segunda-feira, 8 de agosto de 2022

7 de Setembro: roubaram minha bandeira nacional, dois casamentos e outras histórias

 

 França, Estados Unidos e Brasil- símbolos Nacionais


Desci a pequena escadaria da igreja, caminhei até a porta do bonito carro da noiva, que estava radiante em seu belo vestido branco e segurando um buquê de flores. Seu largo sorriso de felicidade encantou ainda mais seu pai. Era a tarde do dia 09 de setembro, há vinte e poucos mais anos, logo após a nossa querida e memorável festa da Independência. O casamento da filha, ocorreu pontualmente às 21h, conforme o rígido protocolo militar, era motivo de alegria para a família naquela tarde de estiada de chuva temporã. Por ser uma oficial do Exército Brasileiro, a noiva tinha direito às honras militares de praxe, incluindo o chamado “teto de aço”. Ali fora já estava um pelotão de oficiais do Exército, com as companheiras de trabalho no Quartel General do Exército - QGEx. As garbososas oficiais, em trajes de gala, estavam prontos para perfilarem em honra à noiva que se casaria com militar que também servira naquela unidade militar. Cidadão civil, fiquei curioso para ver e participar da cerimônia de casamento ao estilo militar. Curioso porque pouco conhecia sobre os costumes militares à exceção dos desfiles de 7 de Setembro, pois sequer tinha prestado o serviço militar obrigatório aos 18 anos, devido à deficiência acidental e total da visão de um dos olhos que, por ironia, era exatamente aquele que deveria visar a mira do fuzil do soldado do Tiro de Guerra. Era assim que chamávamos o serviço militar obrigatório, Tiro de Guerra! Portanto, nem mesmo a convivência com a práxis da caserna eu tivera e, talvez por isso mesmo, bateu-me aquela curiosidade sobre como seria tal cerimonia cívico-militar.

Tudo que lembrava do serviço militar era a provocação que fazíamos a um professor, muito sério, rígido e coerente com sua origem natal. Era o padre alemão Luiz Tings, que mal falava o português e lecionava inglês no colégio. Ao fazer a chamada de presença dos alunos na primeira aula do dia, às 07:00 horas, sempre dava uma pausa naqueles nomes em que não havia a célebre e automática resposta: “presente!”. Levantava o senho, encarava a turma como a procurar o aluno que não respondera à chamada de presença. Antes, porém, de levantar a cabeça para perscrutar o ambiente da classe, os meninos respondiam em coro: Tiro...! Queríamos apenas ajudá-lo, informado que o colega estava no cumprimento do dever cívico do serviço militar e tinha direito a chegar  com meia hora de atraso, pois a instrução do TG-0264, terminava às sete horas e não raras vezes tinham que se trocar, pois os Sargentos Paulo, Valmor e  Gonçalves (mais tarde meu colega de magistério na UFLA e sempre  me visitava no MEC, pois era um dos executivos da universidade que frequentavam Brasília)  não davam moleza e até os faziam rastejar na lama do córrego vizinho. Tinham que se banhar e trocar de roupa, daí, a sábia tolerância para entrarem em sala de aula a qualquer momento. Gostávamos de vê-los chegar com a farda militar e respeitosamente retirando o quepe para entrar na sala de aula. Mas, a farra maior era mesmo nas aulas do padre Luiz, o alemão sério que quase nunca sorria. A cada aluno faltoso a turma repetia o refrão e, invariavelmente, lá pelo terceiro ou quarto ausente, batíamos o pé no assoalho com bastante força, imitando uma marcha militar ou aqueles comandos de ordem unida tão comuns nas tropas militares, “sentido..., descansar arma!”, com aquele barulho característico de dezenas de coronhas dos fuzis repicando no granito do paralelepípedo do pátio ou da rua. E para melhor imitar a cena militar, ou até mesmo para provocar o padre professor, gritávamos rapidamente o refrão “tiro...!” e pá...pá com os pés no assoalho de madeira. Ora, a sincronia do movimento de bate-pés não era perfeita e então se prolongava um pouco na sequência, aumentando efeito sonoro naquele ambiente fechado, em verdadeira cascata de som ampliado, estremecendo até mesmo o teto do piso inferior, onde havia outras salas de aula. Some-se à essa intensa vibração física pedalar, o grito já em volume bem mais alto da palavra de ordem ... “Tiro!” e pode-se imaginar a repercussão louca na cabeça do rígido professor alemão. Ruborizado, seus olhos azuis pareciam saltar pelas lentes dos óculos. Ameaçava expulsar da sala de aula alguns dos flagrados, mas não adiantava e a farra continuou até o dia em que chamou o diretor e este impôs a disciplina germânica, pois era também outro alemão de forte sotaque, o padre Érico Alher. Ninguém queria ser expulso ou ter os pais chamados ao colégio. Corria-se o risco de, efetivamente, ser expulso como aconteceu com meu irmão que levou um tapão do diretor, ao estilo “telefone” e revidou com um soco na barriga do padre. Não teve perdão, foi expulso no mesmo dia.

Bem, depois desse longo preâmbulo passo a falar da bandeira que metaforicamente me roubaram no 7 de Setembro. A linda cerimônia do “teto de aço” ao final do casamento da filha, quando desfilava com o noivo à saída da igreja lindamente decorada e ainda aquele pelotão feminino em seus belos uniformes de gala do Exército Brasileiro, calou fundo no coração do pai. À voz de comando do oficial comandante, colega de turma da noiva, o pelotão empunhou as espadas e cruzando-as ao alto, formou-se um corredor, um túnel conhecido por “teto de aço”, com as pontas das espadas se tocando e tintilando umas nas outras, variando a cadência a cada voz de comando. Neste momento e ainda sob o comando do oficial, os noivos desfilam pelo túnel de teto de aço. Quando o casal estava bem ao meio da caminhada, o mestre de cerimônia, posicionado lá trás, no início da formação do túnel, gritou o nome da noiva e ela, surpresa parou, virou-se para trás e então pipocaram flashes de luzes e as espadas se tocando ao alto tintilaram mais intensamente. Foi emocionante acompanhar esse ritual e só então, após o reinício da caminhada dos noivos, foi permitido que os pais e padrinhos os acompanhassem. Linda cerimônia, sob melodiosos acordes especialmente preparados pela orquestra militar.

Mas e a bandeira que dá título à crônica? Ao olhar para cima durante a passagem no túnel do teto de aço no casamento da filha e combinando as cores do templo, da decoração com variegados arranjos florais, tive a impressão de que estava andando pelas ruas embandeiradas de Wall Street. Quando a trabalho em Nova York gostava de ver aquelas ruas do coração financeiro da cidade cosmopolita carregada de grande, diria até mesmo exagerada, quantidade de bandeiras dos Estados Unidos. Eram dispostas nas fachadas dos prédios, um pouco acima dos pórticos das portas, em mastros inclinados cerca de 60 graus em relação à parede. Contemplá-las era como ver aquele corredor do teto de aço da cerimônia militar que ali presenciei pela primeira vez. Achava linda aquela avenida do centro financeiro de Nova York e ficava a imaginar por que não temos esse costume de se hastear a Bandeira Nacional na fachada dos prédios aqui no Brasil? Ainda hoje, mesmo na capital federal, não há o hábito de se expor a nossa bandeira nacional. Em toda a cidade apenas uma única bandeia fica hasteada permanentemente na fachada de um prédio na Avenida W3 Norte, afora lógico os prédios públicos que têm obrigação legal de manter hasteado o pavilhão nacional.

Portar ou exibir a Bandeira Nacional em nosso país só mesmo em duas ocasiões, dia de jogo da seleção de futebol ou no 7 de Setembro. Precisamos mudar esse costume, ampliar o uso da bandeira nacional. Gosto de ver e contemplar a bandeira nacional e quantas e quantas vezes passei em frente às embaixadas brasileiras na Avenida Pensilvânia, em Washington ou na Champs Elisées em Paris quando lá servia nosso país, simplesmente para ver, contemplar o auriverde pendão de nossa pátria tremular ao vento. E a sensação de ver nos aeroportos um avião da Varig com a bandeirinha brasileira na sua fuselagem ou então uma verdadeira bandeira tremulando no mastro de um navio que zarpa do porto de Nova York..., ah era para chorar mesmo, de saudade da pátria, da infância na escola, que nos reunia para cantar o hino nacional, perfilados diante da bandeira e também nos levava a desfilara no 7 de Setembro. Sabedor do culto à bandeira, mais nos Estados Unidos que na França, sempre recebia consultores norte-americanos e franceses, por força dos convênios que administrava no Ministério as Educação, os levava para um almoço típico brasileiro em minha chácara e lá hasteava as duas bandeiras, a do país do hóspede e a do Brasil, lado a lado. Às vezes até três bandeiras, juntando-se ainda aquela outra, branquinha com um triângulo no centro com os dizeres “Libertas quae sera tamen”. Ah, que saudades das terras mineiras onde nasci... Mas, por falar em saudades, de tanto ver as centenas de bandeiras vermelhas e azuis estreladas e ouvir o hino nacional dos americanos, The Star Spangled Banner, acabei por aprender o hino daquele país, emocionando-me com a sua letra que lembra o clarão vermelho dos foguetes e bombas estourando no ar e iluminando a bandeira estrelada que ainda tremulava, para orgulho de seus bravos soldados que lutavam por um país livre, o lar dos valentes. E assim, ouvindo aquele belo hino da nação americana, cantado em todas as solenidades, batia uma saudade doída na alma do menino que cantava as belezas de nosso país, a Pátria amada idolatrada das solenidades de hasteamento da bandeira e cantando o Hino Nacional no pátio do colégio. Por isso e para atenuar o banzo, levei algumas bandeirolas verde-e-amarelas para os States e presenteava os brasileiros que lá residiam, principalmente os 250 professores que cursavam pós-graduação sob nossa supervisão e muito dos quais visitei em casa ou nas universidades onde desenvoviam seus estudos. Na gaveta mantinha algumas, mas uma, em especial, ocupava lugar de destaque permanente sobre minha escrivaninha do escritório, no Latin American Studies Center, na Universidade de Michigan State. As vezes o banzo atacava forte, mas..., o trabalho estava por fazer. Pior foi o dia em que, passando pelas proximidades do porto de Nova Yok, avistei um navio cargueiro com a bandeira brasileira tremulando em seu mastro. Pedi ao motorista que parasse o carro, saltei, cheguei ao alambrado e fui contemplar aquela cena que evocava a pátria e me imaginava a bordo voltando para casa, pois ali já estava havia bastante tempo, só e sem a família. Em minutos de obsequioso silêncio e meditação sobre a distante pátria, eis que o navio apitou algumas vezes, naquele sonido triste, lúgubre como a despedida de um ente querido. Foi demais, a emoção desabou de vez. A Bandeira mais uma vez presente!

Bandeira? Para que serve a bandeira de um país? A bandeira é a personificação do patriotismo, o símbolo mais importante da nação. Ela representa o amor à pátria e é por isso que nos emocionamos quando diante dela estamos. Quanto mais longe, distante da pátria, mais emocionante é avistá-la. Seus símbolos despertam toda a nossa história, a nossa nacionalidade. E como era difícil ver em terras estrangeiras a bandeira brasileira, numa época que não existia a internet. Só mesmo nas embaixadas ou escritórios da Varig Linhas Aéreas. Por isso sempre carregava uma bandeirinha de papel na mala de viagem. A bandeira nacional representa sim os símbolos de nossa pátria e nos conforta com o sentimento de cidadão. Eduquei os filhos com a bandeira verde-amarela estendida na janela e bandeirolas nas mãos, nas arquibancadas da Esplanada dos Ministérios, saudando o Dia da Pátria. Como será agora nesse próximo 7 de Setembro? Sair pelas ruas carregando uma bandeira, ou simplesmente trajando cores verde-amarelo? Fiquei triste ao ler nos jornais que estão sendo convocadas manifestações políticas com as cores ver-amarelo, para o dia das celebrações da Independência do Brasil. Que pena, 200 anos, o bicentenário e não me sinto à vontade em participar de manifestações político-partidárias.

Roubaram-me a bandeira verde-amarela que tanto admiro, amo e até a levava para o exterior onde passava temporadas a trabalho. Penso que não serei capaz de sair às ruas em meio a aqueles que usurpam o patriotismo que o augusto símbolo da paz encerra em nosso peito. Verdadeira divisão fratricida, patrocinada por políticos que não alcançam o significado patriótico de amor à Pátria, por todos os brasileiros sem distinção de cores políticas, raça ou religião. Patriotismo não se mistura com ideologias políticas que são efêmeras e na maioria das vezes são apenas engodos à caça de votos. Por que não separamos política e patriotismo? Gostaria de celebrar o nosso bicentenário da Independência com o mesmo garbo que os amigos americanos celebraram em 04 de julho de1976. Recebi deles um mimo, a alegoria ao “Spirit of 76”. Pena que ainda não estava lá, pois assumi a coordenação internacional de programas do MEC naquela país apenas duas semanas depois daquela memorável data. Da mesma forma, não estive presente, em 14 de julho de 1989 às celebrações dos 200 anos da Revolução Francesa, marco civilizatório do mundo ocidental. Embora à época já prestasse serviços com temporadas naquele país e não podendo comparecer, os amigos franceses, convidaram-me mais tarde para servir de Juiz de Paz e celebrar um casamento civil à francesa, o PACSÉ, portando a faixa oficial bleu, blanc, rouge, as cores da bandeira da França. Mais uma vez as lembranças da bandeira vieram-me à mente e bem distante da Pátria. Ali, em Paris, numa cerimônia oficial, investido de autoridade e portando uma faixa com as cores da bandeira da França, também me lembrei da bandeira do Brasil e até ofereci aos noivos a linda praia de Copacabana ou a beleza natural da Amazônia – paixão dos franceses – como local paradisíaco para a lua de mel. Se não pudessem, então que considerassem o Brasil como opção de possível asilo em caso de acontecer algo inesperado entre o casal...

Mas, reminiscências à parte, saudades que se foram e ainda hoje reavivam o nosso amor às cores da Pátria, vamos esperar com otimismo o nosso 7 de Setembro. Afinal falta ainda um mês para celebrarmos os 200 anos da Independência do Brasil. Tomara que as festividades desse tão importante acontecimento... 200 anos da Independência, não sejam palco, como foram as invasões da Bastilha em 1789 e a invasão do Capitólio nas últimas eleições dos E.U.A., quando inescrupulosos políticos, com base em fake news incentivaram a invasão.  Que venham lindas comemorações do nosso 7 de Setembro e que evoquem o nosso mais belo e puro sentimento de amor à Pátria.

Brasília, 07 agosto de 2022   

 

 Paulo das Lavras


 Esquadrilha da Fumaça, saudando o pavilhão nacional na Praça dos Três Poderes, em Brasília


 Teto de aço - ritual de casamento de militares

 


Investido da autoridade autoproclamada de Maire da charmosa comunidade de Saint Savin sur Guertampes, o Monsieur Dasilva, portando a faixa Bleu, Blanc et Rouge, as cores da bandeira francesa, lê as regras do matrimônio pactuado sob a nova modalidade Pacsé. Por se tratar de contrato de duração limitada, ofereceu à noiva, que é médica em Paris, se necessário, asilo no distante Brasil tropical... Irreverentes e como adoram o Brasil, os franceses caíram na gargalhada... e tomem champagne... 


 
Bandeira americana em todo lugar, até nos gabinetes



 
Os norte-americanos têm verdadeira adoração pelos seus símbolos nacionais. 
Cheguei aos Estados Unidos poucos meses depois da festa do Bicentenário da Independência. 
Lamentei a perda daquele importante evento, mas de tanto falar isto, os gringos do nosso escritório, 
em Michigan, logo me presentearam com esse mimo, que havia sido lançado 
para a grande festa do Bicentenial, de 04 de julho de 1976.

 



Mas, cansado de tantas bandeiras azuis e vermelhas, nostalgicamente passava pela embaixada
 do Brasil em Washington, só para ver a auriverde


 ... e também na de Paris, onde a bandeira verde amarelo se destacava bem ao alto do prédio. 


 Mas, sabe onde mais nos sentíamos em casa? Na chique loja  da Varig no endereço
 mais sofisticado de Paris,  a Avenida Champs Elysées. 
Ali, além da enorme bandeira nacional, o gostoso  cafezinho promovido 
pelo antigo IBC e jornais brasileiros estavam  sempre disponíveis.
 Ah,,, que bálsamo dos tempos em que não existia a internet. 


 Trajando as cores do Brasil ao lado de argentinos e franceses, num jogo entre 
França e Nigéria, na Copa do Mundo disputada em Brasília.
 Entusiasmos patrióticos não faltaram.



 As uruguaias, numa atitude simpática, trajavam camisas do Brasil, mas
 não se esqueceram de sua bandeira nacional


Belíssimo ipê que coloriu o 7 de Setembro em frente à PGR  


 ... veja, ainda, a linda a frase que a Esquadrilha da Fumaça escreveu nos céus da cidade. 
Tive tempo de registrar em foto (dê um zoom)


 Crianças adoram os desfiles militares de 7 de Setembro, principalmente quando 
veem um jeep igual ao nosso, de aventuras na chácara.


 Vovô, você ganhou do Exército aquele Jeep, da chácara? 
Sim foi adquirido de um oficial do Exército, de Minas Gerais...


 

 
Desfilar no Sete de Setembro com os “Pracinhas “da FEB é um orgulho 
Foto do autor - Brasília 2017