sexta-feira, 30 de junho de 2023

Paolinelli – Um adeus com gratidão

 

 


 

Na quinta feira, 29/de junho de 2023, partiu, logo pela manhã, bem cedinho e silenciosamente, para sua última viagem o já saudoso Alysson Paulinelli. Tantas viagens fizemos com ele, durante nosso tempo na ESAL/UFLA e mesmo depois em Brasília, quando ele Ministro da Agricultura e nós, do outro lado da Esplanada dos Ministério, na diretoria do Ensino Agrícola Superior. Mas, desta vez ele partiu sem aviso.Profundo pesar. Ainda outro dia, ao terminar um capítulo de meu livro sobre a História da Educação Agrícola Superior, falei com ele sobre seus tempos de  estudante, do Centro Acadêmico de Agronomia e  de sua própria contratação pelo Dr. Wheelock, bem ali atrás do palco do Lane Morton, minutos antes de sua colação de grau na Agronomia, naquele mês de dezembro de 1959. Dr. Wheelock o convenceu a ficar na velha Escola Superior de Agricultura de Lavras, que já enfrentava problemas financeiros. Deixou um emprego já garantido e aceitou o desafio, ingressando nos quadros de professores e logo levantando a bandeira de lutas pela salvação de iminente fechamento da Escola. Exatos quatro anos depois daquele “sim”, Alysson Paolinelli pôde colher a vitória, com o Diário Oficial da União publicando a Lei nº 4.307, de 23 de dezembro de 1963, de federalização da Escola Superior de Agricultura de Lavras que agoniava financeiramente, mas contava com integral apoio de seus colegas professores e dos poucos funcionários existentes. Todos eles, aliás, passaram dois anos trabalhando sem receber salário. E como ele gostava de relembrar esses fatos e nomes de professores que cerraram fileiras com ele naquela luta. Não se esquecia do Prof. Américo Cicciola que, com ele veio em um carro comum, abarrotado de sacos de dinheiro, recebidos em uma agência bancária de Belo Horizonte, transportando-os direto para Lavras, à noite. Ali chegando acordaram o gerente do Banco do Brasil para depositar toda aquela fortuna de dois anos de salários de todos os professores e funcionários que em festa fizeram fila dia seguinte à porta do banco. Ele nos contava isto e dava gargalhadas pela  cara de espanto do gerente do banco, acordando assustado, quase à meia noite, com o inusitado pedido daquele diretor “maluco”, segundo ele mesmo dizia com incontido riso. Falamos também do dia em que ele nos chamou a comparecer ali na antiga DFA - Delegacia Federal de Agricultura, na Av. do Contorno, em BH, ao lado do Parque da cidade (ele era o diretor da ESAL/UFLA e fazia ponto ali, com seus colegas) e então, nos convidou, à  pedido do Prof. Carlos Hermeto, para ser professor da ESAL e ajudar na construção do novo campus nos altos do eucaliptal (fui estagiário do Departamento de Engenharia Rural e já  tinha participado na locação de avenidas e dos primeiros prédios do no novo campus). Demos risadas, do inusitado local do convite e a lembrança que mencionamos, sobre a semelhança da estratégia do Dr. Wheelock quando, exatos nove anos atrás, o “intimou” a ingressar no quadro docente da Escola. Mas, ao contrário de então, agora, ali, naquele dezembro de 1968, em BH, o convite tinha outro propósito, ajudar na construção da nova ESAL.

 

Não é preciso dizer que deixei meu trabalho em BH e aceitei de pronto seu convite. Mas, havia uma condição por ele imposta e aceita sem discussão: “você vai ajudar ao Carlos Hermeto na ministração da disciplina de Construções Rurais e eventualmente auxiliar nas aulas práticas de Topografia, do Prof. José Octávio. Deverá, ainda, acompanhar as obras de construção do novo campus nos próximos dois anos e em seguida deverá se aperfeiçoar em curso de mestrado na sua área de atuação, pois nossa meta é, em apenas dois anos a mais, transferir a Escola para o novo campus, como também criar e instalar o mais rápido possível  a pós-graduação na ESAL, à exemplo de Viçosa (hoje UFV) , Piracicaba (ESALQ/USP) e Km 47”... (era assim que ele chamava a antiga Escola Nacional de Agronomia- ENA, hoje UFRRJ). Vamos criar as bases para a transformação daquela tradicional Escola, fundada pela Missão Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos, em uma grande Universidade, completou Paolinelli com brilho nos olhos e confiança no futuro. Um visionário, com grande e contagiante entusiasmo, fé inquebrantável como disse outro visionário, JK, em 1956, sobre a sua determinação de se construir Brasília.

            O ainda garoto, de apenas 23 anos de idade, mas já experimentado na lida de campo, cuidando dos paisagismos da capital mineira e até do gramado do recém-inaugurado Estádio Mineirão, imaginou o tamanho do desafio, pois acreditava nos  planos daquele Diretor, que tinha fama de “arrastar todo mundo” para as suas tarefas, “impossíveis” para alguns. Já conhecíamos a sua fama de “trator de esteiras”, apelido carinhoso que os professores Arnoldo Junqueira e Valter de Carvalho lhe haviam colocado, pois, onde passava “empurrava ou arrastava” pessoas para os seus projetos. Durante os anos seguintes viajamos juntos diversas vezes  para o Rio de Janeiro, onde ainda permaneciam alguns órgãos dos ministérios da Educação e da Agricultura. Visitávamos com frequência São Paulo, Brasília e BH, sempre tratando da expansão da Escola. Dois anos depois, quando a Escola já havia sido inteiramente transferida para o novo campus, já estávamos de malas prontas para cursar a pós-graduação na Escola de Engenharia de São Carlos/USP, em março de 1971. O diretor Paolinelli fazia questão de cumprir à risca seu ousado plano de expansão e qualificação do ensino agrícola, chegando a ter 50% de seu efetivo de professores fora  do campus, cursando pós-graduação em outros centros universitários do país e do exterior. Havia um detalhe interessante que, para manter a metade dos docentes fora da Escola, cursando pós-graduação, a outra metade que ficava, tinha que assumir e ministrar as aulas daqueles. Tudo arranjado em completa harmonia entre os docentes, em nome do objetivo comum: alcançar índices de qualificação que destacassem a Escola no cenário nacional. Esse costume, deixado por Paolinelli, a excelência e dedicação, perdura ainda nos dias de hoje, mais de 50 anos passados, pois a velha ESAL/UFLA, figura nos primeiros lugares dos rankings de qualidade do MEC e é tida como referência em Ciências Agrárias. Ao retornar da USP, assumimos a função de Pró-reitor de Pós-graduação com a incumbência de iniciar a PG na ESAL. Novos desafios com diversas idas e vindas à Brasília (MEC, Capes, CNPQ, Ministério da Agricultura) e também à Viçosa, Piracicaba e à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, as três vizinhas que já ofereciam cursos de pós-graduação na área de ciências agrárias. Em 1975, efetivamente, implantamos os dois primeiros cursos de mestrado na ESAL, Fitotecnia e Administração Rural. Este último foi o pioneiro no país na área de gestão do agronegócio, verdadeira inovação naquele ano de 1975.

O sonho de Paolinelli se concretizou, tal qual dito ali na sede da DFA/M.Agr., em dezembro de 1968, quando nos convidou a cerrar fileiras na linha de frente de seu Plano Diretor que, aliás, era chamado por alguns de “plano do diretor...”. Visionário, sem limites para quem o planejou..., o educador e empreendedor, Alysson Paolinelli. Mas, a dedicação, competência e liderança foram fatores imensuráveis que alavancaram o seu sucesso. Deu certo, ali na velha Escola Superior de Agricultura de Lavras, fundada em 1908 e na qual ele ingressara como estudante em 1956 e depois como professor, no dia de sua formatura, em dezembro de 1959. Deu tão certo que já em 1974 a Escola ocupava o primeiro lugar no ranking do MEC, com o maior índice geral de capacitação docente (mestrado e doutorado), atingindo patamares acima de 70%, quando a média nacional não ultrapassava 35%. Ostentava exatamente o dobro da média do país, qualificando-a para ingressar no clube das poucas universidades que ofereciam cursos de doutorado. Aliás, diga-se, uma determinada escola, congênere, chegou a representar contra a criação da pós-graduação na ESAL, tendo então o Conselho Federal de Educação (hoje, CNE/MEC), refutado o recurso usando exatamente o argumento de elevado índice de qualificação docente e o reconhecimento de suas pesquisas agrícolas, conforme processo arquivado no MEC e do qual fomos protagonista quando na coordenação nacional do ensino agrícola superior. Em curto espaço de tempo a  ESAL dera um salto de grandes proporções em qualidade e quantidade na oferta de cursos e pesquisas. Um novo e moderno campus estava construído em tempo recorde, com oferta de inúmeros cursos de mestrado e mais tarde de doutorado. O curso de graduação de Agronomia, o único até então existente, multiplicou a oferta de vagas anuais, passando de apenas 30 para 200 vagas/ano. Outros três importantes cursos de graduação foram criados e implantados, a  Engenharia Agrícola, Zootecnia e Engenharia Florestal. Muitos outros vieram mais tarde, como a Medicina Veterinária, Administração Rural e Ciência dos Alimentos, mesmo antes de se transformar em universidade (dezembro de1994) e ampliar de vez o leque de oferta de cursos. Tudo deu certo nos planos do diretor Paolinelli e é interessante notar que até parece que ele escolheu o mês de dezembro, sucessivamente, para celebrar eventos e realizações na sua vida profissional. Em dezembro de 1959 a formatura e convite para ingresso no quadro docente da Escola.  Dezembro de 1963, federalização da ESAL. Dezembro de 1968, nosso convite em BH. Dezembro de 1994, transformação da ESAL em Universidade Federal...

            Pois bem, voltando o foco de suas atividades em Brasília, o MEC também contou com sua prestimosa colaboração,   durante todo o tempo em que estivemos à frente do Ensino Agrícola Superior (1975-2008). Paolinelli, quando Ministro da Agricultura (1974/79), cedeu os PhDs da EMBRAPA, então dirigida pelo eminente Eng. Agr. Eliseu Roberto de Andrade Alves, para atuarem como orientadores de teses de doutorandos  nas universidades federais e assim, pudemos triplicar a oferta de cursos de doutorado  no país. Somados os PhDs da EMBRAPA e das Universidades federais, o Brasil contava, já no início dos anos 80, com a maior massa crítica de cérebros dedicados ao desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa Agrícolas de todos os tempos. Começava ali, naquela década, o vertiginoso salto tecnológico agrícola que, em seguida, colocou o Brasil nos primeiros lugares de produção de grãos no mundo. De um lado da Esplanada dos Ministérios, pelo MEC conseguimos treinar 250 PhDs nos EUA e outros trezentos no país e, do outro lado, Paolinelli e equipe da EMBRAPA treinaram mais de 1.000 PhDs no país e no exterior.  Além disso, ele influenciou as reformas na formação dos cursos de agronomia. Como Ministro da Agricultura, foi ao gabinete do Ministro da Educação sugerir mudanças importantíssimas como a introdução de matérias sobre administração do agronegócio, armazenamento e comercialização de produtos agrícolas. Chamado ao gabinete, recebemos o documentos e a ordem expressa do então ministro da Educação, Nei Braga... “execute, pois são mais que pertinentes as sugestões desse jovem e amigo ministro Paolinelli”. E assim o fizemos. Mas, vamos parar por aqui. Só  mesmo em livro para falar sobre o tanto que Paolinelli fez pela Educação Agrícola Superior no país.

 

Ele foi o "Pai do Cerrado", como nos conta a imprensa nacional. Mas não foi apenas isto. Foi também  o grande e maior responsável pela revolução do ensino tecnológico   no Ministério da Educação. Meu livro, em fase de edição, trata disso, de sua luta, aqui no MEC, desde o ano de 1960. Lutou e venceu. O Brasil colhe, agora, ou melhor há uns 40 anos,  os resultados desse laborioso, competente e dedicado trabalho de Paolinelli. Um grande benfeitor da Agricultura e da Educação Agrícola Superior e, por isso, rendemos esse tributo de reconhecimento e GRATIDÃO ao Engenheiro Agrônomo, Professor Alysson Paolinelli.  Um adeus com muita gratidão! Sim, sou eternamente grato a ele. Profundo pesar pelo seu passamento. Meu abraço de puro sentimento à  família, aos colegas e amigos.  Que Deus conforte a todos. 

Descanse em paz, amigo, em verdes e serenos campos do Senhor, tão verdes e serenos como aqueles que você sempre semeou aqui na Terra e serão sempre lembrados, em sua memória, nosso legado. Amém!

 

Brasília, 30 de junho de 2023

 

Paulo das Lavras 


 
Em 2007, encontrei em Recife, dois memoráveis benfeitores da Universidade Federal de Lavras, Eudes de Souza Leão (ao centro) e Alysson Paolinelli, dois gigantes da Educação Agrícola Superior em nosso país. Eudes, então assessor do MEC em 1963, foi a Lavras para fechar a ESAL, pois a mantenedora particular não mais podia arcar com seus custos. Paolinelli o convenceu do contrário e logo a seguir, no final daquele mesmo ano, a Escola foi federalizada, com o aval do próprio Prof. Eudes de Souza Leão . Ali mesmo, em Recife, o convidamos a voltar à ESAL/UFLA e lá recebeu o título de professor Honoris causa. 
 Paolinelli já é, por natureza, Honorário em nossos corações.

Foto do autor- Recife-Pe, outubro de  2007 




sábado, 17 de junho de 2023

A dor do Luto não é pela pessoa que morreu...

 

        Em recente palestra um psicólogo discorreu sobre a dor do luto e apresentou um conceito totalmente oposto ao pensamento comum sobre a dor pela perda de um ente querido. Afirmou, o especialista, que a dor do luto não é pela morte da pessoa querida que morreu, pois ela, a pessoa que morreu, continua com você, no seu pensamento. Você continua se lembrando dela, sempre. É você que morreu para ela. Você não tem saudade do outro. Você tem saudade é do que você nunca mais será para o outro, disse o autor. Você pensa não no abraço ou no beijo que você não mais dará naquela pessoa. O que você pensa é no abraço, ou no beijo, que nunca mais receberá daquela pessoa que se foi para sempre.

            Por isso, a morte é a nossa inexistência. A morte do outro é a nossa inexistência, um pedaço de nós que se vai e nos deixa para sempre. Isto é a inexistência.  A gente não pensa, nem imagina algo como nunca mais vou poder ligar, falar com quela pessoa querida. Não..., a problema é outro, é que você nunca mais receberá aquele telefonema, aquela visita... E essa dor do luto demora e só vai se acabando aos pouquinhos, como o vapor que se esvai da panela de pressão, devagarinho, pois, se sair tudo de uma só vez explode! O coração também explodiria no caso de a dor do luto explodir de uma só vez em seu peito, conclui o especialista.

O luto passa por diversas fases, desde a negação, quando temos dificuldade em aceitar e acreditar que realmente aconteceu aquele desenlace e a toda hora nos perguntamos, por que aconteceu isso comigo? Seguem-se as fases da revolta e da negociação. Nesta, faríamos até o impossível para que tudo voltasse a ser como antes. A seguir vêm as duas últimas fases, a depressão, com profunda tristeza e desesperança, isolamento e as vezes constante choro.  Por fim vem a aceitação, quando o sofrimento vai diminuindo e aprendemos a  nos preparar para seguir em frente.

 Concordo com o que dizem os especialista e ainda acrescento que, a partir de então, entra outro sentimento mais suave.  Deus é sábio e Ele nos concedeu uma outra dor, bem suave, para mitigar tamanha perda..., a Saudade! Com o tempo, a saudade vai tomando o lugar do luto e somente as boas lembranças do ente querido permanecem em nosso coração. Assim, também acho que a Saudade nem é dor.

Mas, afinal, o que é mesmo a saudade? A saudade é o amor que fica!

 

Brasília, 17 de junho de 2023

Paulo das Lavras