domingo, 12 de fevereiro de 2017

Banho em praça pública - costume de Lavras...

 
Esse lago e a passarela do Redondo têm história. “Carregam” nossa juventude... 
Foto: Adivar Roquini – 2016



Banho em praça pública? Sim era comum se fazer isso no “jardim” de Lavras. Mas, só me lembrei disso porque uma amiga, Maria Aparecida Possato, escreveu nas redes sociais um belo texto, perguntando para onde foi, ou onde está a sua juventude. Descreveu algumas passagens pelo belo Jardim de Lavras, cujo nome oficial é Praça Dr Augusto Silva. Falou de flores, o “footing” no Redondo, que vem a ser a passarela circular do lago e sua fonte artificial iluminada, onde os rapazes e moças, quase sempre adolescentes, desfilavam. Aqui abro uns parênteses para dizer que esse footing no Redondo, como também no Rela, local onde desfilavam as moças e rapazes adultos, em frente à calçada do sobrado do Capitão Evaristo Alves, avô de Rubem Alves, famoso filósofo e escritor. A animação era intensa aos sábados e domingos, de 07:00 às 09:00 h da noite. Ali apenas se trocavam flertes e iniciavam-se namoros. Dizia a lenda que havia uma terrível fera que escapava àquela hora da noite, às 21:00 horas, e devorava as moças. Era o temível “Leão das nove”. Nove badaladas e as meninas “evaporavam”, corriam para suas casas e aos meninos nada restava a não ser ir para casa, pois eles também tinham o horário de chegar em casa. Na verdade, as mães zelosas não permitiam que suas filhas andassem nas ruas após aquele horário. Costume que perdurou até os anos 1970, quando o Movimento de Liberação Feminina queimou sutiãs em Atlantic City, em Nova Jersey, nos EUA, e assim também decretou a morte do Leão das Nove, em Lavras, a 10.000 km de distância.

Mas, voltando ao belo texto de nossa amiga, ela arrematou-o em forma de sofrido lamento perguntando “onde foi parar a sua juventude, tão vivida, cheia de amores, florescendo nos bancos do jardim, *rodando* no redondo, flertando, repleta de esperança...”, restando a presença das marcas que outros deixaram em sua vida, cicatrizando e envelhecendo-a? Para onde foram a sua mocidade e as folhas de outono, onde estariam elas? E termina perguntando “em que espaço se esconderam... ando a procura de alentos e afetos, do presente e do tempo que me espera!”.

            Ah..., esse lindo e amoroso texto me fez saltar no peito o vigor da juventude, passada ali naquela praça, ou simplesmente “jardim”, como carinhosamente nos referíamos ao belo e saudável local de encontros. “Senti” a juventude e de pronto lhe respondi:
- A nossa juventude está guardada nos amigos. Quando os vemos, ouvimos ou lemos seus versos, eles, os amigos, nos fazem reviver a juventude que juntos vivemos.

 Outra amiga complementou: “As recordações trazem de volta as emoções do passado. E então podemos sentir momentos de alegria nas gratas lembranças de tempos idos”. Uma terceira replicou: “Sentei nos bancos do jardim - que hoje chamam de praça - andei no "redondo", flertei com os "moçoilos" de antanho, enfim senti a emoção de rever aqueles "velhos tempos, belos tempos". E muitas outras acrescentaram, em suas próprias palavras, o mesmo sentimento: “As recordações trazem de volta as emoções do passado. E então podemos sentir momentos de alegria nas gratas lembranças de tempos idos”. E mais: “O tempo... esse insensível, não nos responde não, mas dentro de nós, escondido, ele vive nas lembranças gostosas que guardamos e amamos”. São manifestações mais que suficientes para validar a resposta que enviei à autora do texto inicial.

Mas, finalizando a discussão, na rede social, emendei: Além disso, fiz mais que todos... Fui atirado dentro daquele lago do jardim, várias vezes, pelos veteranos da Esal/Ufla, naquele ano de 1964... Banhos forçados em praça pública diante de centenas de expectadores, ávidos por novidades. Calouros sofriam e não adiantava estar acompanhados das namoradas, pois eram simplesmente arrancados e atirados no lago por dois ou mais algozes, segurando-nos pelas pernas e braços. Balançavam-nos até o alto de suas cabeças, por várias vezes, causando-nos vertigens e só acordávamos com o brusco e violento choque com a água gelada, e sempre à noite..., para nos humilhar perante as meninas. Era horrível a sensação de ter servido de motivo de gozação, mais ainda dos “amigos” mais próximos. E garanto que a autora do texto referenciado e provocador deste e tantos outros amigos que se manifestaram sobre o tema, foram testemunhas dos nossos banhos noturnos em praça pública.

        Cansado de tantos banhos em praça pública e consequentes gozações, resolvi pregar uma peça num dos veteranos, líder da caça aos calouros para o banho no lago da praça. Escondi uma lata de gordura de coco carioca, de 2 kg, vazia, no fundo do lago, com uma pedra dentro, bem próxima à ilha central, longe do alcance e das vistas dos veteranos. Esperei tranquilo ser arrebatado dos braços da namorada, sentados num banco de cimento, igual aquele com os dizeres gravados: Clyto Cleto Novais, dentista de arraial, gostosamente oferece à sua cidade. Fui faceiro, tal qual Tiradentes caminhou para a forca, a claque de veteranos e os “amigos”, supostamente meus “amigos do peito”, já em coro se extasiando com o iminente show do Paulo Bagaço se debatendo n´água e saindo igual ou mais que pinto molhado na chuva... Mas, quem ri por último, ri melhor, pensei. É hoje que eu me vingo! Não deu outra, caí de costas espargindo água para todos os lados, virei-me, nadando de barriga, coloquei a lata d´água, já sem a pedra, por debaixo do corpo e sem que ninguém a visse na turva água.... arrastei-me até à margem, onde o “sabido” veterano se exultava e.... pá.... lata d´água da cabeça aos pés.... Vaia geral na nova vítima que acabara de tomar um inesperado banho, mesmo de fora do lago... Mas, infelizmente foi uma vitória de Pirro, pois a partir de então paguei castigo de dois banhos diários, noturnos, sem direito a ir para casa após o primeiro, durante dois sábados e domingos seguidos. Não era difícil ser penalizado duas e até mais vezes ao dia e o Paulo Bagaço, ficava ainda mais esbagaçado, encharcado, cheio de algas verdes na roupa e no corpo inteiro... , ardendo, coçando, até chegar em casa, livrar-se da roupa e tomar um verdadeiro e saudável banho.

Havia mesmo muitos atrativos no “jardim”. A autora do citado texto e demais que o comentaram, estão certos. As moças gostavam de rodar no Redondo e flertar com os rapazes, mas os calouros da Esal que se cuidassem, banhos à força e voltar a pé, gelado, para casa eram tradição dos trotes acadêmicos.  Havia outros trotes como aquele sob o argumento que engenheiro agrônomo tem que saber medir terras. Davam-nos um palito de fósforo para medir toda a largura da rua, da Igreja do Rosário, ou do sobrado do Capitão até o meio fio oposto, no jardim. Era sabido que a largura total daria cerca de trezentos palitos, dependendo do local. Fácil, até. Mas, havia um problema, quando já se estava no meio da rua e passava um carro. Era necessário sair correndo e os veteranos nos obrigavam a reiniciar tudo, a cada vez, e assim nunca se terminava a medição... E se terminasse, diziam que a medida encontrada não conferia..., repita, por favor..., puro castigo que servia de gozação por todos que ali passavam.

 Essas são histórias de nossa praça, nosso “jardim” e há inúmeras outras. Nele “ficou” a nossa juventude que a toda hora reaparece, ressurge gostosamente em novas lembranças, sejam com as fotos do fantástico acervo de Renato Libeck e outros fotógrafos, inclusive aqui usadas, ou com as histórias sonetos e poemas contados pelos amigos. Neles, nas fotos e casos, está a nossa juventude, a mocidade revivida a cada momento por meio dos amigos que se apresentam e nos revelam detalhes de um passado que, de uma forma ou outra, foi também compartilhado por todos nós e vivido intensamente.

Somos aquilo que vivemos e sempre seremos jovens quando revivemos o passado, nossos sonhos que lembramos com carinho e muita alegria, hoje e sempre!

Um abraço aos amigos que frequentaram ou ainda frequentam o belo “jardim” da Terra dos Ipês e das Escolas.

Brasília, 12 de fevereiro de 2017

Paulo das Lavras 


P.S. - Agradecimento especial aos autores das fotos que ilustram o texto, como também aos amigos que contribuíram com textos e figuração nas fotos.



 
O belíssimo Jardim de Lavras, com ipês floridos e caramanchão em destaque.
Foto: Adivar Roquini – 2016


 
O famoso “Redondo”, local de footing dos jovens, tendo ao centro
o famoso lago, onde os calouros da Esal/Ufla eram impiedosamente jogados
Foto: Adivar Roquini - 2016


 
Minha lata de 2 kg, escondida no fundo do lago, sob as plantas aquáticas da ilha.
Arma letal para banho de água nos veteranos. Usada uma única vez,
em certeiro alvo, fez render, ao calouro que revidou no veterano, pena de dois
 banhos a cada noite de sábado e domingo,  por duas semanas.
Foto: internet


 
Outra vista do Jardim, com o coreto à direita.
Foto: Adivar Roquini - 2016



 
O trote dos veteranos até era fácil. Medir a largura da rua, em frente a esse sobrado
 do Capitão Evaristo Alves. Sabíamos que a medida resultava
em 300 palitos de fósforo, mas o problema era quando aparecia um carro e tínhamos
que reiniciar do zero. Não havia trégua aos calouros
Foto: Arquivos de Renato Libeck



Sábado à noite, de fevereiro de 1962, o amigo José Alcides Alvarenga, com uniforme
 do Exército - Tiro de Guerra 264, patrulhava a volta ciclística de três dias ininterruptos de um ciclista profissional, patrocinado por uma fabricante de bicicletas. O evento foi realizado no
 “Redondo” do jardim de Lavras.
À direita do rapaz de terno escuro, está o Menino das Lavras, de paletó cinza e camisa branca. Mais a direita está Nilton José Arruda. O Jardim guarda, portanto, muito de nossa juventude, como nesta foto do
arquivo pessoal de José Alcides e revivida 53 anos depois, no encontro registrado a seguir:

 
O mesmo amigo, José Alcides Alvarenga e Paulo das Lavras, em Brasília, em outubro de 2015,
 cinquenta e três anos depois e recordando a foto do ciclista que ele, José Alcides
enviou-me dias depois. Parecemos ou não dois jovens? Garanto que nesse dia estávamos com
 os mesmos 17 e 18 anos, respectivamente, tal qual na foto anterior, de 1962




 
O jardim serve também, ainda hoje, para eventos culturais. Solenidade de entrega de
violões para a APROAC.  Junho de 2013, com Rita Penoni, Paulo Roberto,
Juca e Cris Mattioli      -    Foto de Catarina Júlia

Esse lago e a passarela do Redondo têm história. “Carregam” nossa juventude...
Foto: Adivar Roquini - 2016


 O mesmo lago em foto do ano de 1957 
Foto: Coleção Renato Libeck