quarta-feira, 30 de julho de 2014

Rubem Alves (1): o ipê amarelo e jardins que alegram a alma





As flores são como as crianças, trazem amor e vida,
 têm o poder de desarmar e emocionar as pessoas.

Julho é mês de início das florações dos Ipês Amarelos e em agosto eles estão em plena florada. Plantei vários em minha chácara e neste mês já estão florados com singular beleza de amarelo ouro reluzente, denso. Os cachos dourados recobrindo toda a copa das árvores nos inspiram o amor à natureza e despertam pensamentos que enlevam a alma. Alguns desses ipês foram postados nos álbuns de fotos de minha página do Facebook como a compartilhar com os amigos a frase do poeta Rubem Alves: “As flores fazem parte da minha felicidade”. Concordo e subscrevo as palavras do poeta, pois desde a infância fui cercado pelas flores dos jardins que minha mãe e irmãs mantinham ao redor da grande casa da chácara em que morávamos em Lavras. Além dos jardins floridos e das buganvílias que cobriam os muros havia um belo pé de ipê amarelo nos arredores. Prosseguindo nesse privilégio que a natureza nos concede, o jovem engenheiro agrônomo foi, logo no primeiro trabalho profissional, cuidar dos parques e jardins da capital, Belo Horizonte. Nunca tinha visto tantas flores cultivadas em toda sua vida. Cuidar da produção em viveiros, transplantá-las e ver os multicoloridos das florações em toda a cidade se constituía em incrível e indescritível prazer. Além disso, havia ainda os cuidados com o gramado do estádio Mineirão. Deixa-lo com a grama exuberante, pronta para os disputadíssimos embates de Cruzeiro e Atlético tinha um sabor a mais quando ali presente naquelas disputas esportivas. Depois de um ano ali deixei muitos jardins plantados e mais tarde voltei para buscar, em definitivo, aquela outra flor, minha noiva, que me auxiliava nas tarefas de cuidar dos jardins públicos de BH, com desenhos de planta baixa ou perspectivas dos projetos em execução. Um pouco mais tarde, chegando a Brasília, há mais de 40 anos, cuidamos de implantar nossos próprios jardins na chácara de lazer. Flores são assim, inspiram o amor e nos acompanham sempre, ou como disse Rubem Alves, as flores são como as crianças, trazem amor e vida,  têm o poder de desarmar e emocionar as pessoas.

Rubem Alves escreveu certa vez que Deus cansou-se da imensidão dos céus e sonhou… Sonhou com um jardim. “O Paraíso era um jardim de flores e Deus andava pelo meio do jardim…”. Um jardim é o seu rosto sorridente. Plantar flores é colher felicidade. E plantar uma árvore é um anúncio de esperança. Especialmente se for uma árvore de crescimento lento. E isso porque, sendo lento o seu crescimento, plantamos sabendo que nem vamos comer dos seus frutos, nem sentar à sua sombra… Plantamos pensando naqueles que comerão os seus frutos e se sentarão à sua sombra. E isso bastará para nos trazer felicidade! Sua sensibilidade sobre os jardins e flores era transcendental. Tanto assim que pediu, antes de partir, que não queria receber flores no seu velório. Seria maltratar a beleza delas em ambiente assim, triste. Aliás, nem queria velório e preferia a cremação. Mas, os amigos só o atenderam quanto ao segundo pedido, pois houve, sim, velório na Câmara Municipal de Campinas nos dias19 e 20 de julho, seguindo-se a cremação. Em contrapartida pediu em vez de coroas de flores mortas, que cada amigo semeasse flores em algum lugar - num vaso, num canteiro ou à beira de um caminho. Se não for possível, que distribuam pacotinhos de sementes entre crianças de alguma escola, entre velhos de algum asilo e se for possível, uma muda árvore para ser plantada. Ah! Que linda prova de amor é plantar uma árvore para que alguém amado, ausente, possa se assentar à sua sombra, concluiu ele. E ainda emendou, se você amiga, Carolina, a quem escrevia, se for primeiro do que eu prometo que plantarei uma flor. Essas palavras, ou melhor, os desejos do poeta, levaram-nos a refletir sobre quão curta é a vida. Precisamos vive-la intensamente, aproveitar os seus encantos, sobretudo as belezas da natureza aqui materializadas em forma de flores. Se já havia decidido antes, agora mais forte ficou o desejo de que as minhas cinzas sejam depositadas aos pés dos ipês amarelos. O primeiro, aquele que emoldura a janela do quarto da fazenda onde nasci, em Lavras e o segundo em um daquela meia centena  de ipês de várias cores que há mais de 20 anos plantei e enfeita a chácara em Brasília.

Mas, que coincidência, ele, Rubem Alves, se foi justamente no mês em que os ipês amarelos floresceram. Por isso e certamente a saudade vai nos pegar. Mas ele próprio explica a saudade, que nada mais é do que a dor da ausência física de alguém. E ela só é curada quando a pessoa volta. Mas..., ele não voltará nunca mais... Engano, pois ele nem se foi. Uma forma de eternizar o amor e nunca sentir a falta de um poeta é ler suas obras. Por isso a academia de letras também é conhecida como Academia dos Imortais. Mas eles, os poetas, não morrem? Nunca! Eles deixam sua alma alegre, amorosa, em forma de obras literárias, que são perenes, se eternizam. Rubem Alves, além de seus inúmeros livros, plantou jardins, árvores que florescem sempre.  E tenho muitos livros dele, crônicas, poemas sobre o amor e as belezas da alma. E como ele, admiro as árvores e as flores, até mesmo por vocação profissional. E plantei muitas árvores e flores, milhões delas e que admiro diariamente. Por isso digo que ele, Rubem Alves, o cultor das flores e das árvores, não morreu, não para mim, pois aprendi a amar a sua alma que tem a aura do amor à vida e às pessoas. Viveu entre jardins, cercado de crianças em seu pensamento. A cada ipê amarelo que vejo, o revejo em pessoa, com largo sorriso, amor saltando aos olhos e grandes projetos na alma. A cada jardim ou flor que plantei ou simplesmente vejo, revejo-o, sempre, pois o amor habita entre flores e crianças. Assim, nessa Primavera que se avizinha escolherei três mudas de Ipê Amarelo, uma para cada neto. Farei placas de metal com os dizeres: Ipê Amarelo Rubem Alves - 2014 e as afixarei ao lado de cada uma das árvores que meus netos plantarão. Também eles não sentirão saudade do poeta, embora não o tenham conhecido ainda, mas certamente mais tarde já terão lido muitos de seus livros e então entenderão daqui a 20... 30 ou 70 anos que olhar aquele Ipê amarelo florido, que um dia a então criança plantou, representa a alegria e o amor de Rubem Alves, o amor pela vida, bela e simples como uma flor. "As pessoas são aquilo que amam", disse ele.

Brasília, 30 de julho de 2014

Paulo das Lavras


                                                 Ipê amarelo – site oficial de Rubem Alves
 




                    Cuidando de flores                                          


 apreciando flores desde pequenos




                                   Ipê branco na chácara. Mais de 50 espécies de todas as cores
                                   que florescem em sequência durante quase dois meses




                               Acacia rosa nos jardins da chácara, em Brasília. Mudas trazidas da Ufla
 




                                         Gerânios e um visitante em busca de sementes




                                             Flores em qualquer ambiente, alegria sempre




Iresine ou coração magoado, pingo de ouro e congea ao fundo. 


  
                                 Ipê amarelo, em frente à janela da fazenda onde nasci, em Lavras