quarta-feira, 8 de junho de 2016

Chororô, lágrimas de despedida

                                                                                 (crônica com 1.228 visualizações em 06/09/2022- 20:00h - blogger)

Adeus para sempre nunca existiu na minha vida. Acostumado a constantes viagens de trabalho, o ir e o vir tornaram-se rotina. Nas despedidas sempre estava presente o fator “plano de viagem”, com data de retorno e logo a seguir a previsão de nova partida, para outro diferente lugar. Por isso as despedidas eram sempre mais suaves do ponto de vista emocional, embora chegasse a passar mais de 200 dias por ano fora de casa, em sucessivas viagens. Foi assim até mesmo quando me mudei para Brasília e deixei o torrão natal, nas Minas Gerais. Havia um plano para se ficar apenas dois ou três anos e em seguida retornar para a universidade, onde exercia as funções de professor e pró-reitor.  Porém isso não aconteceu e eis que já se passaram 40 anos.  À parte as primeiras despedidas chorosas, dos filhos pequenos, sempre engambelados com a promessa de uma lembrancinha de viagem, pode-se dizer que essas despedidas eram recheadas de certa alegria, ainda que tímida, pela certeza de que na volta ganhariam “novidades” compradas em outros lugares, especialmente dos EUA, de onde vinham as maiores surpresas de brinquedos inovadores, inexistentes no Brasil. Foi assim com o mini-projetor de filminhos clássicos de White Snow, Three Little Pigs e muitos outros com locução em inglês, o que até motivou as crianças no aprendizado daquele idioma. Em outra vez foi a sirene de carro de policia, própria para instalação na bicicleta e um jogo de radiocomunicação walk-talk. Uma perfeição e quando tocavam a sirene, todos se confundiam até mesmo os adultos daquele final dos anos 70 e início dos 80. Na escola, com os mini-projetores da Fisher Price, ou ainda na área de lazer do prédio, com as estridentes e idênticas sirenes de carro de polícia, o sucesso era certo, pois todas as crianças queriam experimentar as novidades, ainda inexistentes nas lojas nacionais. Assim, para as crianças, as constantes despedidas no aeroporto soavam mais como um papai-noel que iria buscar os presentes.

Embora quase não tivesse havido chororôs nas despedidas, o coração sempre apertava e a solidão nos longos voos internacionais, a demorada permanência fora de casa em ambientes totalmente desconhecidos faziam rolar, muitas vezes, lágrimas doídas e inevitáveis, como a contradizer a “falsa alegria” da viagem. Pensando bem, acho que as promessas de presentes novidadeiros foram apenas uma tática usada para enganar o coração, pois os registros do subconsciente da alma desmentem-nos a toda hora. Lembro-me de um longo chororô, ocorrido aos 12 anos de idade, quando da despedida do pai e da irmã que deixaram o menino no internato do Seminário, a 16 horas de distância, por trem maria-fumaça, passando por Ribeirão Vermelho, terra dos ancestrais, a caminho da capital mineira. Ainda hoje, a memória insiste em transformar o passado em presente e se recusa a apagar aquela marcante passagem de minha vida. Da mesma forma, procuro enganar a mente tentando desligar as lembranças de pessoas queridas, os parentes e amigos distantes, pois morando a quase 1.000 km de distância, ficamos alijados das visitas dominicais, almoços, aniversários e confraternizações. A distância impede a presença mais constante de parentes, amigos de infância ou de colégio. Brasília é a capital dos brasileiros, nova e eclética, sem tradições centenárias de laços familiares e do bem acolher, receber na cozinha, como se faz na terra dos mineiros. Aqui estão os brasileiros de todas as regiões, com os mais distintos costumes e sotaques. Familiares por aqui são raros, apenas os filhos. E nesse contexto, a partida em longa viagem do pai de família deve mesmo abalar os sentimentos de quem fica e também de quem parte. Os presentinhos só enganam as crianças, pois para elas não existem passado e nem futuro, é só o hoje, o agora. Por isso vivem a perguntar, meu pai vai chegar hoje? E quando eles próprios estão em viagem, logo nos primeiros minutos perguntam se já está chegando a casa da vovó, ou o destino combinado.

Mas, nesse campo do chororô da saudade a mente não trai. Ela sabe quando destampar a bica das lágrimas. Mas ela, a mente, também não me engana mais, pois aprendi que ela só deixa verter as lágrimas quando a experiência do passado foi marcante e assim permanece indelével na alma. Felizmente nossa mente tem capacidade de armazenar muito mais as boas experiências do que as ruins. Assim, quando for visitar algum lugar, especialmente os da infância, ou simplesmente deixar bater a saudade de alguém querido, saiba que não adianta querer enganar o coração. A mente já determinou previamente que as lágrimas vão rolar e assim deixe o chororô falar mais alto e mostrar que você é feliz! As lágrimas lavam a alma. Um filósofo disse que elas são o supremo sorriso. O certo é que elas são o transbordamento de emoções que, de tantas, nem cabem no coração. Representam palavras não ditas e que aquecem os corações cheios de amor. Por isso elas não doem e expressam uma esperança ou certeza.

          Ah..., o título da crônica é “Chororô, lágrimas de despedida”? Errei..! Deveria ser  “Chororô de chegada”, pois era quando eu desabava, comprovando que o melhor da viagem é a volta para casa, o porto seguro da alma, sobretudo quando, antes mesmo do desembaraço das bagagens, avistava ao longe as crianças alegres, de olhinhos arregalados, ansiosas a correr para o abraço. Foi assim no primeiro dia de chegada de minha família, quando fui busca-la no aeroporto de Brasília, a cidade que escolhemos para morar. E chegadas assim se repetem a cada reencontro no lar. É preciso viajar muito para saber o valor de sua casa, seu lar, refúgio da alma. Lágrimas para que te quero.... Não sei por que a imprensa e o cinema teimam em só mostrar os chororôs das despedidas. O adeus não existe para mim, pois quem tem uma família nunca estará só, ainda que esteja distante e em longas viagens.

Brasília, 08 de junho de 2016


Paulo das Lavras 



 
Um chororozinho despistado, por detrás da câmera, na melhor chegada de viagem
que assisti, do alto da sacada do aeroporto de Brasília, quando recepcionei a família
chegando para morar na capital, em 1975. Duas gêmeas com as respectivas babás e 
a mãe, à frente, com a menor no colo




Viajar, ainda que por muitos dias, com a promessa de
 trazer um presente diferente..., evitava o chororô das despedidas, tanto
 do pai quanto das filhas pequenas. E esse projetor com vários filmes
 infantis, realmente era surpreendente, pois não havia nada igual no país
naqueles difíceis tempos de importação. Há poucos dias, uma das filhas,
 remexendo caixas lacradas, na chácara, chegou até mim, com esse brinquedo
 que aparece na foto. Esse gesto, por si, demonstra as boas lembranças que ela cultiva
 de um presentinho recebido depois da viagem do pai. Os cartuchos de filmes estavam
intactos, as engrenagens e respectiva manivela que fazem girar o filme, também. Os netos, crianças de hoje, 35 anos depois, vibraram com a descoberta desses “dinossauros” diante das
 modernas parafernálias eletrônicas de touch screen dos tablets e smartphones.



 
A sirene de Polícia, instalada nas bicicletas, fez sucesso entre
 a meninada do prédio. A reposição de baterias era constante
  

 
Após minha chegada de viagem e ainda no estacionamento do aeroporto,
parece que alguém mais queria usar o sombrero


 
depois de quase 40 anos, assisto a uma chegada diferente, Sarah aos
cinco anos, em sua primeira Corrida Kids... é correr para o
abraço, com chororô na certa....


 
outra chegada diferente, depois de quase 40 anos..., o neto chega ao
final do ano, com troca de faixa. Pedro, de 6 anos... Um abraço e....

  

As lágrimas lavam a alma. São o supremo sorriso, transbordam as emoções que, de tantas, nem cabem no coração. Representam palavras não ditas e que aquecem os corações cheios de amor. Por isso elas não doem e expressam uma esperança ou certeza.
E crianças são especiais demais. Tantas vezes, ao chegar de viagem, sentei-me, de terno e gravata, no chão do aeroporto e derramei lágrimas ao receber o abraço dos filhos. Agora, veja a belíssima foto acima, a mãe voltando da guerra do Iraque e ouvir: Hi, mom.. I miss you... e então diga: quem não choraria? Pode ser que o chororô da despedida seja protagonizado pelos que ficam, mas na chegada em casa... Nunca tive vergonha de chorar, sentado no chão do salão de desembarque com três crianças agarradas no meu pescoço. Alma lavada...., coração explodindo!