quarta-feira, 31 de julho de 2019

Obrigado, Esal



Era o dia 04 de agosto de 1975, meu último dia de trabalho na velha e quase septuagenária Escola Superior de Agricultura de Lavras-Esal que, dali a 19 anos se transformaria em Universidade Federal de Lavras-Ufla. Não foi fácil dizer adeus a um lugar que fazia e ainda faz parte de minha vida. Naquela manhã antes de partir para Brasília, percorri, em meu Opala branco de quatro portas, a principal avenida e seus dois ramais com os poucos prédios existentes: o da Administração da Escola, Capela Ecumênica, Economia Rural, Biblioteca Central (primeiro módulo apenas), Ciências dos Alimentos, Engenharia (dois prédios) e Zootecnia. Mais acima a Garagem/Oficina Mecânica, onde ficava o único ônibus Mercedes Benz - o Messias, ano 1968, tratores e meia dúzia de veículos. Do outro lado da avenida, os prédios da Agricultura, Engenharia Florestal, Química e Solos. Esses prédios, recém-construídos, constituíam todo o novo Campus da Esal, pequeno em número de edificações, mas enorme no coração de quem ajudou a construí-lo inteiramente, desde as medições de terrenos contíguos para fins de desapropriação, à locação da via de acesso e da avenida principal com seus dois ramais, um à direita e outro à esquerda, até à demarcação dos prédios e suas respectivas construções, iniciando-se pela escavação das fundações e chegando-se aos telhados e acabamentos com todos os sistemas de abastecimento e esgotamentos de águas servidas, pluviais, redes elétricas e de telefonia, tal qual a infraestrutura de uma cidade.  Parei o carro debaixo de frondosa árvore defronte ao prédio da Administração da Escola – futura Reitoria. Contemplei a cidade e ao fundo a maravilhosa Serra da Bocaina emoldurando a vista no horizonte. Olhei pela última vez e demoradamente o belo campus que vimos gestar, nascer e crescer, tijolo a tijolo, laje por laje e um profundo e imenso sentimento de gratidão perpassou a mente, rolando com muita intensidade um filme em flashback..., 1967 a avenida de ligação, 1968/69 os primeiros prédios, 1970 a transferência definitiva para o campus e mais prédios, culminando com a aprovação de novos cursos de graduação, especialmente o de Engenharia Agrícola, do qual participamos dos primeiros sonhos e frequentamos todas as reuniões do MEC antes da criação dessa nova profissão no Brasil. Ali estava, também, a Coordenadoria de Pós-Graduação que tivemos o privilégio de implantá-la, criar os primeiros cursos de mestrado e lançar a Escola no seleto clube da então iniciante pós-graduação strictu sensu da área de ciências agrárias no Brasil. Justo naquele ano de 1975 iniciamos dois cursos de mestrado. Quase dois anos de preparação dos projetos e muitas idas e vindas ao Ministério da Educação, em Brasília, para onde iríamos em definitivo no dia seguinte. Se ali, na velha Esal, trabalhamos com dedicação e conseguimos convencer as autoridades educacionais de Brasília a acreditarem na instituição e nela confiar, como capaz de levar avante e com sucesso essa nova modalidade de ensino, fomos, ainda, honrados com o convite para ali atuar, no MEC, em programas de desenvolvimento do ensino de ciências agrárias em todo o país. Um desafio prontamente assumido e com o aval do colegiado superior e da diretoria da Esal.

O filme flashback deslizando na memória e ali contemplando toda aquela obra, além do cenário da cidade e sua bela serra, fez-me relembrar do primeiro contato com a velha e respeitada instituição de ensino, então pertencente ao Instituto Presbiteriano Gammon – IPG. Foi em maio de 1956, quando cursava o 4º ano do curso primário. Em excursão, visitamos o Museu de História Natural. Menino de apenas 11 anos, ficou impressionado com os bichos empalhados ali expostos e até mesmo um feto de criança de quatro ou cinco meses de gestação, devidamente conservado em formol. Não passaram despercebidos os objetos de tortura dos escravos que ali estavam às vistas dos incrédulos meninos.  Ainda assim, passado algum tempo, não mais se lembrou da Esal. Cerca de cinco anos depois assistiu algumas palestras para jovens no auditório Lane-Morton, do IPG, que era também a instituição mantenedora da Esal. Dali, da entrada do IPG avistava-se o portão de entrada da escola de agronomia que um dia viria a cursar. Em março de 1963, matriculou-se no curso de extensão, de formação de tratorista agrícola, no Centro de Treinamento de Tratoristas, da Esal/Gammon, em convênio com o INCRA – Instituto Nacional de Reforma Agrária. Em janeiro de 1964 prestou vestibular para o curso de Agronomia, único curso então existente na Esal, que fora federalizada havia apenas dez dias (Lei 4.307, de 23/12/1963). Primeiro vestibular da Esal como escola federal e ainda logrou um grande feito, pois foi aprovado em primeiro lugar. A gloria para o menino que sonhava ser engenheiro agrônomo.

        Foram quatro anos de ótimo desempenho nos estudos, valendo-lhe, como prêmio, estágio em empresa paulista de produção de fertilizantes, bolsas do CNPq de iniciação científica em Química Agrícola e em seguida no Departamento de Engenharia, por dois anos. Foi nesse período, como bolsista de engenharia, construções e topografia, que participou dos trabalhos iniciais de implantação do novo campus, no platô da área agrícola do campus. E então veio a sonhada formatura em Agronomia, seguindo-se o primeiro emprego em Belo Horizonte, numa empresa de planejamento agrícola, florestal e paisagismo. Um ano depois, em fevereiro de 1969, o então diretor, Alysson Paolinelli, buscou o menino em BH para trabalhar como professor auxiliar de construções rurais e atuar na construção do novo campus da Escola, o que, aliás, já tinha feito antes, desde o tempo de aluno estagiário e bolsista. Um ano depois, em 1970, inaugurou-se o novo campus e para lá transferimos toda a Escola, alunos, professores, colaboradores, salas de aulas, laboratórios, oficina mecânica e biblioteca, além do plantio de árvores ao redor dos prédios e sob uma delas ali estávamos a devanear em despedida.

Campus novo, bonito, espaçoso, todo planejado e então era hora de se pensar na expansão da oferta de cursos e vagas. E a primeira preocupação do diretor: qualificar os docentes.  A ordem era para que todos os docentes se matriculassem em cursos de pós-graduação. A Escola de Engenharia de São Carlos, da USP foi o meu destino, em fevereiro de 1971. Para lá seguimos com a família e também outro colega. Hélcio Alves Teixeira. Ano seguinte mais dois, Carlos Frederico Hermeto Bueno e Nadir Francisco da Silva. Em agosto de 1972 retornamos, com os créditos concluídos e um ano depois defendemos a tese de mestrado. De volta à Escola, recebemos a honrosa incumbência de implantar a pós-graduação e assim, em 23/03/1973 fomos nomeados Coordenador de Pós-Graduação, função que corresponde ao atual cargo de Pró-reitor. Uma maratona de viagens às universidades congêneres, de Piracicaba, Viçosa e Rural do Rio para conhecer a estrutura administrativa e acadêmica dos cursos de pós-graduação.  Incontáveis foram a idas e vindas ao MEC, em Brasília. Antes mesmo da aprovação dos dois primeiros cursos de mestrado na Esal conseguimos aprovar a criação do curso de graduação de Engenharia Agrícola, depois de algumas reuniões no MEC com técnicos da Usaid, em 1974. O curso foi implantado, finalmente, em julho de 1975. Os mestrados de Fitotecnia e de Administração Rural, os primeiros da Esal, tiveram início em março e agosto de 1975. E foi exatamente na manhã daquele 03 de agosto que se deu a aula inaugural do primeiro curso de mestrado em Administração Rural do país. Terminada a aula magna, os alunos de curso de Fitotecnia, já em funcionamento desde o primeiro semestre, pediram a palavra e leram uma carta de despedida, assinada por todos. Não foi fácil segurar a emoção, tal o carinho, o pareço daqueles primeiros alunos de pós-graduação da velha Escola. E ali, debaixo daquela árvore, sozinho em meu carro, com todo aquele filme passando pela mente, reli a carta e desabei.

Foi difícil dizer adeus à velha e querida Esal naquele final de manhã do dia 04 de agosto de 1975. Acabara de ser homenageado pelos alunos da pós-graduação e mal contidas as lágrimas, tamanha a emoção, agora, ali estava sob a frondosa árvore a contemplar a cidade emoldurada pela serra da Bocaina, o novo campus que ajudara a construir... Muito orgulho, muito amor por tudo... Como foi difícil dizer adeus para um lugar que me transformou, que me fez uma pessoa melhor tanto pessoal como profissionalmente. Alma enlevada, agradecida por tudo.

Obrigado Esal/Ufla, obrigado Lavras, obrigado Samuel Rhea Gammon que, vindo de tão longe, plantou essa semente aqui na sua terra prometida. Semente que germinou, produziu frutos que alimentaram a minha alma, os sonhos de um jovem e de muitos outros que por ali passaram. Nela deixamos um pedacinho de nossa contribuição para o futuro de nossos filhos e próximas gerações. Sou grato por tudo que recebi dessa instituição de ensino e mais, fui privilegiado pela oportunidade de participar de seu desenvolvimento nesses quase sessenta anos, presencialmente e depois por meio do Ministério da Educação, onde a representei por quase quatro décadas e pude também enxergar outras realidades mundo afora.

Obrigado, Esal/Ufla. Sucesso sempre, pois foi plantada sob o lema do grande missionário, Samuel Gammon: Dedicado à Gloria de Deus e ao Progresso Humano, encampando, ainda, a trilogia dos Land Grant College, pioneira no país, do Ensino, Pesquisa e Extensão, calcada na Ciência e na Prática.

Brasília, 31 de julho de 2019

Paulo das Lavras



O velho portão da Esal – anos 60
Foto: acervo de Renato Libeck


Prédio Álvaro Botelho – ESAL, onde funcionava o Museu de História Natural,
 que o menino conheceu em 1956. Em primeiro plano o busto de Samuel Rhea Gammon,
 o fundador da Escola Agrícola em 1908
Foto: acervo Ufla - 2013



O “menino” primeiro, em pé à direita, com os colegas já no segundo ano
do curso de agronomia da Esal – 1965.



Novo Campus da Esal/Ufla, inaugurado em 1970
Foto: acervo Ufla


Ao chegar ao MEC, em Brasília, assumiu a gestão dos programas internacionais de Educação Agrícola Superior. Visita à Universidade de Wisconsin- Madison-1978, em supervisão aos professores brasileiros matriculados em cursos de PhD.


Representando o MEC na  inauguração de prédio na Esal-Ufla, construído com
recursos dos programas de Educação Agrícola Superior – Set 86 



Idem, 1993- Medicina Veterinária

Recebendo homenagem pelos  40 anos da Pós-graduação
Foto: acervo Ufla - 2015 


Solenidade dos 40 anos do Mestrado de Fitotecnia, com três dos  21 alunos pioneiros, do ano de 1975, Maria das Graças Carvalho, Milton Moreira de Carvalho e Pedro Milanez. Coincidentemente,
 por seus próprios méritos, foram contratados, por concurso público, como professores
 da Esal/ UFLA logo em seguida.




Esses três ex-alunos da Pós-graduação também assinaram a carta abaixo:




Homenagem pelos 50 anos do Departamento e Engenharia, onde atuei desde 1966,
ainda como estudante e depois como professor, a partir 1969


Vista parcial do Campus da UFLA, em 2016
Foto: DuAlto Imagens Aéreas 


Uma foto mais que histórica, com duas grandes personalidades da história da ESAL-UFLA, com os quais nos reunimos na UFRPE, por ocasião da 47ª Reunião de Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS. O primeiro, à esquerda, Alysson Paolinelli, diretor e figura central do processo de
federalização da Esal. A seu lado o eminente Prof. Eudes de Souza Leão, que
em 1963 evitou, como assessor do MEC, o fechamento da ESAL e por
consequência foi, então, federalizada. Nesse encontro combinamos a ida do Dr Eudes
à Lavras para receber as devidas homenagens da comunidade, o que efetivamente
 aconteceu em solenidade de 09/09/2012

Foto: Abeas – outubro de 2007, Recife/PE


A minha gratidão à ESAL/UFLA nos 50 anos de formatura
Setembro de 2017



sexta-feira, 26 de julho de 2019

Um passeio na Lua, hoje, com a Astronauta Anna Fisher


Faz 50 anos que homem pisou na Lua pela primeira vez. Foi no dia 20 de julho de 1969. O módulo lunar, Eagle, pousou  (“Eagle landed” informou Neil Armstrong ao controle aeroespacial de Houston, às 17:17h de Brasília) e em seguida ele tocou o pé esquerdo no solo lunar (às 23:56h), dando os primeiros passos na lua e exclamou para o mundo:  “Esse é um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade”. Enquanto Armstrong e Aldrin exploravam a Lua, o terceiro astronauta, Collins, ficou orbitando-a com a nave principal, Columbia, aguardando-os retornarem com o modulo lunar Eagle que deveria acoplar à nave-mãe. Foram mais de 21 horas de suspense e ao final deu tudo certo. Neil Armstrong o grande astronauta e pioneiro ao pisar a Lua, veio ao Brasil em outubro de 1969, três meses depois do pouso lunar. Aqui foram condecorados com o Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a mais alta honraria. Em contrapartida eles também homenagearam Santos Dumont por sua grande contribuição para a ciência aeronáutica. Mais tarde, já em 1973, a União Astronômica Internacional, decidiu nomear uma das grandes crateras lunares com o nome do aeronauta brasileiros Santos Dumont que, coincidentemente, aniversaria em 20 de julho, a mesma data da descida do homem à Lua.

Pois, hoje, 26 de julho, exatos 50 anos depois do primeiro passo do homem na Lua, pude reviver aqueles momentos que presenciei pela TV, com a mesma alegria e entusiasmo do então jovem de vinte e quatro anos. Ao lado de crianças, a maioria meninas, e de jovens cheios de sonhos, participamos da palestra de uma astronauta que teve atuação destacada nas tecnologias aeroespaciais em diversas missões da NASA, a Agencia Norte-americana do Ar e Espaço.  A Drª Anna Fisher, médica, selecionada juntamente com cinco outras mulheres que formaram o primeiro grupo de astronautas femininas, foi ao espaço na missão Discovery, em 1984 e atuou como especialista em vários projetos da NASA, incluindo a construção da Estação Espacial Internacional- ISS, onde também esteve o astronauta brasileiro e atual Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.

A Drª Anna Fisher veio ao Brasil com o patrocínio da Embaixada Americana, como parte das comemorações dos 50 anos do Homem na Lua e para incentivar os jovens na busca por carreiras na área de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). Foi muito bom participar dessa palestra e ouvir as experiências vividas pela astronauta, das primeiras mulheres a orbitar a terra. Experiências incríveis, rememoradas por ocasião dos 50 anos da chegada do homem à Lua. Rever e relembrar as imagens da corrida espacial, as visitas ao museu aeroespacial nos EUA, quando lá desempenhávamos atividades profissionais na Michigan State University,  os diálogos com nosso astronauta brasileiro, compartilhar o entusiasmo e a simpatia da Drª Anna Fisher e, ao final, testemunhar a alegria das crianças, com olhar de esperança de um dia viajar ao espaço, foi muito gratificante. Fiz, hoje, um verdadeiro passeio na Lua!

Brasília, 26 de julho de 2019

Paulo das Lavras



Com a astronauta, Anna Fisher, na palestra proferida hoje, com

o patrocínio  da Embaixada Americana, em Brasília




 




 


Módulo de Comando Columbia, da Apollo 11, exposto no National Air and Space Museum,
em Washington–DC, que visitei em 1978
Foto: NASM


Visita ao National Air and Space Museum, em 1978 – o primeiro avião a cruzar o Atlântico sem escala, pilotado por Charles Lindbergh, batizado como Spirit of St Louis
Foto do autor