sábado, 18 de dezembro de 2021

18 de Dezembro de 1967- Resgatando o passado

 

Ano passado publiquei nas redes sociais uma ligeira recordação de nossa formatura.  Hoje, repetindo a comemoração, publico algumas antigas e modernas fotos, apenas para relembrar um pouco aquele passado que moldou nosso futuro. E o futuro chegou, 54 anos já são passados.

 Em 2022, celebraremos os 55 anos de formatura  na antiga Esal, hoje Ufla.  A solenidade da formatura aconteceu no dia 18 de dezembro de 1967, no salão Lane-Morton, do Instituto Gammon. O paraninfo foi o saudoso professor Paulo de Souza.  Dia seguinte houve o baile de gala no Clube de Lavras.

O tempo voa...  Doces recordações!

 

Brasília, 18 de dezembro de 2021

 Paulo das Lavras


 O velho portão  da Esal/Ufla em 1965 
Foto – Coleção Renato Libeck


 Vista panorâmica do Campus Histórico e parte do novo Campus da Ufla-2021 
Foto- Leonardo Renoir


No canteiro central da Esal/Ufla  em 1965 – No alto, da esquerda para a direita: Francisco Godinho, José Maria de Oliveitra, José Lessa, José Clodoveu, Thadeu de Pádua, João Virgílio, Andirana, Gilnei, Antônio Ernesto e Paulo Roberto. Sentados: Milton, Afonso, João Júlio, Antônio Carlos, Fernando Duque, Glauco e Gilvan. 
Foto: arquivos do autor



 Excursão em Brasília - maio de 1966 – Palácio da Alvorada 
Foto: arquivos do autor


 


 

  
Com a camisa comemorativa dos 50 anos de formatura 
Lavras (2017)

 









 




 

 



 



    


domingo, 21 de novembro de 2021

Meus professores prediletos em Lavras, a Terra dos Ipês e das Escolas

 

O que é ser um verdadeiro professor? Bastaria ensinar aos alunos para ser um bom professor? Não apenas isto e as primeiras questões que surgem são: qual a metodologia que o professor utiliza? Ele gosta de ensinar e está qualificado para essa nobre função de educador? Começa aí a discussão e as preferencias de cada um.  Sempre achei que o bom professor é aquele que, primeiramente, gosta da profissão, tem prazer em ensinar e está sempre aberto às perguntas e tem empatia com seus alunos. Depois vem a sua qualificação, o que é facilmente identificável pelos próprios alunos, tanto pelas respostas e incentivos no dia a dia, como também por uma visita à sua biblioteca particular, pois os bons professores sempre prezam suas coleções de livros, revistas especializadas, suas próprias pesquisas científicas ou simples enquetes, grupos de discussões virtuais, tão comuns hoje em dia, enfim todo o arsenal que contribua para deixa-lo na vanguarda da guerra do conhecimento. Esses eram meus critérios, quando estudante, para eleger o bom e o melhor professor que tive. Dentre eles destaco aqueles que já se foram, mas deixaram imensurável legado que beneficiou a milhares de profissionais que um dia foram seus alunos: Roussaulière Mattos, Nelson Werlang, Paulo de Souza e Alfredo Scheid Lopes.

Mas, além da citação dos saudosos mestres que tanto nos incentivaram e com extremado amor ao Ensino/Aprendizagem, a ponto de nos influenciar a também nos tornarmos em professor universitário e trabalhar com a Educação durante 50 (cinquenta) anos, trinta e cinco dos quais no Ministério da Educação, em Brasília, vamos falar de algumas características genéricas e especificas da boa docência. Em primeiro lugar está a abordagem educacional, que deve proporcionar oportunidade de aprendizagem concreta. Para tanto, o professor terá que encorajar a curiosidade do aluno, a experimentação, o prazer da descoberta, o compartilhamento e o multiculturalismo com inter-relações pessoais, incluindo-se os intercâmbios internacionais. Somente assim o aluno, sem medo de perguntar ou errar e sabendo que terá de interagir com seus pares (como manda o figurino no mundo do trabalho), se sentirá incentivado a dar asas à sua imaginação, desenvolvendo raciocínio crítico e criativo, tendo, ainda, a compreensão de que um eventual erro faz parte do processo da aprendizagem. O aluno aprenderá, portanto, a assumir riscos intelectuais, adquirindo verdadeira paixão pelo aprendizado, com maiores chances de torna-lo bem sucedido, fazendo assim grande diferença na sua vida e na profissão. Não à toa, como professor de engenharia, nunca apliquei uma prova de questões fechadas com respostas “certo/errado”. Provas e exames sempre foram aplicados com estudos de caso, preferencialmente em grupos de cinco alunos, com consulta aberta a livros, anotações ou à internet. Trabalhoso para o professor? Sim, assentar-se junto aos grupos, avaliar a participação de cada um, sentir as dificuldades na resolução do problema e dar nota diferenciada a cada um dos cinco alunos que trabalharam juntos na prova e sempre monitorados pelo professor e depois ler e corrigir o texto (inclusive erros de redação, com descontos na nota final, pois erros gramaticais são imperdoáveis num relatório técnico no mercado de trabalho), anotar as dificuldades, leva-las para o feedback em sala. Com certeza, é extremamente trabalhoso, mas é o melhor caminho para se alcançar o aprendizado de fato, ver e sentir a satisfação estampada em cada aluno.

Pois bem, hoje não é dia do Professor e talvez esta crônica devesse ser publicada naquele dia reservado às homenagens de praxe, mas, é final de ano, época de renovação de matrículas em colégios e até mesmo troca de faculdade ou curso e, portanto, boa hora para a reflexão nessas questões pedagógicas. O jornalista Jorge Duarte que criou o lema “Terra dos Ipês e das Escolas” (in: Nemeth-Torres- https://historiadelavras.blogspot.com/2011/08/por-que-lavras-e-terra-dos-ipes-e-das.html) disse que em agosto florescem os ipês e embelezam a cidade, mas em novembro florescem as Escolas, promovendo a formatura de seus jovens alunos e matriculando outra leva. Portanto, agora, mais do que nunca, é hora de refletirmos sobre a qualidade da Educação de nossos filhos. Educação é o nosso grande legado para os filhos. Bons colégios e faculdades farão a diferença, mas desde que tenham excelentes professores, qualificados e acima de tudo, que amem a Educação. Tenho orgulho de meus mestres e da Terra das Escolas que sempre esteve na vanguarda da Educação e até mesmo o Ministério da Educação, aqui em Brasília sabe disso.

Brasília, 21 de novembro de 2021.

Paulo das Lavras


Até mesmo na Escola Firmino Costa tem maravilhosos ipês amarelos e roxos. Ali estudei 
Os dois primeiros anos do ensino fundamental. 
Fotos: 1- acervo de Renato Libeck (anos 2010/2020)    2- Robson Rodarte,  2015  



 
Prof Roussaulière Mattos, paraninfo, entregando-me o diploma do curso científico. 
À direita, Prof Nelson Werlang. Ambos, professores dos tempos de colégio, ingressaram, 
tempos depois no corpo docente da UFLA, onde fomos colegas. Feliz parceria no ensino 
e na pesquisa, com dedicação e amor à profissão. 
Fotos: 1- do autor    2- acervo de Renato Libeck




 Os notáveis e queridos mestres Paulo de Souza (1º da direita, à frente) e Alfredo Scheid Lopes 
(1º à esquerda na fila de trás). Dedicados e apaixonados mestres do saber e da empatia com seus alunos. 
Paulo de Souza foi nosso paraninfo na UFLA, em 1967 
Foto: ano 1963 – arquivos UFLA


 
A célula mater da Universidade Federal de Lavras, o Ginasio de Lavras, com mais de 150 anos 
de existência, fundado pelo missionário Samuel Rhea Gammon, cujo prédio foi projetado 
 por ele, em estilo clássico e lembrando as colunas virginianas, de seu estado natal 
nos Estados Unidos. À direita o campus da Ufla. 
Fotos: 1- arquivos do IPG- Lavras,   2- DuAlto Fotos



 Lavras-MG. Terra dos Ipês e das Escolas, onde se respira um ar de cultura... 
 Assim disse, certa vez, Assis Chateaubriand. 
Foto: Alejandro/Coleção Renato Libeck


 

 





 




 









sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Um amigo chamado Possato

 

Com o amigo Possato no aeroporto de Brasília. Para amenizar a diferença
 de altura de 1,70 x 1,90m, fiquei na ponta dos pés, mas, ainda
assim..., só nos igualamos na alegria do reencontro, ali mesmo na
confusão e pressa da sala de embarque do aeroporto de Brasília.
Foto: do autor - 16/03/2015


A maior glória para um professor é receber um elogio de ex-aluno. Neste Dia do Professor, já aposentado há uns dez anos, quero comemorá-lo lembrando-me dos queridos ex-alunos. Quanto maior for o tempo decorrido entre a formatura do ex-aluno e o encontro casual, maior será a alegria, o prazer, o orgulho do professor ao receber os cumprimentos ou um simples “obrigado, mestre”. Possato era assim, sempre nos chamava de mestre e com um largo sorriso, demonstrando todo seu carinho e atenção. Mesmo que ele não tenha ocupado uma cátedra, pode, sem duvida, ser chamado de Mestre. Mestre da atenção, do carinho pelas pessoas, empatia, respeito, probidade no trato da política e sobretudo mestre na dedicação e amor à terra em que nasceu e a toda sua gente. Foi, sem dúvida, um mestre nessa arte.  

 

Raramente via o ex-aluno da Esal/Ufla, Antônio Marcos Possato, em minhas idas anuais a Lavras, mas quando nos encontrávamos ele tinha o mesmo sorriso e empatia que sempre o caracterizavam como na foto que abre esta crônica, tomada na sala de embarque do Aeroporto de Brasília, em encontro casual, quando ele desembarcava de um voo procedente de Manaus e eu partia rumo a Salvador/BA. Era mesmo, um reencontro de amigos, como sempre! Ele era assim indistintamente com todos. Em qualquer lugar ele se apresentava e gritava de longe..., “Mestre!” e nos abraçava efusivamente. 

 

Lembro-me, particularmente de dois encontros casuais com o amigo Possato e um último contato pelas redes sociais. Outro encontro foi em agosto de 2013, quando promovemos em Lavras um evento social. De Brasília, conseguimos levar à Lavras, o escritor Carlos Murilo Felício dos Santos, velho amigo da cidade desde os tempos em que era secretário particular de JK, Govenador de Minas Gerais e depois Presidente da Republica. Sempre acompanhou JK nas visitas a Lavras, inclusive na festa do Centenário da Cidade. O evento social que promovemos foi o lançamento do livro de Carlos Murilo, intitulado “JK- Momentos decisivos contra o golpismo no Brasil”. Realizado na Casa Rosada, com o patrocínio da Secretaria de Cultura de Lavras, contou, para nossa grata surpresa, com a presença do Vereador Marcos Possato, então Presidente da Câmara Municipal, que lá compareceu representando a edilidade.

 Foto histórica, na Casa Rosada. Lançamento do livro “JK- Momentos decisivos contra o golpismo no Brasil”. Da esquerda para a direita: Nilson Salvador, Pró-reitor de Cultura/Ufla; Vereador Marcos Possato, Presidente da Câmara Municipal; José Scolforo, Reitor da Ufla; Carlos Murilo Felício dos Santos, Paulo Roberto da Silva e o Vice-Prefeito, Aristides Silva Filho
Foto: do autor -  Casa Rosada- Lavras 30/08/2013 

Recentemente, em 20 de abril deste ano, o Vereador Possato enviou-me uma mensagem, via whatsapp, informando que havia apresentado um projeto à Câmara Municipal de Lavras, que foi aprovado, concedendo o título de Cidadão Honorário de Lavras ao prof. Alysson Paolinelli e que eu seria um dos convidados especiais, como um dos oradores oficiais da solenidade, com pronunciamento de saudação ao homenageado cidadão honorário. A solenidade deveria se realizar tão logo decrescesse a pandemia do Covid-19. Falamos muito sobre o homenageado, Alysson Paolinelli, especialmente sobre sua atuação aqui no Ministério da Educação-MEC, conforme artigo que publicamos na Revista Patrimônio Histórico de Lavras, editada pelo Instituto Histórico e Geográfico de Lavras- IHGL. Poucos lavrenses sabem dessa brilhante atuação de Paolinelli no MEC, durante a década de 1960. Ele foi o principal responsável pela grande mudança no conceito da formação na Agronomia, introduzindo o conceito dos Land Grant College, com a trilogia Ensino, Pesquisa e Extensão que o MEC se recusava a adotar, por ser muito dispendioso e preferia continuar com o academicismo de origem francesa então vigente. Paolinelli batalhou durante toda aquela década, até que o MEC cedeu e adotou o método dos Land Grant College para o ensino agrícola superior. Possato passou, então, a conhecer mais esse trabalho do antigo diretor da Esal/Ufla e passou a divulgar mais esse grande feito de Paolinelli. De nossa parte ficamos honrados com o convite e desde aquele 20 de abril, esperávamos a atenuação da pandemia para a realização da sessão solene na Câmara Municipal. Infelizmente, a terrível pandemia foi cruel e não o poupou. Passados pouco mais de quatro meses de nossa conversa e seu honroso convite, com a esperança de que a pandemia logo se arrefecesse, esta foi mais rápida e traiçoeira, ceifando prematuramente a vida de nosso querido amigo Marcos Possato, com 67 anos de vida, em pleno gozo de saúde, com seu físico atlético de praticante de esportes, vindo a falecer apenas cinco dias após seu internamento hospitalar, acometido pelo implacável vírus Covid-19.

 

Grande perda para a comunidade, pois foi um homem publico sério, honesto, honrado e competente, além de ter sido um dos políticos mais atuantes em prol do município e sua gente. Ele fez muito por Lavras e merece todo o nosso reconhecimento. Perda maior foi para a sua família que ainda estava de luto pelo seu irmão mais velho, que faleceu havia pouco mais de 30 dias, também de Covid. Luto em dobro.

 

Neste meu Dia do Professor, homenageio um ilustre ex-aluno da universidade onde fui professor, o querido amigo e Vereador Antônio Marcos Possato. Triste, muito triste, pois um professor, tal qual um pai, nunca pensa em perder um ex-aluno, ou filho. Sempre esperamos que eles vivam muito tempo, para que tenhamos, sempre, a alegria de acompanhar seu sucesso e deles ouvir, como sempre ouvi do inesquecível Possato, aquele grito..., “Mestre”, num misto de alegria e respeito mútuo. Nosso abraço de profundo pesar a toda a família e que Deus nos conforte a todos.

 

Brasília, 15 de outubro de 2021 - Dia do Professor

 Paulo das Lavras


Cidadão atuante em todos os sentidos. Aqui, fotografei Marcos Possato no 
Desfile Cívico do Dia da Pátria, representando os Atiradores Veteranos. 
Foto do autor: Lavras, 07/09/2012

 




  

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A Missa das 10:00 horas em Lavras

 

 
Igreja Matriz de Lavras- MG 
Foto: inicio anos de 1970- coleção Renato Libeck


“Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la.”

Edmund Burke


          O menino de apenas 12 anos, interno num Seminário onde se preparava para se tornar um sacerdote da Igreja Católica, fez uma pergunta inusitada ao padre Manoel de Lima Cáuper, amazonense, tutor dos seminaristas recém chegados ao seminário. Padre Cáuper era o único brasileiro e de ascendência indígena, integrante do corpo de religiosos do Seminário, dirigido por padres missionários holandeses. Ali estudavam, internos, uma centena de meninos e rapazes. “Padre Cáuper, por que e qual a razão de se realizarem procissões em homenagem a santos e em especial as da Semana Santa”? A resposta foi direta e fulminante para a inocente imaginação do menino-seminarista: “o povo gosta de circo”. Baixou-se o pano do palco, ou melhor, do picadeiro do suposto circo (o menino abandonou o Seminário no final daquele seu primeiro ano de vocação sacerdotal) e partiu à procura de outras explicações mais lógicas. Intrigado, o curioso menino que já não concordava com certos rituais de sua igreja passou o resto de sua vida pesquisando as supostas razões para o costume brasileiro de celebrar tantos feriados religiosos, cada um deles com a promoção de festas e mais festas, a maioria delas bastante ruidosas e conflitantes com os ideais da fé e da religiosidade propriamente dita. Se a festa era para propiciar um momento de louvor, contrição da alma, invocando a presença e as bênçãos de Deus, porque aquele espalhafato, ruidoso e sensual onde todos de exibiam para ver e serem vistos? O menino nunca se deu por satisfeito com aquela resposta do padre, brusca, curta, contundente e de certa forma jocosa.

 Se a vida começa de fato com a memória, a história da humanidade,  e isso é um fato constatado até mesmo pelo famoso e exótico Deputado Juruna que carregava à tiracolo um gravador-K7 para registrar e posteriormente exibir às autoridades as suas promessas eleitoreiras ou discursos demagógicos, buscamos também a memória histórica para o caso das missas pomposas e procissões com imagens de santos veneráveis inseridas num contexto de festas que mais beiram o paganismo com divertimentos extravagantes que contrariam o sentido da religiosidade, o culto a Deus. Quais seriam os motivos que levaram o povo brasileiro a cultuar certos costumes religiosos em especial as procissões, folias de reis, congadas, festa do Divino e tantas outras, com o aval e protagonismo direto do clero católico? Não foi difícil encontrar as origens de tal costume brasileiro. Dois historiadores da atualidade, Laurentino Gomes e Lilia Moritz Scharcz, descrevem com detalhes a origem desses costumes brasileiros relativos à religiosidade misturada com práticas pagãs em suas obras “Escravidão’ e “As barbas do Imperador - D. Pedro II, monarca nos trópicos”. Seus  textos trazem relatos de viajantes estrangeiros que visitaram a colônia brasileira durante o século XIX, sendo que alguns aqui permaneceram por vários anos. Os viajantes, cientistas europeus, foram, em sua maioria, convidados pelo imperador Pedro II e a não menos culta  imperatriz Tereza Cristina de Bourbon-Duas Sicílias (nascida em Nápoles, em 1822 e apelidada de “A mãe do Brasil”, tendo ajudado na imigração italiana para o Brasil). Outros vieram ainda nos tempos de D.João VI e D. Pedro I. Um em especial, veio estudar nosso país  financiado pelo rei Francisco I das Duas Sicílias, pai da noiva prometida ao príncipe Pedro II.

Ambos os autores, Laurentino e Lilia, são unânimes em atribuir o costume das festas e procissões à influencia portuguesa e também dos escravos africanos, conforme relatos de cientistas estrangeiros que estiveram na colônia durante todo o século XIX.  Os relatos históricos dos cientistas foram publicados na Europa e são bastante detalhados, embora alguns deles (e a propósito) tivessem condenado com veemencia a promiscuidade de raças, crenças pagãs africanas em conflito com os costumes religiosos europeus. Mas, aqui há que se considerar que a Europa era muito racista naquele século XIX e assim devemos compreender que os cientistas estavam alinhados com as ideias vigentes, com argumentos biologistas e racistas que, aliás, foram mais tarde sistematizados por Darwin, Spencer e Gonineau, criadores do mito das raças. De qualquer modo os historiadores atuais, Lilia e Laurentino, descrevem os comentários de viajantes estrangeiros, de forma crítica e, por isso, são de grande valia para entendermos os costumes brasileiros de então, embora não tenham nos alertado para esse viés ideológico predominante na Europa, especialmente em Portugal, o  último país a retirar a igreja como órgão de Estado e onde a religiosidade e os cultos a santos veneráveis eram os mais fortes e tradicionais de todo o continente. Temos portanto, nesse caso dos costumes religiosos e de festas, dois DNA de origem, o português e o africano.  

Dentre os cientistas que estudaram o comportamento social dos brasileiros da era colonial e imperial, Car Seidler, que aqui permaneceu de1825 a 1835 e até chegou a ser oficial do exército imperial, foi bastante ácido e depreciativo em seus conceitos sobre a sociedade brasileira, afirmando que o povo misturava religião com vícios, como a bebida e a sensualidade e que faltava virtude nas mulheres brasileiras, caracterizando-as como “fáceis”. Em 1836, ano seguinte, à saída de Seidler, chegou ao Brasil o missionário norte-americano, Daniel Kidder, que aqui permaneceu por seis anos. Também ele se constrangia com a escravidão que já havia sido abolida no Reino Unido em 1833 e ainda em seu próprio país, os EUA onde havia sido assinado o Slavery Act Abolition, encerrando-se de vez a escravidão naquele mesmo ano de 1833. Kidder também se escandalizava com a falta de decoro nas cerimônias religiosas, com a mistura de raças, o uso de trajes sensuais, cantorias e danças, tudo regado a bebidas,  como a cachaça e animados por orquestras de negros e estrondos de fogos de artifício.

O mais antigo viajante que passou pelo Brasil foi naturalista alemão e discípulo de Humbolt seu grande mestre, príncipe Maximiliano Wied-Neuwied, que aqui chegou em 1815, logo após lutar ao lado das tropas austríacas e inglesas contra Napoleão na ocupação da cidade de Paris. Observou que as populações da colônia brasileira viviam nas fazendas, acomodadas, sem muita disposição para ir às vilas e que devido à dificuldade de mobilidade, tanto social, quanto espacial, se transformaram numa sociedade agrária, patriarcal e escravocrata, fechada em si. Predominava ali, segundo o cientista, a inercia, a falta de ambição individual e vontade de progredir, aliadas à preguiça: "poucos são aqueles que pensam em melhorar a sua condição. A sua indolência vai ao ponto de lhes ser indiferente ganhar dinheiro", afirmou o príncipe Wied-Neuwied. As vilas, segundo o viajante, eram integradas por pequenas casas, muito mal conservadas. As ruas, quase desertas, só apresentavam algum movimento nos domingos e dias de festas, quando a população se reunia, incluindo os fazendeiros que vinham com suas famílias e um séquito de escravos para os festejos. Em Lavras esse costume predominava, pois muitos fazendeiros moravam em suas fazendas e aos sábados e feriados vinham para a cidade, onde mantinham uma casa para esse fim. Essa situação só começou a mudar nos anos de 1960, quando a indústria automobilística se desenvolveu e as estradas foram melhoradas, permitindo aos fazendeiros morar na cidade e se dirigir diariamente à suas fazendas. Mas, ainda sobre o cientista Wied-Neuwied, ele reconheceu, apesar de protestante, a importância dos missionários jesuítas no processo de colonização do Brasil, reforçando a tese iluminista predominante na Europa, da associação estabelecida entre a colonização, escravização e pedagogia no processo civilizatório dos povos gentios. Segundo Laurentino Gomes, a própria Igreja assim pensava e também justificava a escravidão. Quanto às festas, todos os visitantes estrangeiros que aqui vieram estudar a colônia portuguesa, foram unânimes em afirmar que os festejos, fossem eles para comemorar aniversários, datas históricas ou festas religiosas, ostentavam luxo e pompa, além de “vergonhosa” promiscuidade entre raças e muita sensualidade. Segundo a historiadora Lilia Schawarcz, em todas as festividades montava-se a mesma maquinaria do espetáculo, que transformava a realidade em representação. E isto não era uma invenção local, mas sim a reprodução dos costumes portugueses e africanos de assistir a cortejos reais e procissões, completa a autora. O que causava surpresa a todos viajantes e em certos casos até escandalizava a alguns era a falta de decoro nas cerimônias religiosas, a mistura de raças, o uso de trajes sensuais, cantorias e danças, regadas à cachaça e animados por orquestras de negros e estrondos de fogos de artifício, como já dissemos anteriormente.

Para os negros, escravos e prisioneiros de seus patrões, as festas religiosas eram um meio de se promoverem, de se libertarem um pouco do jugo desumano. Ali, na procissão do santo do dia, ele se integrava, sentia-se como “livre”, participando da sociedade reinante. Assim eram nas procissões descritas pelos cientistas estrangeiros, no Brasil Colônia do século XIX e sempre com o aval da igreja e dos patrões. Ninguém parecia interessado em acompanhar as procissões e outros atos religiosos com “sentimentos elevados”.  Ali estavam para ver e serem vistos. Para o negro, essas festas se constituíam em oportunidade para participarem da sociedade. Por isso, sabiamente associaram muitas de suas divindades africanas à figura de um santo da igreja católica, o que era aceito pelo clero, aliás recomendado pela Coroa que via nessas manifestações religiosas dos escravos uma forma de aliviar a saudade da terra-mãe e com isso evitar movimentos de fuga para formar seus quilombos e ali praticarem seus costumes nativos. Assim, as festas religiosas, misturadas aos ritos e costumes africanos eram mesmo  de chocar qualquer europeu acostumado aos rigores dos cânones católicos e seu próprio puritanismo hipócrita. Eram mesmo consideradas muito espalhafatosas, beirando o profano segundo seus costumes europeus. Tinha razão o padre Cáuper, quando disse que o povo gosta de circo, causando espanto, chocando o menino seminarista em 1958.  Ele só não revelou que tal costume vinha dos tempos dos escravos e que , se por um lado, os padres converteram os negros ao catolicismo, por outro, os negros converteram os brancos para as suas festas de origem africanas.

Assim, após esse extenso preambulo, cabe relembrar a frase em epígrafe que abre esta crônica, enunciada por Edmund Burke, filósofo irlandês (1729-1797) e que é mais que atual. Ali se afirma que:  “Um povo que não conhece sua História está fadado a repeti-la”. Por isso corremos atrás e pesquisamos a história da igreja, a fé e a religiosidade a partir de seus primórdios e, lógico, considerando ainda a convivência  com a intimidade religiosa desde os tempos de menino de dez anos, que acolitava missas e estudou em colégio católico de padres alemães, de rígida disciplina, passando ainda pelo seminário, de padres holandeses cuja disciplina era ainda mais rígida que a dos padres alemães. Passou, ainda, o menino pelas missas das 10 horas de domingo com suas distorções de objetivos (era o point para ver as meninas e iniciar uma paquera)  e tudo isso o levou, aos 22 anos de idade, à decisão de abandonar as doutrinas eclesiais por conta das várias inconsistências. Não vai aqui, no entanto, nenhuma condenação a quem frequente missas ou outros cultos e festejos religiosos, pois cada um sabe de si e como encontrar refúgios para sua alma que, às vezes, se depara com grandes problemas e questionamentos existenciais. Todos temos o direito de escolher o nosso caminho e certamente, a religiosidade quando bem conduzida, nos ajuda a vencer os percalços da vida.

 

            Para o menino de então, que frequentava a missa das 10:00 horas na igreja matriz de Lavras, a religiosidade estava bem presente até os 12 anos. Coroinha, gostava de acolitar aquela missas dominical. Era bem solene. Antes do inicio da missa propriamente dita o padre saía a caminhar pelo longo corredor central da igreja matriz, aspergindo os fiéis. Acompanhavam-no os dois coroinhas, paramentados com batina vermelha e sobrepelizes brancas, rendadas no punho. Para os meninos coroinhas era uma honra estar ali acompanhando o celebrante, que portava um balde de prata com água benta, chamado de caldeirinha e o aspersório com o qual se aspergia os fiéis. Durante todo o trajeto, os coroinhas seguravam as abas laterais da casula, espécie de manto que se veste sobre a alva e a estola e cuja cor acompanha a cor litúrgica do dia. Nesse desfile de aspersão, era hora do menino-coroinha dar uma olhadela para os parentes e amiguinhos com um piscar de olhos e ligeiro sorriso. Isto quando não fazia careta com o banho de água benta que voava pelas laterais e atingia seu rosto. Neste caso ficávamos cegos e doidos para voltar para o altar, onde de costas para os fiéis enxugávamos o rosto na própria batina. Mas, melhor ainda eram as gargalhadas que os meninos coroinhas davam ao se deparar com uma fiel recebendo as cinzas na testa, na missa da quarta feira de cinzas, após o ultimo baile de carnaval. Chegávamos a apostar quantas moças encontrar´[íamos com restos de confete e purpurina nos cabelos ou mesmo no colo. A cada vez que víamos uma moça naquelas condições tínhamos que demonstrar, para marcar pontos. Cmo fazer isso, se as mãos estavam segurando a bacia de cinzas e o padre de olho em tudo? Inventamos levantar o pé para trás até a cintura. Além de olhar para trás e rir, às vezes nos embaraçávamos na batina vermelha e até se desequilibrava. Os padres ficavam intrigados com aquilo, mas nunca descobriram do que se tratava. Mas esse ritual de acolitar as missas logo se encerrou na puberdade quando outros interesses afloravam. Não era para menos, pois, as meninas se apresentavam em chique desfile de roupas e complementos, mais parecendo um footing  ou desfile de moda. Interesses marcados pelas trocas de olhares, paquera discreta e ao término da missa, seguiam para a praça, o jardim, onde se completava o footing. Dali seguiam para o Clube de Lavras, bem em frente à praça, para a tão esperada hora dançante, antes mesmo do almoço.

 

Mas, por que os jovens dos anos de 1960 se valiam do subterfúgio da “missa das 10:00 horas” para se encontrarem, paquerar e depois partirem para a hora dançante, ainda antes do almoço de domingo? Com certeza se valiam da mesma tática usada pelos escravos dos tempos da colônia. Os jovens queriam escapar do severo jugo dos pais que tudo proibiam. À noite era pior, pois havia na cidade o chamado “Leão das Nove”, quando todos, sim, todos saíam em disparada para suas casas, onde os pais ficavam a esperar os jovens à porta  da sala. A cidade ficava vazia, em completo silencio a partir das nove horas da noite. Ora, aos domingos de manhã? Duvidar de que? Quem poderia dizer algo em contrário, em desfavor do jovem, quando supostamente ele estaria ali, na igreja, “contrito, fervoroso” sob o olhar do padre que cuida das almas? Lá, na colônia com os escravos, como aqui, com os jovens, era a forma que a igreja tinha para atrair os jovens a seus cultos, mesmo sabendo que os interesses pessoais de cada um deles eram bem diferentes. Sem dúvida, como nas demais festas religiosas e procissões de antanho, ali estavam para ver e serem vistos, como bem descrevem os historiadores. Padre Cáuper tinha razão..., o povo gosta de circo. Não podia ser diferente nas ocasiões das festas religiosas. Mas, repetimos e enfatizamos, não vai aqui, no entanto, nenhuma condenação a quem frequente missas, cultos e outros festejos religiosos de qualquer que seja a seita religiosa. O menino viveu assim, nos anos 60, bem à moda do tempo dos escravos, prisioneiros. Um olho na missa e outro vagando, à espera do footing no jardim e a hora dançante no clube social da cidade. Era assim na minha cidade natal, nos anos de 1960.

Bons tempos!

 

Brasília, 30 de setembro de 2021

Paulo das Lavras

 
O belíssimo Jardim de Lavras, onde os jovens faziam o footing após a missa 
Foto : Robson Rodarte


O Clube de Lavras, hora dançante com músicas de Ray Coniff e outras orquestras famosas, 
 nas manhãs de domingo. O Ford Mercury, em primeiro plano, pertenceu a meu avô até o ano de 1960, segundo o historiador, proprietário da coleção de fotos, abaixo identificado. 
Foto: coleção Renato Libeck

 

 

 
Caldeirinha com água benta e o aspersório


O menino coroinha quando seminarista, ajoelhado à direita,  na distante Itaúna-MG. 
Foto: Acervo Colégio Santana, 1958 – Itaúna MG



Matando a saudade com os coroinhas num Quilombo na fronteira DF/Goiás. 
Foto do autor – Quilombo do Mesquita/Goiás - 2017













terça-feira, 31 de agosto de 2021

Instinto nefelibata

 

 
Sonho de Ícaro – Yara Tupinambá 

O alto das montanhas sempre foi procurado como local de oração e meditação, lugar privilegiado para a nossa aproximação com Deus. Cruzes ou cruzeiros, como são chamados em muitas regiões, estão quase sempre localizados no alto de um morro. Pare, pense, relembre as cruzes que você já encontrou ou viu, onde elas estão localizadas? Sempre no alto dos morros, seja no Gólgota, onde Cristo foi crucificado, ou ainda no Corcovado, onde Ele próprio está em forma de cruz, com os braços abertos. Muito provavelmente na sua cidade também haverá uma cruz, um cruzeiro no alto de um morro qualquer. As capelas também se localizam com muita frequência no alto de morros, como a de Nossa Senhora da Penha, no Rio de Janeiro e tantas outras. É inegável que o homem se sente mais livre ali nas alturas, pois longe de tudo e de todos sua alma se destrava e passa a contemplar as maravilhas vistas lá do alto. Ali, no alto, o tempo, inexpugnável, para e a respiração fica mais pausada com a contemplação do espaço que toma conta de nossa de alma. Assim foi e ainda hoje é o menino que tem verdadeira fascinação pelas alturas, especialmente em viagens de avião. E quanto maior for a aeronave mais tranquilo é o voo e maior a sensação de bem estar, flutuando nas nuvens, literalmente e com a sensação de maior proximidade a Deus. Assim também acontece com a maioria das pessoas quando estão nas alturas, alma relaxada, espírito aberto, em transe espiritual, admirando o espaço, a terra lá em baixo, com detalhes bem pequeninos e sobretudo a grandiosidade do universo com nuvens infinitas.

Quando estou num avião, a dez ou doze mil metros de altura, no silêncio da alma, em paz comigo próprio e o ambiente, consigo alcançar esse estágio de completo relaxamento e proximidade com Deus. A viagem de avião é antes de tudo mais que agradável, pois ali nas alturas não nos preocupamos com os perigos do trânsito, assaltos e tudo que nos perturba nas cidades. Enfim, podemos relaxar e confiar no piloto que nos levará ao destino programado, embora, algumas vezes surpreendidos por algumas turbulências aéreas, mas que sabemos ser a aeronave projetada para enfrenta-las e supera-las. Estar dentro do avião, nas alturas, pode até ser considerado um ato de protesto contra a correria do mundo lá fora, do tempo (da falta de tempo para si próprio) e do dinheiro que tudo comanda e nos escraviza até mesmo pelo elevado custo das passagens e hotéis. Mas, antes disso, é um momento de relaxamento, pois não temos que nos preocupar com o deslocamento e em pouco tempo estaremos no destino final. Ali, durante a viagem me desconecto das loucuras do dia a dia da vida de quem trabalha e tem que enfrentar a selva da cidade grande. É terapêutico, pois durante os voos o tempo passa mais devagar, naquela ilusão de ótica das grandes altitudes, quando você transita por entre as nuvens e enxerga na terra lá em baixo, um rio como uma linha sinuosa em minúscula dimensão de largura, quando na realidade aquela “linha” representa larguras de mais de 100 metros e extensões de mais de 100 km na linha do horizonte curvo do globo terrestre. E o que dizer daqueles quadriculados, em forma de xadrez, com apenas alguns centímetros de extensão e que cabe na palma da mão? Na verdade são grandes cidades com mais de 100 mil habitantes e que, das silenciosas alturas, parecem nossos brinquedos dos tempos de criança riscados a giz.

Interessante observar como funciona a cabeça de um viajante contumaz. A caminho do aeroporto seu pensamento ainda está focado no cotidiano da vida em sua base fixa, o trabalho com suas tarefas delegadas aos auxiliares, a agenda cumprida, a casa, família e tudo mais que o cerca. No entanto, assim que entra no avião, a agenda muda de foco e passa a se concentrar no local de destino, no objetivo da viagem. Mas, este, o objetivo, já está definido e planejado previamente e não há muito com que se preocupar, pois sempre haverá alguém a espera-lo no aeroporto e repassar-lhe e acompanhar nos compromissos locais. Assim, o intervalo de tempo do deslocamento aéreo, sozinho, ali nas alturas, sem nenhum compromisso de trabalho ou social com o desconhecido passageiro do lado, exceção apenas às cortesias de praxe, o relaxamento é total, próprio para a meditação.  Isto, lógico, depois da decolagem, pois antes a nossa atenção fica voltada à movimentação dos passageiros até se acomodarem nos assentos. Aliás, no desembarque essa movimentação é pior, mais intensa. Não sei para quê tanta correria, antes mesmo do desligamento das turbinas, todo mundo de pé, abrindo o bagageiro superior, incomodando a todos e colocando em risco a própria integridade física com a aeronave taxiando na pista antes de desligar os motores no deck de desembarque. Melhor permanecer sentado, deixar os afoitos desembarcarem e seguir, depois, tranquilo pelos estreitos corredores do avião. Durante os voos, em repetidos itinerários e de rotas já conhecidas, muitas delas percorridas inteiramente na cabine dos pilotos de grandes jatos (até o ano de 2001, quando se deu o atentado às torres gêmeas do World Trade Center, era permitido que se voasse como convidado na cabine dos pilotos), aprendemos a navegar pelos pontos geográficos assinalados na rota, que era toda balizada pelas ERB- Estação Rádio Base. A rota Brasília/Rio era a mais interessante. Cronometrava as ERBs de Paracatu, Patos de Minas, Formiga, Santo Antônio do Amparo onde se passava exatamente sobre a igreja matriz e aos cinquenta minutos de voo, lá estava a cidade de Lavras, com seu Rio Grande (Macaia), Serra da Bocaina, Itumirim, Luminárias..., e tudo mais num raio 100 km. Confesso que quase sempre dava aquela vontade de saltar de paraquedas e aterrissar bem no campus da UFLA, naquela larga avenida que ajudei a demarcar e construir ou então um pouco mais a sudeste, na fazenda de café que mantinha no município de Luminárias, do outro lado das Serra da Bocaina. Isto, sem contar a fazenda Retiro dos Ipês, onde nasci, às margens da rodovia Fernão Dias, logo ali, ou melhor, uns 10 km abaixo da aeronave. Se voar já é prazeroso por si, imagine com a carta de navegação gravada no subconsciente e com mapas coloridos de toda região conhecida como a palma da mão. Prazer infinito, ver, rever os locais da infância e juventude, de onde se afastou há tanto tempo.

O instinto nefelibata parece mesmo inato na maioria das pessoas. Nem sempre “viver nas nuvens” significa pessoa fora da realidade. As alturas sempre inspiraram a humanidade a buscar paz, o relaxamento da alma que, na quietude e tranquilidade das alturas, nos aproxima de Deus. É nas alturas que sempre tive as melhores inspirações literárias, cujos temas quase sempre ficam escondidos nos escaninhos do subconsciente. Ali passei os melhores momentos para meditar e compreender a grandiosidade da Vida, afinal foram mais de 3.000 horas de voos pelo mundo afora, na tranquilidade de passageiro de grandes aviões. Que bom que hoje temos os aviões que nos levam bem alto e nos proporcionam aquele vivenciar que milhares de anos antes empolgara a humanidade criando o famoso “Sonho de Ícaro” da mitologia grega, sem no entanto nos aproximar do “astro rei que derreteria as asas de cera de Ícaro”.

 

Brasília, 31 de agosto de 2021

Paulo das Lavras


sábado, 31 de julho de 2021

A mentira e a calúnia nas redes sociais

 

 
As Redes Sociais na Internet 
Foto: internet

Um dos grandes pensadores do século XX e dos maiores influenciadores de sua época, o alemão Erich Fromm, contribuiu como poucos para o avanço da psicanálise, da psicologia da religião e da crítica social. Seus livros, A Arte de Amar (1956) e Ter ou Ser (1976) ficaram mundialmente conhecidos. Suas teses, algumas contrariando as de Freud, foram muito discutidas. Ele defendia um humanismo normativo, onde as pessoas têm enraizadas em sua existência não apenas necessidades básicas físicas, mas também necessidades básicas psíquicas. E a família, como se sabe é o primeiro estágio da formação do caráter da criança/adulto. Dali emanam as diretrizes para vida. Saber “administrar” os conflitos dentro de uma sociedade, na convivência entre conceitos antagônicos é a chave do sucesso pessoal, do equilíbrio emocional com pacífica convivência social. Mas nem sempre isso ocorre, famílias desestruturadas não são capazes de fornecer o mínimo necessário de amor e conhecimento no preparo da vida de seus filhos. Quando adultos, às vezes, são incapazes de conviver com os conflitos ou simples comparações com seus semelhantes bem sucedidos. Há pessoas que são incapazes de conviver com situações contrárias à sua natureza humana (condições sociais de sucesso, etc) e reagem de maneira negativa. Abandonam a razão e partem para o campo da imaginação doentia, com mentiras e calúnias sobre aqueles que acreditam ser superiores ou mais felizes que elas próprias.

Fromm se debruçou sobre essa temática, contrariando Freud em alguns pontos. Sobre as necessidades humanas, assim como é possível promover ou reprimir certas necessidades básicas, da mesma maneira é possível que algumas falhas sejam produzidas pela cultura. Neste caso, já a partir do berço, seguindo-se os costumes da sociedade em geral. Por outro lado, se a pessoa perde um pouco de sua riqueza interior e o sentimento real de felicidade, ela é compensada pela segurança do sentimento de pertinência ao restante da humanidade. Mas, Este sentimento de pertinência, segundo o autor, impede em nível decisivo o desenvolvimento da imperfeição em uma neurose. E hoje, a percepção desse sentimento de “pertinência” quase sempre é medida pelo número de “likes” em redes sociais. Por isso, as redes sociais têm se transformado em palco de shows bizarros, tamanha a insistência em “aparecer” a qualquer custo em busca do suposto reconhecimento de seus pares nas redes.

Nesse sentido, as teses do autor foram bastante claras. Há distúrbios de personalidade que fazem o ser humano viajar em realidades paralelas, levando outros em suas “viagens”. O espírito humano, quando empobrecido em suas funções, é impelido a desejar poder total sobre os outros e tem uma sede insaciável de fama e prestígio (hoje representados pela quantidade de likes nas redes sociais). Isso leva à perda do senso de dignidade própria e alheia, pois só lhe interessa o sucesso. Para tanto, a maneira mais fácil de conseguir o intento, nas redes sociais, tem sido por meio da mentira e da calunia. Espalhadas nas redes sociais são como penas ao vento e as vítimas nunca mais conseguirão eliminá-las totalmente. O filósofo italiano, Umberto Eco, pioneiro na análise da internet, afirmou que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”. Outro filósofo mais antigo, Sêneca, definiu que “a mentira é a pior das deformações do ser humano” e infelizmente, essas deformações têm sido mais constantes do que imaginamos hoje em dia, quando a internet deu voz e espaço a todos. Tanto é verdade que nos últimos anos foram aprovadas leis que visam à proteção do sigilo de dados e privacidade do cidadão nas redes sociais e bancos de dados eletrônicos.

Até então tínhamos visto apenas algumas queixas de amigos que foram vítimas de mentiras e calúnias nas redes sociais. Pelo menos duas amigas publicaram longos textos reclamando de perseguições e calunias. Em conversas com vítimas dessa natureza verificamos que a maior dor é a maldade, a indecência moral e a crueldade de pessoas querendo envolver inocentes, inventando mentiras fantasiosas. Nesses detratores reside toda a amargura, o seu fracasso econômico e social, frustrações amorosas que, de certa forma, tornam a vida do mentiroso, caluniador, insuportável para si próprio. Mas, ninguém espera que isso vá acontecer consigo próprio, se tornar vítima desses malucos da internet e quando acontece..., resta-nos a perplexidade e então, friamente analisar a situação, investigar a fundo, mapear a rede de maldosos, marcar, identificar os agentes e extirpa-los da nossa convivência. Faz mal à saúde mental das pessoas de bem o convívio com essa escória intelectual e moral. Pior mesmo é, após longo, demorado e doloroso trabalho, deparar-se com nomes de pessoas até então insuspeitas, não necessariamente integrantes de suas redes sociais, envolvidos em tramas que visem unicamente denegrir a imagem e a reputação alheia. Sêneca e Umberto Eco estão mais que certos em suas teses sobre o comportamento humano. Uma pena, pois, neste período de isolamento social as pessoas querem ver e ser vistas e esses canais se destinam exatamente à integração e interação social. Tivessem, essas pessoas, o saudável hábito da leitura certamente teriam conteúdo para falar, escrever e emitir opiniões abalizadas e sempre na busca do bem.

Uma pena que pessoas fracas, ociosas, sem estrutura emocional para enfrentar as próprias dificuldades, encontrem nas redes sociais seu caminho para descarregar as frustrações pessoais. Incapazes de conviver com situações contrárias à sua natureza humana, não aceitam o sucesso e a felicidade alheios e reagem de maneira negativa. Suas imaginações doentias, com mentiras e calúnias sobre outros, fazem-nas “diferentes”, sentindo-se vingadas em relação à sua própria incapacidade. Na verdade são apenas pessoas desprezíveis que não merecem estar ao seu lado, nem mesmo nas redes sociais. Merecem, sim, o descarte, bloqueio nas redes, que deveriam se destinar tão somente ao convívio sadio entre amigos, com alegria na alma. Não devemos permitir que esse nosso ambiente virtual seja utilizado apenas como meio de satisfazer as necessidades de egoístas, narcisistas. Nada melhor para a alegria da alma do que encontrar amigos verdadeiros nas redes sociais, ou mesmo nas ruas e deles ouvir referencias às amizades sadias e lembranças de boas ações praticadas em favor de terceiros, mesmo em distante passado. Foi assim em duas viagens que fiz à terra natal. Na primeira, ao lado do saudoso amigo Renato Libeck, encontrei Helô Costa que, surpreendentemente, agradeceu uma ação que havíamos feito muito tempo atrás, em favor de seu sobrinho, que sequer conhecíamos e agora é um profissional de sucesso na engenharia, em São Paulo. Outro encontro de gratidão, mais surpreendente ainda, e casualmente em um restaurante, também testemunhado por amigo comum, foi rever depois de mais de quarenta anos, o colega Prof. Geraldo Guedes e sua esposa Gracinha. Profissionais de sucesso relembraram os tempos de bolsista nos E.U.A., lá pelos longínquos anos de 1970/80, quando aprovamos sua bolsa de estudos para doutorado em Solos na Universidade da Flórida, em Gainesville. Naquela ocasião, sua esposa aproveitou a oportunidade e cursou mestrado em Línguas, tornando-se especialista no Inglês e mais tarde empresaria do ensino de idiomas em Lavras.  Como na parábola da cura dos dez leprosos, quando apenas um deles voltou para agradecer o milagre de sua cura (Lucas 17: 11-19), também aqui cabe a comparação. Se aqueles doentes de antigamente eram obrigados a gritar “impuro... impuro”, quando avistassem alguém, de modo a evitar-se a aproximação e contágio, a volta, ainda que de um único com gratidão, bem retrata a natureza humana. E aqui, com esses colegas que eventualmente beneficiei de alguma forma, não foi apenas um, mas vários colegas que mesmo tendo passado quase meio século sem nos encontrarmos, ao primeiro reencontro correram para o abraço de gratidão por um ato que praticamos e que, de tão simples e pelo longo tempo já decorrido, sequer nos lembrávamos.  Ainda que fosse um único amigo que retornasse e agradecesse a boa ação recebida, como aquele da parábola bíblica, já seria suficiente para fazer-nos esquecer das injustiças e tantas inverdades que às vezes nos perturbam.

Que atire a primeira pedra aquele que nunca foi atingido por esse tipo de ação. Não deixe que pessoas maldosas usem as redes sociais para essa abominável prática. Delete, bloqueie, e conforme o nível de agressão denuncie com base nas leis de proteção ao internauta. Por aqui, numa pausa de pouco mais de um mês, prosseguimos mapeando os maliciosos, e os há em profusão. Há todo tipo de invasor, o hacker que invade seu perfil (fiquei impossibilitado de postar ou editar posts de meu próprio perfil, ainda que por que por poucas horas), outros que são apenas visitantes que não são amigos, mas amigos de seus amigos, pessoas com perfis falsos que solicitam amizade (geralmente um ex-amigo já bloqueado ou estelionatários). Enfim, os maldosos se valem de inúmeras formas para buscar, espionar ou mesmo adulterar suas postagens. Não é difícil desbaratar esses maldosos, camuflados de “amigos” dentro e fora das redes virtuais. Aliás, a mentira e calunia iniciadas nas redes virtuais têm capacidade excepcional de se espalhar entre pessoas da comunidade que sequer participam dessas redes sociais. Valem-se de amigos e parentes, com acesso a seu perfil, onde buscam informações. Assim, nem sempre o bloqueio único e exclusivo desses falsos amigos funciona. Mas, por outro lado, é fácil também deslindar essa rede paralela de amigos dos amigos e mesmo não sendo eles integrantes de suas redes sociais. Em um caso particular, alguns internautas de distantes cidades e dos quais nunca se ouvira falar, foram até as redes sociais da vítima para “buscar” informações. Com sobrenomes estrangeiros e de cidades distantes, em outros estados do país, a presença deles chamou a atenção da vítima. Os  investigadores logo descobriram que se tratavam de parentes  de uma das principais disseminadoras de fakes que já estava bloqueada havia tempo. Eles estavam, todos, em visita à casa da matriarca  no Dia das Mães. São ardilosas e perigosas essas pessoas desestruturadas emocionalmente.

Mapeados, identificadas a fontes disseminadoras das “fakes”, pode-se também bloqueá-los e isto é fácil, pois mesmo não sendo seus amigos nas redes sociais, eles vêm constantemente visitar seu perfil. Uma das redes sociais até informa quem visitou seu perfil. Ora se for pessoa amiga daquela disseminadora das “fakes” e que já esteja bloqueada na sua rede..., é óbvio que o visitante é um laranja daquela. Bloqueio nele também, assim recomendam os anti-hackers. Aliás, esta é uma nova profissão já em uso pelas policias de crimes digitais, especialmente em Brasília, capital das “fakes” políticas, principalmente às vésperas de ano eleitoral.

 

 Cuide bem de suas redes sociais, não permitindo que pessoas indesejadas contaminem o prazer de interagir com seus verdadeiros amigos. Denuncie se for caso de crime previsto em lei, pois o filósofo Umberto Eco está mais que certo ao afirmar que “as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis”.  E salvas para os verdadeiros amigos.

 

Brasília, 31 de julho de 2021

 

 Paulo das Lavras