quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Uma matriarca na família


Neste 24 de agosto, Maria José de Abreu – Mariinha, querida irmã, tia e avó de coração de toda a família, ou simplesmente nossa segunda matriarca, comemora seus 80 anos. Sim, oitenta anos de vida, em pleno gozo de saúde. Nosso abraço e pedido de mais bênçãos de Deus para aquela que dedicou e ainda dedica toda a sua vida, exclusivamente aos cuidados da família. Ainda jovem teve de abandonar os estudos no Colégio de Lourdes, em Lavras, para ajudar a mãe cuidar dos seis outros irmãos, dentre os quais me incluo. Éramos crianças, de 8 a 15 anos, estudantes em colégios da cidade. Nosso pai passava a maior parte do tempo na fazenda e ficávamos, mãe, filhos e agregados na grande chácara, próxima à Estação de Costa Pinto.

A vida naquela década de 1950 não era fácil. Colégios só mesmo os particulares, pois inexistiam escolas secundárias públicas na pequena cidade de 30.000 habitantes. Estávamos distribuídos em três dos quatro colégios então existentes: o Lourdes (quatro), Colégio Aparecida (2), sendo que mais tarde uma das irmãs transferiu-se para o Instituto Gammon e ali se formou em 1961 no curso técnico de Contabilidade. O Colégio de Lourdes chegou concentrar, além das quatro irmãs, mais duas tias, às quais as madres e professoras carinhosamente chamavam de “as seis moças da família Abreu”. O carinho delas era tão grande que muitas das freiras e professoras frequentavam nossas casas na cidade e na fazenda. Mas, a mais velha das irmãs, Mariinha, viu-se obrigada a abandonar os estudos para ajudar a mãe. Pouco tempo depois, aos dezoito anos, recusou a proposta de noivado, pois, aquele que a propôs em casamento, um bonito rapaz de origem italiana, seria transferido para a cidade de Volta Redonda, onde assumiria o posto de gerente de uma grande loja comercial. Foi sua primeira renuncia em favor da família. E novos pretendentes não faltaram. Relataram-me que onde ela estivesse presente, nas festas juninas do colégio, ou qualquer festinha com hora dançante em casas de família ou no clube (assim eram chamadas os encontros de jovens naqueles idos tempos), não sobrava rapaz bonito para ninguém, pois ela era cortejada o tempo todo, a mais bonita, clarinha, olhos azuis e cabelos ondulados bem pretos, fazendo aquele célebre estilo das atrizes italianas de então.

Pouco tempo depois, com a perda prematura de nossa mãe, suas responsabilidades aumentaram diante da família, assumindo o papel de matriarca que cuidava de todos, inclusive dos primeiros sobrinhos que já haviam chegado e aumentado a família. Assim permaneceu por mais de uma década, até que todos nós nos formássemos na faculdade e seguíssemos vida própria. Mas, sua dedicação não terminou por aí, pois além de cuidar dos irmãos, ajudou a criar os numerosos sobrinhos desde o nascimento. E muito mais ela fez, mudou-se para a fazenda, em maio de 1970, abdicando de sua vida na cidade, unicamente para, então, cuidar de nosso septuagenário pai, o qual viveu 101 anos, vindo a falecer em 2007. Ali na fazenda viveu e cuidou do pai por todo o tempo de sua longevidade.

E hoje, neste 24 de agosto de 2018, quando completa oitenta anos de vida, inteiramente dedicada a cuidar da família, presto a ela a minha singela homenagem, pois, mesmo tendo se abdicado do casamento, ocupou honrosamente, com muita dedicação e amor, a função de matriarca da família. Somos todos gratos e reconhecidos por esse gesto de desprendimento e dedicação ao próximo. Assim, hoje ela colhe e desfruta do carinho de seus “filhos, netos, bisnetos e tetranetos”. Estes, ainda pequenos, certamente serão também cuidados e amados por essa que durante toda sua vida só soube cuidar dos filhos do coração. Que Deus lhe dê muitos anos de vida, felizes, e assim possamos todos ainda retribuir-lhe muito mais.

Um abraço carinhoso deste filho do coração!

Brasília, 24 de agosto de 2018

Paulo das Lavras.




 
A bela jovem de 18 anos, de olhos azuis e cabelos pretos ondulados, Maria José de Abreu,
 mas que abdicou de sua vida pessoal para cuidar dos irmãos e  depois de toda a família, 2incluindo o pai que viveu 101 anos.

Maria José, nos tempos do Colégio de Lourdes



Os seis irmãos, na verdade a matriarca e cinco “filhos”
Maria José, a segunda da direita para a esquerda, na festa de casamento de uma “bisneta”
 setembro 2017



quarta-feira, 15 de agosto de 2018

A saudade que encanta as pessoas e o Dia dos Pais


            Rubem Alves, escritor, poeta, filósofo e professor questionador da arte de educar, nos ensina que “é a saudade que torna encantadas as pessoas”, pois a saudade faz crescer o desejo e quando o desejo cresce, preparam-se os abraços, conclui o autor. Outra escritora, Luzineide Novais, profunda estudiosa das obras de Rubem Alves, chegou à conclusão que ele escrevia suas histórias não somente para crianças, mas, sobretudo para adultos. Adultos que tinham crianças morando dentro de si e têm medo da solidão.

            É fantástica essa metáfora e o autor tinha essa característica, era hábil em valer-se delas para ensejar melhor compreensão por parte dos leitores. Mais, ainda, ele incentivava o leitor a buscar suas próprias experiências, sensações e/ou conhecimentos vividos ao longo da vida, completou a autora, L.Novais, em sua obra sobre as metáforas de Rubem Alves. E foi lendo essa recente obra (Novais, L.S. – O uso de metáforas em estórias infantis escritas por Rubem Alves- 1ª ed. São Paulo-SP: PoloBooks, 2018. 60p.), que pude compreender que o Menino das Lavras, que viajava até duzentos dias por ano, se enquadrava perfeitamente no perfil descrito por Rubem Alves. Sentia uma saudade danada de casa, mas nunca havia parado para pensar que essa saudade era exclusivamente fruto da constante ausência da família, dos amigos, das coisas, fatos e situações vividas até então. Não compreendia, ainda, que aquilo era o encanto do amor. Mas, aquela danada da saudade era mesmo terrível a ponto de nocautear o menino em duas ocasiões, de longas e demoradas viagens, levando-o a crises de ansiedade e angústias que beiraram a depressão, em distantes terras dos E.U.A e da França. Era mesmo um adulto que tinha crianças morando dentro de si e tinha medo da solidão dos finais de semana, encerrados em hotéis, sem ninguém para conversar e muito menos em seu idioma pátrio.

Mas, de repente, eis que neste Dia dos Pais, de 2018, uma das filhas me relembra o amor da filha menina, sua irmã gêmea, que sempre adoecia, com profundas crises de asma, todas as vezes que o pai partia em viagens. E naquele tempo as viagens eram para bem longe, nos E.U.A. e outros países, permanecendo por cinco ou seis semanas em missão oficial em diversas universidades. Segundo relatou, de repente a irmãzinha sarava, desaparecendo a crise de asma, simplesmente porque o pai ligou naquela noite e avisou que chegaria em casa no dia seguinte. Foi assim por várias vezes, conforme relato presenciado e confirmado pela mãe das crianças. E com o já citado livro na mão, me deliciando com a leitura sobre o estudo das obras de Rubem Alves, pude traçar uma analogia e compreender claramente a conclusão da autora: “ele (Rubem Alves) escrevia suas histórias não somente para crianças, mas, sobretudo para adultos. Adultos que tinham crianças morando dentro de si e têm medo da solidão” e que “a saudade torna encantadas as pessoas”.

            Portanto, Rubem estava mesmo certo e L.Novais também, mas eu acrescento..., esse jogo é de mão dupla. Não é somente o pássaro que vai, viaja, volta e assim se torna encantado. Não somente ele se encanta, mas também quem fica, pois o ficar também encanta na esperança da volta do ente querido. E isto eu pude perceber neste dia dos pais, quase quarenta anos depois, com o relato de amor da filha, contando a alegria do dia do retorno do pai, depois das longas, demoradas e repetidas viagens (me ausentava até duzentos dias por ano).  Em uma das filhas desaparecia-se, na véspera da chegada, a crise de asma. Dia seguinte todas elas se aprontavam, se enfeitavam com o mais bonito vestido, aboletavam-se no carro da mãe e ansiosamente corriam para o aeroporto. E como nas metáforas de Rubem Alves, a “ave encantada chegava emplumada, com lindas penas coloridas”, ou seja, com presentes variados, novidades que por aqui sequer existiam. Foi essa mesma filha que, de tanto ir dormir e sonhar com a alegria da volta do pai, cansou-se de não o encontra-lo ao amanhecer dos finais de semana. Numa daquelas manhãs de domingo, ao ver suas amiguinhas de cinco anos saírem a passear com o pai perguntou-lhes aonde iriam – “ao zoológico com nosso pai”, foi a resposta, de pronto. Foi, então, que virou-se para a mãe e disse sem titubear: “mãe, vamos comprar um pai para nós, no supermercado?”. Essa valeu ao pássaro viajante um mês de gaiola, sem voos e profundamente arrependido dos longos e demorados voos, de semanas a fio.

Mas, como conciliar tantas ausências com o sentimento frustrado dos filhos? Imaginação da “ave viajante” não faltava para encanta-los. Certa vez exagerei, “enfeitei” demais meu filho do coração, e prometi a ele trazer, dos E.U.A, um aviãozinho de controle remoto, com paraquedista a bordo e que, ao simples toque de um botão, seria ejetado e cairia de paraquedas. Ele só tinha três anos, em 1978, e o brinquedo ainda nem existia. Hoje sim, já existe, mas nem é preciso mais, pois nos deliciamos com as maravilhas dos drones capazes de filmar e fotografar tudo das alturas. Mas ele não se esqueceu da promessa do paraquedista e embora tenha se passado mais de 40 anos, ainda damos boas gargalhadas com a promessa não cumprida pelo pai viajante, futurista e fanático por aviões.

Mas, hoje foi um Dia dos Pais muito especial. Reunimo-nos, todos os filhos, netos e agregados, e ainda me relembraram gostosas histórias de amor, permitindo-me também me valer da metáfora do “Pássaro Encantado”, comprovando-se que “a saudade, quando bem vivida, prepara o abraço na volta daquele que se ama”.  
E assim, escrevo essa crônica em homenagem a Rubem Alves, grande emérito “professor da vida” e à amiga, escritora Luzineide Novais, por nos proporcionar esse belo e denso estudo sobre as obras daquele mestre. Nunca havia recebido, nessas datas dos pais, presentes tão significativos para alma. O amor é eterno e a saudade aí está para comprovar. 

Felizes os pais que amam seus filhos e neles plantaram a semente do amor. Rubem Alves foi o mestre dos mestres nessa arte. E por aqui, graças a Deus, a colheita tem sido farta.

Brasília, 12 de agosto de 2018

Paulo das Lavras


]
  
Sarah e Pedro Henrique, sonhando com o castelo nas montanhas e ouvindo o vovô contar as histórias
 sobre os castelos  “de verdade”, visitados na França, Alemanha e Portugal.


 
Um avião sobre outro avião. Já na decolagem, mesmo com a maravilhosa vista da cidade, ou até mesmo por isso, a saudade já começava a apertar. E esse “aperto” fazia parte do milagre do
“Pássaro Encantado”, metáfora criada por Rubem Alves
para demonstrar o encanto da saudade

No aeroporto de Brasília, as filhas engalanadas na chegada do pai (março de 1982),
de uma de suas estadas, de longas semanas, no Panamá, Guatemala, Costa Rica e  México. Parece que o chapéu fez mais sucesso que as bonecas e outros mimos já no porta malas, a julgar pela disputa
de quem o usaria durante a foto... rsrs.
Rubem Alves tinha razão. A saudade prepara o abraço da chegada, a alegria do reencontro, até mesmo na disputa para posar com o “chapéu diferente do meu pai”. Momentos inesquecíveis,
ver a ansiedade das crianças do lado de fora da sala de desembarque, o abraço apertado, demorado, os olhinhos nas bagagens para decifrar os presentes (as penas bonitas, coloridas e renovadas do pássaro
encantado que viajou e voltou, conforme descreve a metáfora de Rubem Alves), as intermináveis
perguntas sobre a viagem..., enfim, o pássaro viajante retornou para
o ninho da família e cumpriu-se o encanto.



...  o “pássaro encantado” gostava de voar não somente a grandes alturas e
para longas distâncias, mas, também em voos panorâmicos em ultraleves. E não é que
aquela mesma filhota, que adoecia quando o pássaro encantado voava para longe, e até houve pedido à mãe para “comprar um pai no supermercado”, também passou a gostar de imitar o voo dos pássaros?


... e aquela filhota do “Pássaro Encantado”, de tanto sonhar com os longos e
demorados voos do pai e esperar  pela sua volta, superou-o... Em vez de “comprar outro pai no supermercado”, fez melhor, alçou voos  mais ousados, de parapente,
do alto da Pedra da Gávea.
 O velho “pássaro” nunca teve coragem para um voo desses, mesmo com a maravilhosa vista das
 praias cariocas. Haja fôlego!
Mas, a alegria de ver a filha superar o pai... , ah, isto sim, valeu a pena!


Proporcionar a presença de um famoso ator de TV, numa festa da filha, é um mimo
 que qualquer pai gosta de presentear.


... e a menina, gêmea, abraça o pai fujão e... depois babão, no dia do aniversário dele, em 1980


 
Os filhotes, com destaque para o filhão do coração, com 11 anos, 
e ainda sem o aeromodelo com paraquedista ejetável...


Pausa nos voos. A passarada em férias. Parque das Mangabeiras - BH, rumo à praia


Muitos anos depois..., com a passarada aumentada, revisitando a
fábrica de chocolates na praia capixaba/“mineira” - 2018

Não basta ser pai ou avô... tem que participar, entrar na alegria das crianças
Dia dos Pais - 2018


O mesmo Rubem Alves escreveu que “As almas dos velhos e das crianças
brincam  no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de
aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria!”
 E tem alegria maior que ser pai em dobro – pai e avô?
Melhor ainda na festa do Dia dos Pais/2018



A obra Luzineide Novais – 2018, analisando a arte de Rubem Alves