frio em Lavras somente começava a atenuar em setembro, com
a chegada da primavera.
 Foto: Arquivos de Renato Libeck-  Pe. Raimundo Weilhermman,
 desfile de 7 de Setembro – CNSA 1957 


Os trabalhadores da colheita do café passavam muito frio,
no mês de junho, quando inverno em Lavras era mais intenso.
O  menino que se tornou cafeicultor nos anos 70, sempre
se lembrava dos boias-frias tiritando de frio, enquanto
esperavam o transporte à beira de seu caminho para a escola.
Foto: maio 1975


Mesmo com clima mais quente que o sul de Minas, o café irrigado vai
 bem em Brasília. Aqui não tem aquele frio congelante das montanhas.
 Foto – 2015


Novembro de 1977, em frente ao escritório de trabalho,
 na Michigan State University. Em seguida era época de
muito frio, com nevascas que chegavam a
um metro de neve na porta do prédio. Hora de voltar para os trópicos


Mas, em compensação, a primavera no hemisfério norte é belíssima,
com temperaturas agradáveis e floradas diferentes das nossas.
Foto: East Lansing, maio 1978




Da mesma forma que nos EUA, o natal na França é congelante,
mas só na rua, pois os ambientes fechados  e os meios
de transporte  são dotados de calefação.
Foto: dezembro  2013


Primavera em Nancy/França. Recebendo os diretores de Escolas de Agronomia, 
Juventino J Souza/ESAL-UFLA e Aino Jacques- E.A./UFRGS
Foto: maio  1988


Vovô, pode colher uma pera?  A surpresa do netinho ao encontrar
 um pé de pera, carregado de frutas e a seu alcance... 


A árvore e suas milhares de jabuticabas, para deleite das crianças
 e também dos adultos..., com sabor de infância


Primavera é a mais bela estação do ano. A exuberância do Emerocalis de cores
 variegadas, tendo à esquerda um pé de pitanga, o pinheiro ao centro (vitimado 
por um raio, no verão seguinte) e goiabeira à direita.


Infelizmente um dos pinheiros, de mais de  mais de 30 anos de idade, foi vítima de um raio, em tempestade do verão de 2014. Mas, foi imediatamente replantada outra muda. Oportunidade ímpar para educar as crianças com a consciência ambiental


Nova árvore, vida nova, crianças aprendendo a respeitar e amar a natureza


Vamos comer ameixa amarela (nêspera) ? Sim, mas também temos que planta-la e cuidar

Foto do autor: abril 2014


E tome flores..., beleza estonteante. Ipê roxo, próximo à sede da CNC, Brasília
Foto do autor, agosto 2012


Mais flores..., árvores de ipê amarelo, na janela do quarto onde nasci
Foto do autor: Sítio Retiro dos Ipês/Lavras – 2014



domingo, 9 de setembro de 2018

Um ciclista profissional em Lavras na década de 1960


Era uma noite de sábado do mês de fevereiro de 1962. Havia caído, à tarde, uma chuvinha fina típica de final de verão, mas nada que afugentasse os jovens em seu habitual programa de footing pela praça, aliás, jardim. O “jardim” estava apinhado de gente. Jardim, era como os lavrenses chamavam a sua principal praça, Dr Augusto Silva, o coração da cidade. Ali aconteceria o encerramento de um evento ciclístico que ficou famoso na cidade. Tão famoso que, mesmo depois de exatos 53 anos, dois protagonistas daquele evento se encontraram na distante Brasília e o relembraram com alegria, como a dizer: nós estávamos lá, você se lembra? Assim são os amigos. É o mesmo que estar em casa sempre, pois são como irmãos, garantindo-nos que a sua infância e juventude também estão guardadas no coração deles. Alegria em dose dupla.

E Brasília às vezes surpreende a gente. Mais de meio século depois, entrando numa loja comercial da capital federal, eis que de repente e surpreendentemente, alguém em meio a centenas de pessoas estranhas (é sempre assim em cidades grandes, você é apenas mais um anônimo) gritou meu nome e esboçou um largo sorriso de satisfação. Era o amigo dos tempos de juventude em Lavras, José Alcides Alvarenga. Estudamos no mesmo colégio, frequentamos os bailes do Clube de Lavras, as sessões de fins de semana do Cine Brasil, cada qual com sua namorada e por fim, ele como aluno na ESAL/UFLA e eu como professor. Desde então não mais nos vimos. Alegria sem fim no reencontro. Deixei as compras e passamos logo a conversar sobre os bons tempos passados em Lavras. Marcamos outro encontro, visitamos a chácara, meu refúgio e finalmente fui despedir-me dele, na casa de sua irmã, Lenita, onde se hospedara, a poucas quadras de onde moro. Foram horas de conversas sobre a cidade e sua gente, os familiares e amigos, principalmente dos tempos de estudante e primeiros anos de profissão.

 Lennon e McCartney foram muito felizes na canção “In My Life”, quando disseram que há lugares, coisas e pessoas que a gente se lembra pelo resto da vida. Embora algumas tenham mudado e outras até desapareceram de nossas mentes, muitas permanecem indeléveis. E desses amigos e lugares, os melhores são aqueles com os quais compartilhamos a vida, os tempos dourados da juventude. E eles sempre serão relembrados, onde quer que estejamos ou os reencontremos. Amigos são mesmo flores plantadas ao longo do nosso caminho e assim a vida será eterna primavera.
 
Mas,  certa vez, muito marcante, e não era primavera em Lavras, e sim final de verão daquele ano de 1962, relembrou-me o dileto amigo José Alcides e emendou: “tenho uma foto em que você aparece ao meu lado, naquela noite de encerramento da prova de resistência de um ciclista profissional, que pedalou por três dias consecutivos, sem descer da bicicleta e eu estava, com uniforme militar do Exército, guarnecendo a área de isolamento, pois prestava Serviço Militar Obrigatório, no Tiro de Guerra  da cidade”. Incrível, memória de elefante, lembrar-se de um evento de 53 anos atrás e com detalhes de imagem na memória... O Menino das Lavras nem acreditou quando, poucos dias depois da viagem de volta do amigo, dele recebeu  e-mail com a referida foto. Ali estávamos os dois e outros amigos de colégio. Também não era primavera, nem em 1962, em Lavras e tampouco em Brasília naquele ano de 2015, quando nos reencontramos. Ainda assim, Lennon e McCartney estavam certos em sua bela composição musical “In my life”, pois o Menino pôde viver “eterna primavera” com as “flores” rememoradas pelo amigo.
 
Ciclismo era coisa rara, tanto pela época como pelo costume local. Cidade montanhosa de difícil pedalar, Lavras não tinha muitas bicicletas como a cidade de Governador Valadares e outras. Mas havia, sim, na década de 1960, algumas delas de marcas alemãs, como Göricke e Mercswiss, a polonesa  Gulliver e as recém lançadas no Brasil, Caloi  e   Monark. Em casa havia uma Mercswiss, na cor vermelho-goiaba, aro 26, própria para meninos, muito resistente. Havia, também em Lavras algumas bicicletarias, onde se faziam a manutenção e comercialização de bicicletas usadas, de marcas estrangeiras. A Bicicletaria Ferreira era a mais importante da cidade e até tinha propaganda pela ZYI-6, Rádio Cultura de Lavras. Após o surgimento das bicicletas nacionais a gurizada passou a preferi-las pois havia maior quantidade de modelos e tamanhos. Outro detalhe era que as bicicletas estavam sempre equipadas com campainhas, dínamo gerador e farol. este era necessário porque as cidades do interior, além de muito mal iluminadas, não dispunham de iluminação em mais da metade de sua área. A bicicleta, em muitos casos, era o único meio de transporte para aqueles que residiam mais distantes do centro da cidade, daí a necessidade de farol.
Pois essas e outras reminiscências, sobre as bicicletas da década de 1960, foram gostosamente relembradas pelos dois amigos e aqui as compartilhamos com todos.
 
Brasília, 15 de outubro de 2015
Paulo das Lavras
 
José Alcides Alvarenga e Paulo das Lavras, em Brasília, outubro de 2015,
53 anos depois do evento ciclístico em Lavras, cuja foto, ele próprio enviou-me.
A alegria do reencontro casual, depois de tanto tempo, até nos fez rejuvenescer e nos
 sentirmos  como naqueles idos de 1962.


José Alcides, com uniforme militar, guarnecendo o cordão de isolamento
da prova ciclística de três dias, sem descer da bicicleta.
O menino das Lavras  aparece de paletó cinza, camisa branca e calça clara, ao lado de outro com
terno escuro, ao centro da foto. Também aparece na foto, a meu lado, de camisa xadrez,
  o garoto Nilton José Arruda que, mais tarde, tornou-se professor em colégios da cidade.
Foto: cedida por José Alcides Alvarenga


Bicicleta robusta, a mais vendida nos anos 60 – Goricke
Foto: internet


A mais preferida pela garotada, aro 26, de bom tamanho
e também muito robusta. Havia uma desta em casa e gostávamos
 de fazer trilha pelas pastagens da chácara .
Foto: internet


P.S – em, 21/10/2015, apenas seis dias após ter escrito a crônica acima, comparecemos aos funerais de Lenita Alvarenga, de tradicional família lavrense e irmã do amigo José Alcides Alvarenga. Pioneira de Brasília, chegou à cidade logo após sua inauguração. Foi casada com o advogado Everardo Curado Fleury, já falecido e também pioneiro da capital federal.
Por essa razão, não publicamos a crônica que ficou esquecida em nossos arquivos. Hoje, 10/09/2018, com a infausta notícia da morte de José Alcides, decidimos publicá-la em homenagem a ele, sua família e aos amigos.
Amigos são mesmo flores plantadas ao longo do nosso caminho e assim a vida será eterna primavera e a memória dos mesmos é e será sempre indelével em nossa alma!