quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

JK em Lavras


 

JK em Lavras
 

Corria o ano de 1954. O menino das Lavras do Funil, cidade de 25.000 habitantes, muitos de origem rural, sempre procurava um atalho para a escola. A pé ou cavalgando um tordilho voltava alegre da escola, ou mais precisamente, do Grupo Escolar Firmino Costa. Em dez ou quinze minutos fazia o percurso, passando pela trilha onde se localizaria mais tarde o prolongamento da Av. JK, chegando ao cruzamento com a Rua Otacílio Negrão nas imediações do túnel. Para chegar à sua casa, numa chácara situada a trezentos metros da Estação Costa Pinto, entrava pela estrada de ligação Lavras/Serrinha/Carmo da Cachoeira/Três Corações. Não havia ruas adjacentes à chácara de mais de 20 hectares, apenas a referida estrada que a cortava ao meio em suave curva de nível por quase 2 km de extensão. Os trilhos da Rede Mineira de Viação-RMV contornavam toda a divisa sudeste da propriedade no sentido Costa Pinto/Três Corações.

Aluno do 2º ano do curso primário tinha como professora a saudosa Dona Margarida Pedrotti Mássimo. Suas aulas começavam às sete da manhã e encerravam às onze. Seu irmão chegava logo em seguida para o turno da tarde que inciava às doze horas. Algumas vezes ele chegava a cavalo e o menino retornava no tordilho. Não era sempre que usavam o cavalo como meio de transporte, até porque a mãe começou a proibir quando soube do tombo do cavalo com o menino e tudo. Era mês de estiagem e o cavalo em marcha acelerada, rua abaixo, escorregou a pata dianteira na grama seca de uma rampa lateral. O pequeno cavaleiro, que montava em pelo, sem o arreio, foi atirado à frente, por cima do pescoço do animal que, desequilibrado, instintivamente o abaixou e... o cavaleiro mirim saiu voando por cima, pasta escolar espalhando livros, cadernos e o estojo de lápis. A rampa causadora do acidente nada mais era do que o entroncamento em diagonal da Rua Tomás Antônio Gonzaga com a Av. JK. Mães que conversavam no portão de uma das casas socorreram imediatamente o menino que nada sofrera, mas chorava muito e implorava para que segurassem seu cavalo que levantara ligeiro e ameaçava disparar rua afora. A falta do arreio com estribo facilitou o voo do menino, cujo tombo foi amortecido no pescoço do cavalo e pela grama seca. Talvez se estivesse usando estribo poderia ter sua perna esmagada sob o peso do animal ali estatelado. Algum tempo depois o menino descobriu, em visita à casa de seu querido e saudoso Professor Russaulière Mattos, que a anfitriã, sua querida mãe, fora uma das senhoras que o socorreram naquele acidente, bem ali ao lado, duas casas adiante.

Aquele era o caminho preferido, pois o acesso ao Firmino Costa, ou simplesmente FC, situado no centro da cidade, era feito em percurso bem mais longo, começando no túnel, na atual Rua Otacílio Negrão, depois a Melo Viana e a “Rua Direita”, chamada de Francisco Sales, com lojas comerciais em toda a extensão. O atalho, onde existia apenas a trilha de pedestre em meio à extensa pastagem, embora mais curto, tinha um obstáculo. Na parte mais baixa havia um córrego, cuja nascente se localizava num bananal em meio ao “buracão” existente atrás da rua direita, bem nos fundos da “Distribuidora”, a garage dos bondes. Esse ponto, o buracão, era o final da Rua Misseno de Pádua, bem ao lado da casa dos Lacerda Boari, logo depois da esquina com a Rua Álvaro Botelho. Só foi aterrado e a rua estendida até o encontro com a Otacílio Negrão algum tempo depois, por volta de 1957.

A fotografia aérea anexa mostra como era exatamente aquela região no ano de 1955, antes do prolongamento da Av. JK. Nela o menino viu, acompanhou e admirou diariamente a construção de uma rede elétrica de alta tensão, numa reta por sobre aquela trilha de pedestre e que mais tarde viria ser a continuidade da Avenida JK. Aquela rede elétrica foi construída pelo Governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck de Oliveira e se destinava à transmissão de energia elétrica produzida pela recém inaugurada Usina Hidrelétrica de Itutinga. No ano seguinte, 1955, houve eleições para presidente da república e JK foi a Lavras em campanha política. A chegada da energia elétrica era o ponto forte de sua campanha. Porém alguns opositores duvidavam que isso pudesse se tornar realidade, embora a rede elétrica já estivesse quase concluída e a usina em funcionamento. Para esses não importava a baixa qualidade da antiga luzinha vagalume vinda da usina municipal do Cervo e a da Fabril Mineira gerada ali na Fábrica Velha (Dr Jorge). Ignoravam as vantagens da energia farta e constante. O menino via, ouvia e nada entendia sobre as discussões fanáticas entre o avô, o coronel Anísio Gaspar, vereador pelo PSD, partido de JK e outro parente, da UDN, que fazia oposição ferrenha. Só sabia que o avô tinha razão, pois viu e acompanhou a construção daquela rede de energia elétrica, bem ali no seu caminho/atalho para a escola. Além disso estava acostumado às visitas do líder maior do partido em Lavras, Dr Sílvio Menicucci e a quem o Governador e depois Presidente da República sempre prestigiava com visitas à cidade. Nessas visitas de campanha política, quase sempre era acompanhado pelo inseparável correligionário, amigo e deputado federal, Tancredo Neves e seu secretário particular, o ex-deputado Carlos Murilo Felício dos Santos.

Embora JK tenha feito várias visitas à Lavras quando governador e nas campanhas políticas, não são dessas viagens que queremos falar, mas de três outras muito importantes. A primeira foi por ocasião das comemorações do Centenário de Lavras, em 1968. Amigo do então Deputado Estadual Silvio Menicucci e recém chegado do exílio, JK fez questão de estar presente nas comemorações do centenário da cidade. Em traje de gala compareceu ao Baile do Século, assim chamado o grande evento de comemoração do centenário do município. Fez-se acompanhar pelos deputados Renato Azeredo e Carlos Murilo Felício dos Santos, secretário particular da Presidência da República (foto anexa). Foi a maior recepção que Lavras já viu. A casa do Dr Sílvio ficou pequena para tanta gente que queria ver e cumprimentar JK, o mesmo acontecendo nas dependências do Clube de Lavras onde o assédio foi constante e ele, JK, sempre sorridente. Infelizmente esta foi sua última visita à Lavras, pois no ano seguinte, 1969, foi impedido. Ele quis voltar à cidade mas foi dissuadido a não fazê-lo. Queria dar um abraço no amigo e correligionário que teve o mandato de deputado estadual covardemente cassado pelo AI-5. Uma semana antes da cassação Dr Silvio Menicucci foi recepcionar JK em Juiz de Fora. Lá, sede de uma unidade do Exército, o prefeito Itamar Franco fora proibido de conceder a palavra a JK e então o deputado Silvio Menicucci o conduziu à sede da Associação Médica de Juiz de Fora, onde havia mais de 5.000 pessoas que queriam cumprimentar e ouvir o ex-presidente chegado do exílio. Uma semana depois veio o decreto de cassação do Deputado Silvio Menicucci.

Dessa vez JK não pode ir pessoalmente à Lavras visitar o dileto amigo e a compungida comunidade lavrense, nela se inserindo o menino sonhador que já se tornara engenheiro e trabalhava em Belo Horizonte onde, orgulhosamente, acompanhava a brilhante atuação do deputado conterrâneo. Duro golpe, não só para os lavrenses, mas para toda Minas Gerais. O amor que JK nutria por Lavras e seus cidadãos não permitia que ele deixasse de nos visitar. Embora impedido de ali comparecer, chamou outro mineiro, querido de Lavras, de Minas e de toda a Nação, Tancredo Neves e entregou-lhe uma carta, carregada de sentimentos, para ser entregue em mãos do Dr Sílvio. Essa carta, de conteúdo memorável, o menino a copiou dos arquivos de um historiador, o conterrâneo Professor Renato Libeck e aqui a reproduz para que se tenha a exata noção da grandeza dessa penúltima“viagem/visita” que JK fez a Lavras (foto anexa).

Quis o destino que o menino das Lavras se transferisse para Brasília e aqui encontrasse JK por duas vezes. A primeira, no dia 3 de agosto de 1975, no saguão de desembarque do aeroporto da capital federal e que, hoje, merecidamente leva seu nome, Aeroporto Internacional Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Ele caminhava apressado em direção ao veículo que o aguardava no setor de desembarque. Deu de cara com o menino engenheiro e o irmão que o acompanhava. Cumprimentou-nos atenciosamente e o menino só teve tempo de dizer-lhe: “Aí, Presidente, veio visitar sua filha querida... a cidade de Brasília? Obrigado, por nos dar essa maravilha de cidade”. Com um largo sorriso e acenando com a cabeça e a mão, agradeceu, embarcou e o carro desapareceu rapidamente naquela manhã de agosto, pois ele era proibido de visita-la e aparecer em qualquer ato público. Na segunda vez o encontro foi de tristeza e consternação e o menino não conseguiu segurar as lágrimas. Cerca de 20.000 pessoas desfilavam em frente à sua janela, às 8 horas da noite, conduzindo o féretro e cantando a sua paixão seresteira, o Peixe-Vivo, pela Avenida W3 Sul em direção à sua morada final, no Campo da Esperança. Pois bem, aquele JK, amigo de Lavras e que povoou a mente do menino desde a infância e que acompanhou a sua obra, a rede elétrica que abriu caminho e melhorou a sua trilha para a escola, iluminou e trouxe o progresso para a cidade natal, passou novamente, ali à sua frente pela última vez, naquele aziago mês de agosto de 1976.

Mas, falta ainda falar sobre a última viagem de JK a Lavras. Aliás, está por se realizar brevemente e tudo começou no dia 13 de junho de 2012 quando o menino das Lavras foi convidado para o lançamento de uma grande obra literária, histórica, o livro “Momentos decisivos: JK contra o golpismo”, de autoria do ex-deputado e ex-secretário particular de JK, Carlos Murilo Felício dos Santos. O evento se realizou no Memorial JK e o menino aproveitou para registrar em foto o imponente monumento, justamente na hora do crepúsculo de uma bela tarde, conferindo matizes multicores ao mármore e ao azul do céu. O contraste produziu um belo efeito sobre a estátua de bronze do estadista que parece dar um adeus à cidade que ele fundou e inaugurou apenas 15 anos antes de sua partida final.

A simpatia do autor do livro de memórias cativou o menino e foram relembradas suas visitas à Lavras na companhia de JK. Autógrafos concedidos, poses para fotos, incluindo a simpaticíssima Presidente do Memorial JK, Srª Anna Christina Kubitscheck Pereira, esposa de outro lavrense, Paulo Otávio Pereira, empresário da construção civil em Brasília. Ali mesmo, durante o coquetel, o menino se aventurou a convidar o Dr Carlos Murilo e a Presidente do Memorial JK para uma visita sentimental à terra dos Ipês e das Escolas, tão querida por JK e lá realizar o lançamento de seu livro que é uma ode àquele estadista, o mais patriota de todos e que dedicou toda a sua vida ao progresso da nação. De pronto o convite foi aceito com alegria e entusiasmo. Agora depende apenas de agenda de ambas as partes, convidado e anfitriões.

Lavras aguarda mais essa visita de JK, ainda que sob a forma de livro escrito e por alguém que o acompanhou a vida toda, inclusive nas viagens a Lavras. Receber o Dr Carlos Murilo e os familiares de JK, em Lavras, é o mesmo que tê-lo de alma presente, com profundo significado pelo amor que se encerra em nossos corações à sua memorável vida. O menino que no passado contemplava sua obra e campanhas em Lavras e que agora usufrui, diariamente, das belezas da cidade de Brasília que ele fundou, agradece por mais essa oportunidade que se descortina para recebermos JK em nossa terra natal que também ele tanto amou.

Brasília, 27 de fevereiro de 2013

Paulo das Lavras do Funil

 
 

                                                   O mapa do paraíso e seus atalhos para se chegar à escola, em 1954/55

 


 

                                         Muro azul do Grupo Escolar Firmino Costa, servia de “escada” para o menino
      montar em seu cavalo que, de vez em quando, o levaria de volta à casa após a aula

 

                                                         JK em 1955. Governador de MG, eleito Presidente

 


 

          JK no Baile do Século, em Lavras, 1968. Presentes também os Deputados Renato Azeredo e Carlos Murilo


 

                                                 Baile do Século- Lavras. Jk com Judy Macieira e Silvio Menicucci



Crepúsculo no Memorial onde descansa JK 
 

                                                    Presidenta do Memorial JK, Anna Christina   Kubitscheck Pereira


 
Autor do livro Carlos Murilo e Paulo Roberto
 

                                                       
 

 

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Mulher

                         
 ... e assim elas nos criaram e nos fazem felizes. É  preciso amar a mulher com o amor devido,  seja ela mãe, irmã, esposa, companheira ou amiga... e sempre! 
Pintura - Ralph Duncan- Utah


                                         
O dia 8 de março foi escolhido para se celebrar o Dia Internacional da Mulher. Entendo que o dia da mulher deveria ser comemorado todos os dias. Mas, diante de tantos esquecimentos e injustiças para com o gênero, até que é conveniente haver uma data especial para essa comemoração, embora deva ser diariamente. O que seria de nós, os homens, sem ela? Para início de conversa basta dizer que nem gerado teríamos sido. Além disso, ela é a fortaleza do lar, ao contrário do que normalmente se pensa. Ela é agregadora, mantendo a família unida, cuidando de todos, gerindo a casa, a família enfim, nela se incluindo o homem. Este se vangloria de ser o provedor (e apenas isso), mas, hoje nem isso ele está conseguindo, pois as mulheres estão marcando presença no mercado de trabalho igualando-se a eles. Nas universidades já são 45% dos professores e 55% dos alunos. No mercado de trabalho já representam 49,2%, em Brasília. Só no Ministério da Educação representam mais de 70% dos funcionários. No trabalho, além de fazer igual ou melhor que os homens, seja em empresas ou em órgãos públicos, ela ainda dá conta ao mesmo tempo de administrar a casa, o lar, fazendo o papel de mãe, conselheira e conciliadora de conflitos. Além disso, desempenha quase que exclusivamente a árdua tarefa de educar os filhos e deles cuidar nos momentos difíceis. Aprendi isso no meu local de trabalho onde predominam as mulheres e são sempre elas que vão ao telefone para monitorar as atividades da casa, dos filhos e tudo mais que se relacione à família. Os homens "nem se ligam" nessa tarefa de procurar saber a “quantas” andam as coisas do dia a dia da casa. Tomara que isso mude e além de me penitenciar pela inexperiência passada, sempre estimulo os colegas- pais- a ligarem mais para os filhos, ainda que seja um simples telefonema no meio da tarde. Isto faz diferença, mas, infelizmente, ainda, somente as mulheres têm sensibilidade para perceber isso. São qualidades inatas que elas carregam. Instintivamente se dedicam mais aos outros e passam um bom tempo cuidando da família, dos amigos, dos desamparados. São capazes de enxergar o mundo e os relacionamentos de uma maneira muito distinta da dos homens. Até mesmo no campo das relações sexuais, diz-se que o homem faz sexo, a mulher faz amor.

Os homens precisam mesmo aprender muito sobre as qualidades da mulher. Eu mesmo levei algum tempo para perceber isso e valorizá-la por tudo que ela representa como mãe, irmã, esposa, companheira, filha, colega de trabalho ou simples amiga. Aprendi a amar todas, cada uma a seu modo próprio e pelo que representam para nós mesmos e para a sociedade como um todo. Nós somos aquilo que elas, as mulheres, nos fizeram, do nascimento à paternidade. Simples assim!

 Bem fez o poeta que canta as belezas e a sensibilidade da mulher e cunhou a frase:

“Cuida-te quando fazes chorar uma mulher, pois Deus conta as suas lágrimas”.

Nada mais preciso dizer. Um abraço especial para aquela que é a mais especial para nós... você, Mulher!

 Brasília, 8 de março de 2007.

Paulo das Lavras

P.S.  (08/02/2013) Passando pelo Rio de Janeiro, no dia 29 de julho de 2011, o menino das Lavras resolveu visitar a Biblioteca Nacional, onde havia uma exposição dedicada à mulher. Aproveitando o espírito de amor e respeito às mulheres, guerreiras, no lar e no trabalho fora de casa, o menino sentiu o quão grande tem sido a luta das mulheres e assim decidiu anexar o relato a seguir, que complementa de forma magistral e se estende a todas as mulheres:


Exposição Brasil Feminino- A Mulher na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

 Aproveitando o horário de almoço de um dia de trabalho no Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, o menino engenheiro visitou a Biblioteca Nacional num bonito prédio em estilo neoclássico inaugurado em 1910. O prédio compõe juntamente com o Museu Nacional de Belas Artes e o Teatro Municipal um maravilhoso conjunto arquitetônico no centro da velha capital. Por sua beleza plástica o conjunto de prédios já se constitui em atrativo para a visitação. Desta vez uma mostra sobre o papel da mulher na sociedade, intitulada “Exposição Brasil Feminino - A Mulher na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro” despertou sobremaneira o interesse do menino em meio a tantas apologias em contrário.

             Foi muito emocionante ver, naquela exposição, a trajetória da mulher brasileira ao longo de nossa história, desde os tempos coloniais até o presente. Foram expostos 150 documentos raros, fotos, jornais, revistas e pinturas diversas incluindo as famosas telas de Debret onde as mulheres só aparecem como escravas, mercadorias à venda ou aluguel. Afinal ali estavam representados mais de 200 anos de lutas da mulher brasileira para ocupar seu merecido espaço na sociedade. Lutas retratadas desde a condição de mulher escrava até à da mais alta patente, de governante máxima da nação brasileira. Essa luta se confunde com a própria história nacional contra os preconceitos e a opressão machista reinante até há pouco tempo.

Mais interessante ainda, foi observar por meio dos documentos expostos a sequência cronológica do duro caminho de libertação da mulher brasileira, saindo da condição de escrava ou, se não, do único espaço que lhe era permitido, ou seja, a cozinha, o doméstico, até chegar ao espaço público, ocupado tradicionalmente pelos homens. A mostra foi dividida em cinco diferentes temas: a condição subalterna da mulher; a consciência política e luta dos direitos civis; a ação social e educação; o comportamento e, ainda, a atuação científica e cultural. Nesses cenários desfilavam figuras marcantes como Carlota Joaquina, Maria Leopoldina, Chiquinha Gonzaga, Carmen Miranda, Zuzu Angel, Zilda Arns, Maria da Penha (cuja lei de mesmo nome é o terror dos homens violentos contra a mulher), Benedita da Silva, Lygia Fagundes Telles, Fernanda Montenegro, Maria Esther Bueno, Marta jogadora de futebol feminino, as jogadoras da Seleção Feminina de Vôlei, as atrizes Bibi Ferreira, Tônia Carrero, Norma Bengel, a bela Marta Rocha, a roqueira Rita Lee, as ousadas Mães de Acari, terminando com a presidente da República, Dilma Rousseff. Uma bela sequência das duras lutas, vitórias e destaques da mulher brasileira. Foi preciso que o menino das Lavras do Funil adentrasse um espaço cultural como esse para, embasbacado, se lembrar de quão pequenas foram as palavras de sua crônica escrita quatro anos antes. Daí concluiu ser necessário complementá-las com esse relato.

  Além das figuras marcantes a Exposição exibiu o livro Ordenações e Leis do Reino de Portugal, de 1603, que descreve o rigor e a severidade no trato legal que as mulheres sofriam no século XVII. Verdadeiro horror, inimaginável o que se praticava contra a mulher naquela época. Outra pérola desconhecida e que causou muita surpresa ao menino foi o jornal “O sexo feminino” editado na cidade de Campanha-MG, no ano de 1873, que defendia mudanças em favor da igualdade de gênero. Quem diria isso, há mais de 140 anos as mulheres brasileiras já vinham publicando suas reivindicações no campo da igualdade de direitos, justo naqueles tempos de extremo machismo.

Foi gratificante visitar a mostra Brasil Feminino. Verdadeira imersão numa história fascinante. O menino saiu com a sensação de que o nosso país tem progredido muito na questão da igualdade e equidade do gênero, tornando-nos mais justos hoje em dia. As mulheres merecem mais que isso, pois afinal elas são mães e educadoras que nos conduziram à vida. Amor puro... e superiores aos homens em tudo, menos na força bruta, o que nada importa, pois isso pode até ser substituído por máquinas.

       O amor à mulher é completo, ou assim deveria ser para os homens. Mulher é para ser amada, admirada pelos seus dotes morais e grandeza interior, não importa a condição.  Pobre daquele que não tem (ou não teve) o amor da mulher mãe, irmã, esposa, filhas, netas e amigas. São elas que nos movem e hoje, mais ainda, inseridas no mercado de trabalho, já em escala considerável, temos mais essa categoria de mulheres, as colegas de trabalho. Têm a delicadeza das flores e só elas sabem humanizar esse ambiente onde passamos a maior parte do tempo de nossas vidas. Mulher é tudo na vida, as respeito e as venero. Uma benção dos ceus! Assim pensa o menino, de feliz infância passada nas Lavras do Funil e que, literalmente, sempre viveu cercado por elas.


 Brasília, 8 de fevereiro de 2013.

Paulo das Lavras



O Centro Cultural do Rio de Janeiro. Fotos de Paulo Roberto da Silva, em 21/07/2011
Museu Nacional de Belas Artes - Rio
Foto do autor - nov 2011

Teatro Municipal- Rio
Foto do autor - nov 2011


Hall principal do Museu Nacional de Belas Artes
Foto: Arquivos do Museu de Belas Artes


Biblioteca Nacional - Rio
Foto do autor - nov 2011



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Porque Gosto de Viajar: A arte de conhecer o mundo e fazer amizades


            TCK, esta é a expressão cunhada há 40 anos por uma estudiosa de crianças americanas que viviam na Índia. A expressão nada mais é do que o conjunto das iniciais de Third Culture Kids – Crianças de uma Terceira Cultura, que caracteriza os filhos de pais de nacionalidades diferentes, que nasceram num terceiro país, falam pelo menos três idiomas e frequentemente moram ou tem relações em mais de três paises. Essas pessoas acabam construindo relações com várias culturas, embora não tenham ligação forte com nenhuma, afirma a autora da pesquisa, Ruth Hill Ulseem. Embora desfrutem dessas vantagens como a fluência em outros idiomas, facilidade de se adaptarem a outras culturas e, futuramente, poderem auferir vantagens na carreira profissional, essas crianças sofrem com a falta de raízes.

            As pessoas acostumadas a viajar e conviver com outras culturas têm os horizontes ampliados e olham o mundo de uma forma diferenciada, mais ampla. Desenvolvem uma maneira própria, com outros “parâmetros”, para medir, avaliar e se relacionar com pessoas “diferentes”. Tornam-se mais argutas na arte de “observar” e analisar o comportamento dos outros. Por isso têm mais facilidade de abordagem e aproximação, vez que identificam melhor o perfil cultural das pessoas ao seu redor. Por isso são mais sociáveis, se relacionam mais e melhor com estranhos, fazendo novas amizades em qualquer local que estejam. Em outras palavras, ou melhor, segundo a poetisa e cronista Cecília Meireles em seu livro “Viagem”, o viajante por estar quase sempre só, está mais aberto para se encontrar com outras pessoas, mesmo que por pouco tempo.

Essa é mesmo uma realidade que o menino comprovou, ao longo de mais de 40 anos de viagens de trabalho pelo mundo afora. E nesse sentido o viajante a serviço se diferencia do turista, que é apressado e tem sempre um guia a lhe explicar, razão pela qual não se interessa em relacionar-se com as pessoas do local. Ao contrário do turista, o viajante a serviço, até por necessidade de ofício, acaba estabelecendo uma relação sentimental com o local visitado e consegue assimilar mais a convivência e o aprendizado que essas novas experiências lhe proporcionam, inclusive o domínio do idioma local. Advém daí um maior autoconhecimento e melhor inserção no meio social. A arte de viajar, segundo a citada autora, é antes de tudo uma arte de amar, de admirar, uma emoção constante, nem sempre alegre, porém intensa.

            Pois bem, o menino não chega a ser um TCK no sentido estrito da terminologia, mas, assemelhou-se, pois, embora não seja filho de pais de diferentes nacionalidades (em que pesem as ancestralidades de origem portuguesa), passou a infância e a juventude em duplo domicílio. E esta é uma experiência tão rica quanto aquela dos TCK, pois os meninos passavam o ano escolar na cidade e três ou quatro meses de férias nas fazendas ou em cidades diferentes, em casas de familiares. Era costume a família intercambiar os filhos nas férias e às vezes passavam o período inteiro em diferentes lugares. Então era assim, havia as turmas de amigos da cidade, do campo e de outras cidades dos estados de Minas, Rio e Paraná. Ter duas casas permanentes, na cidade e no campo, é algo diferente, instigante e prazeroso. Se na primeira havia no quarto a estante com livros, brinquedos, cadernos de estudos e similares, na outra se concentravam os apetrechos de caça, pesca e montaria. No quintal ficavam os brinquedos rústicos fabricados pelos próprios meninos sob a orientação dos camaradas (empregados) ou do próprio pai. Eles tinham prazer em ensinar a construir um moinho tocado pela bica d´água ou a famosa jangada, feita do tronco (pseudocaule) de bananeira, travada com varas de bambu. Nelas, remavam e navegavam com velocidade espantosa nas enchentes e corredeiras em pequenas cachoeiras do ribeirão Água Limpa. Também havia a indefectível tralha para passeios e “viagens” a cavalo para as cidades vizinhas e para as outras propriedades (eram duas as fazendas do pai, além de uma terceira arrendada). A segunda propriedade era uma invernada para o gado, banhada pelo imenso Rio Grande e se localizava a uns 6 km da sede, por caminhos íngremes e tortuosos por entre montanhas, contornando penhascos perigosos, cruzando riachos, a cachoeira da Bebela e a rodovia 265. A terceira dela, arrendada em hasta pública, situava-se ao lado da Estação do Farias, da antiga RMV. Era mais distante, uns 15 km em sentido oposto, porém em terras de campo-cerrado e com topografia bem suave proporcionando uma cavalgada mais rápida e leve.

Melhores ainda eram as estripulias que o menino fazia juntamente com os humildes garotos, geralmente filhos de empregados da fazenda ou de vizinhos. Mas, essa é outra história para ser contada à parte, pois o objetivo agora é focar as vantagens de se fazer amizades em locais de diferentes culturas. Os constantes contatos com a garotada do meio rural e de cidades como Nepomuceno, Varginha, Volta Redonda, Belo Horizonte, Perdões, Ribeirão Vermelho, Itaúna e a distante Londrina, no norte do estado do Paraná, dentre outras, ajudaram a moldar a personalidade do menino, pois, o hábito de se mudar de ambiente a cada quatro meses do ano, levou-o a desenvolver grande parte daqueles sentidos próprios dos TCK. Assim adquiriu o gosto pelas viagens, conhecendo lugares diferentes, pessoas com hábitos e costumes distintos daqueles cultivados unicamente pelos familiares. Aprendeu a ser mais humilde, a tratar melhor e com mais distinção as pessoas, porque quando se é hóspede em um lugar estranho ao seu ninho, não há lugar para a arrogância ou achar que o seu lugar e a sua cidade são melhores. Todo lugar é bom. Os que ali estão adoram e se enchem de orgulho pela terra onde vivem. Portanto, a sabedoria do visitante consiste em saber “penetrar” nesse mundo querido do anfitrião, despindo-se de todos os preconceitos e “curtir” as diferenças, as belezas e os valores de cada local. Aí está um dos maiores prazeres das viagens, sejam elas a trabalho ou  lazer.

            Graças a esse olhar diferente, com o coração aberto, o menino adquiriu a facilidade de se sentir em casa em cidades como São Paulo, Paris, Rio, Nova York, Bogotá ou Porto Alegre, de onde, aliás, está voando de volta para casa, Brasília, que não é sua cidade natal e tem costumes totalmente diferenciados. Aliás, por ser uma cidade planejada para ser a capital do país e muito jovem e ainda em formação de sua cultura, já é, por isso mesmo, um lugar extremamente sui generis. Assim, em todos os locais que visitou (viajava 200, sim, duzentos dias por ano) e prestou serviços deixou amigos aos quais sempre dá um alô, quando ali retorna, ainda que do aeroporto e sem chances de revê-los, apenas para dizer “estou de passagem por aqui, tudo bem contigo?” Essa é a diferença para se sentir bem e gostar de outro lugar. Que diferença haveria entre uma cidade e outra se não houvesse ali um amigo? Para o viajante, nenhuma, pois seu interesse se resumiria a dois endereços: o hotel e o local da missão a ser executada. Naturalmente um terceiro haveria e talvez o mais desejado, o aeroporto, com retorno garantido para casa. E só! Para ser diferente tem que haver a figura do amigo para um happy hour, jantar ou outro programa cultural.

            As semelhanças do menino com um TCK não param aí, pois até mesmo no domínio de idiomas há semelhanças. Dominando o inglês, o francês e o espanhol e ainda compreendendo o italiano, teve facilidades para fazer amigos ao redor do mundo, até mesmo filipinos, africanos e asiáticos nas jornadas de trabalho no Departamento de Estado, em Washington, nos EUA. Essa multiplicidade cultural nos leva a cultivar a mente mais aberta, receptiva e com horizontes alargados. Aliás, a curiosidade é inata, exercitada desde os tempos de menino que queria escalar as montanhas, especialmente a Serra da Bocaina e ver o outro lado do mundo que se descortinaria à frente. Mas, se por um lado tudo isso contribuiu para o desenvolvimento pessoal e progresso profissional, de outro, o menino que sonhara com novos horizontes e depois ganhou o mundo e nele passa boa parte dos 365 dias do ano, também herdou outra característica dos TCK: o sentimento sofrido, pela falta de raízes, a saudade dos familiares ascendentes e colaterais, dos amigos de infância e dos colegas de faculdade, especialmente daqueles que não pudemos dar um último adeus. Também entram nesse rol de amigos os colegas das primeiras e desafiantes tarefas no campo profissional. Foi assim com os trabalhos de planejamento e execução de projetos agroflorestais e paisagísticos em Belo Horizonte, Ouro Preto, Mariana, Três Marias e região do norte de Minas. Também em Lavras, na antiga ESAL, onde implantou uma nova modalidade de ensino, a pós-graduação stricto sensu com os primeiros cursos de mestrado. Em todos esses lugares o menino deixou amigos que ainda hoje, depois de quase cinquenta anos, mantém laços de amizade. E quando falta um deles, dói e dói muito, principalmente por não ter estado mais tempo com eles e não ter podido dar um adeus.

            Com o passar dos anos as lembranças vão se esmaecendo, mas, às vezes nos atacam duramente, sobretudo quando na solidão de um hotel, ainda que seja classificado como cinco estrelas e localizado nas mais sofisticadas áreas urbanas das melhores cidades do mundo. Saudade não tem lugar, é traiçoeira e nos faz sofrer por algo que não mais desfrutamos. Dizem que a saudade cura, pois reviver as gostosas reminiscências é ser feliz. Dizem isso. Pode até ser verdade, mas a verdade verdadeira é que ela só acaba com o embarque de volta para o lar, o porto seguro onde estão os verdadeiros laços e a razão do viver, a família.

Gosto muito de viajar. Mas, afinal quais os conselhos para uma boa viagem? Aproveite cada dia de sua vida. Nunca deixe a ociosidade ocupar a sua mente. Diz um velho ditado que a ociosidade é a oficina do diabo. Mesmo que esteja de férias, ou em um lugar qualquer, não deixe de ler, estudar, explorar o local, conhecer novidades, novas pessoas e seus costumes. Se estiver num avião em longa viagem, aproveite também para meditar sobre o valor da vida, as boas coisas, a família e os amigos. Leia muito, tudo que puder. A leitura abre nossos horizontes e nos faz crescer espiritualmente, fazendo-nos sentir melhor. Pratique ainda a boa ação, se puder e tiver chance. Seja gentil com o estrangeiro, melhor ainda com o povo que o recebe.

            Mas, finalmente, o que é mesmo o melhor de uma viagem? Bem... , o melhor da viagem é a volta, a chegada em casa, o porto mais bonito, gostoso e seguro de todo o mundo.... Com certeza!

Brasília, outubro de 2009

 Paulo das Lavras


_________________
Crônica escrita a bordo do Boeing 737-700, Gol – PR-GOU, Porto Alegre/BSB em 25/10/2009.



 

 Capitólio/Washington, com filipinos-1988

Biblioteca do Congresso/ Washington-DC  1977

Reunião no Departamento de Estado Norteamericano 1988

Otawa, capital do Canadá   1987

Cidade do México - 1982

Lima- Perú  Palácio do Governo  1982

I.N.A.Paris-Grignon   1988

Sacada da Catedral de São Pedro - Vaticano  1988

Palácio de Queluz, Lisboa -  1988

Míssil fabricado pelo CTA, S.J. dos Campos -  1983

Conhecendo o Super Mirage. Base Aérea Anápolis - 1983

Embarcando para jazidas de Carajás  - 1981

Visitando Lavras com Ministro da Educação - 1993


Na sede da ABES-Rio, com vista maravilhosa



Contemplando os jardins de Nancy- França   1988

Relaxando em Estrasburgo - França

Conhecendo a histórica Rothenburg/Alemanha - 1988