sexta-feira, 19 de junho de 2015

Infância feliz... adeus depressão

           Sentir-se feliz é uma situação ocasional ou é uma característica da personalidade das pessoas?  Já faz tempo que a ciência descobriu que a personalidade do adulto está relacionada à atenção que ele teve na infância. O amor dos pais e a atenção que eles e outras pessoas dedicam à criança fazem toda a diferença. Esses relacionamentos, desde a tenra infância até os seis ou sete anos, moldam as caraterísticas de nossa personalidade.

Nada é mais devastador que o sentimento de rejeição, seja pelos pais, em pior escala, ou ainda pelos familiares e pessoas que vivem redor da criança, como as babás, professores, treinadores e tantos outros que, infelizmente, poderiam ser chamados de pais terceirizados. Crianças rejeitadas carregam para sempre a dor na alma. Tanto as crianças como os adultos sentem a dor da rejeição tal qual a dor física. E pior, pois enquanto a dor física passa, alivia, a dor psicológica da rejeição pode ser revivida por todo o tempo. Isto porque as partes do cérebro que armazenam e ativam tais sensações são as mesmas tanto para a dor física como da rejeição. 

E isto está comprovado em mais de meio século de pesquisas internacionais nos campos da psicologia e da neurociência. Estudos com mais de 10.000 participantes, nos EUA, confirmam que as crianças rejeitadas sentem mais ansiedade e insegurança, e são mais propensas a serem hostis e agressivas. Quando adultos, entram em depressão mais facilmente, além de dificultar o relacionamento interpessoal, seja no trabalho, com amigos, ou mesmo com o cônjuge e a família. E a culpa, dizem os estudos, não é só da mãe. Esta é injustamente inculpada, quando na verdade a rejeição por parte do pai é pior. A criança, diz o estudo, sente mais a ausência do pai, a falta do carinho, a aceitação e a valorização por parte dele. Diante disso, o pai, terá que mudar seus conceitos. Aliás, toda a nossa sociedade machista que, diante de uma criança ou adulto mal educado, não poupa os xingamentos à mãe, ou à suposta falta dela, com a mais vil das ofensas à honra. Se nossas penitenciárias e centros de reeducação juvenil estão lotados de condenados não é culpa somente da mãe, conforme já comprovado pela ciência. 

Uma pesquisa publicada neste mês pela Revista Nature comprovou que as experiências relevantes deixam marcas permanentes no tecido nervoso, os chamados “engramas cerebrais”, formados por conjuntos de neurônios que foram estimulados e se transformaram em “traços da memória”.  Ora, traços da memória são as marcas permanentes dos neurônios resultantes de aprendizado, experiência ou treinamento. Quando estudamos e decoramos uma lição, por repetidas vezes,  ela é “gravada” nos  neurônios e depois é só forçar a mente durante a prova e a decoreba vem inteirinha. Esse processo de repetir e repetir sempre, até chegar à decoreba, faz com que os neurônios “se irritem”, engrossem seu micro diâmetro e assim facilitam o circuito neurológico, tornando-os  capazes de transmitir mais rapidamente e intensamente as informações armazenadas. Assim se forma a memória consolidada, para sempre. Agora, transponha isso para o lado afetivo da criança. Quanto mais amor, carinho e atenção com respostas positivas às suas indagações ou erros e respeito à sua condição de criança que aprende com o lúdico, mais e mais os seus neurônios irão “engrossar” e assim favorecer as ligações e recuperação de lembranças positivas. Não se pode esquecer que o cérebro da criança é como um computador novo, virgem, que precisa ser formatado, pois seus “circuitos” estão livres, sem trilhas, ou “programas”. Essas “trilhas”, os neurônios engrossados pelo estímulo, se tornam permanentes, são os “traços da memória positiva” que, obviamente, moldam a personalidade da criança/adulto. 

A mais importante descoberta nessa mesma pesquisa, realizada no Instituto de Tecnologia de Massachussetts (EUA), foi que se estimulado, ativado o local onde estão os traços da memória positiva, o cérebro dispara o efeito antidepressivo. Assim, conclui-se que crianças que tiveram a infância feliz estão mais propensas a ficarem livres da depressão. Ou, em outras palavras, o passado feliz ajuda a combater a depressão, ou ainda..., tornam os adultos felizes! 

              Feliz? O menino setentão? Mesmo com uma pleurite aguda aos dois anos de idade que quase o levou à morte, segundo as palavras do médico e prefeito da cidade, Dr Jacinto Scorza, que o operou naqueles idos de 1947, há mais de sessenta anos? Deve ter sido verdade, pois a família sempre contava que o menino passou quase um ano, após a cirurgia, em convalescência, literalmente no colo E mais..., a série de acidentes graves não parou por aí. Um afogamento com ressuscitação por massagens aos quatro anos e logo depois, aos cinco, outro acidente que lhe cegou o olho direito. Mas, então..., como assim infância feliz?

            Pela descrição acima parece que não daria para se afirmar que tive uma infância feliz. Mas, muito pelo contrário, tais acidentes de percurso tiveram papel fundamental na formação da personalidade do adulto, moldada justamente naquele período crucial dos infantes. Houve ingredientes infalíveis que anularam para sempre todo e qualquer possível efeito danoso à alma daquela criança. E hoje, para comprovar que só restaram boas lembranças gravadas na memória, recorro-me, além da ciência, às palavras de um cronista e jornalista, o mineiro conterrâneo, Caio Márcio Olímpio: 

“Fui uma criança feliz. Criado por pessoas que tinham idade para serem meus avós, usufrui de um aprendizado de muita experiência.... Sinto saudades da infância, mas não gostaria de voltar. O futuro é o que importa. E o menino que existe em mim vem sempre me dar a mão quando preciso. Assim, a saudade morre. Fui adulto desde cedo, numa história diferente, repleta de lacunas até hoje, e que chegou criança para espantar a todos que a conhecem... Feliz Dia das Crianças, aos que ainda permanecem meninos e meninas.”

            A bela crônica, que contém as palavras acima pinçadas, bem espelha o estado de felicidade, em função de algo “diferente” que deve ter acontecido com o autor lá pela primeira infância. Qualquer psicólogo saberia explicar as razões do estado de felicidade do adulto, mas nem precisamos deles. Basta citar o que uma amiga lhe disse sobre aquela crônica nas redes sociais:
 “fui testemunha de sua infância toda, você foi muito amado! Não deixe morrer essa criança dentro de você é ela que te faz forte para enfrentar o futuro nada fácil”.

            Voltando à ciência, pesquisa realizada na Universidade da Pensilvânia- EUA demonstrou que as crianças que foram submetidas a fortes laços afetivos, desenvolveram mais rapidamente as habilidades nos campos da linguagem e da memória. Somando-se, ainda, os estímulos cognitivos na primeira infância, o hipocampo (responsável por guardar lembranças e experiências) se desenvolveu mais, ficou maior naqueles que foram mais amados e estimulados do que as outras que não tiveram tanta atenção e amor. Essa pesquisa comprova os resultados das duas outras citadas no início desta crônica.

            E quer outro exemplo? Este menino que sofreu gravíssima infecção pulmonar teve que ser operado, passou nove meses no colo dos pais. Como só tinha dois anos de idade, passou exatamente aquele tempo, em que os neurônios estão em formação, recebendo atenção especial de todos que o cercavam. Aos quatro anos recebeu mais atenção ainda, quando sofreu um acidente grave e ainda outro aos cinco. Teve tempo demais para receber carinho e atenção. Assim como o outro mineiro, autor da referida crônica, amor e atenção dos pais não lhe faltaram. Ao contrário excederam. Foi tempo suficiente para os neurônios “engrossarem” e formar os traços da memória positiva, conforme comprovado na pesquisa citada inicialmente.

            Ora, o então menino que passou tempos no colo ouvindo histórias carinhosas dos pais e demais familiares e o outro “menino” que foi criado por pais mais velhos e que até fingiam não ver suas traquinices, têm as mesmas características que se enquadram nas pesquisas científicas citadas. Eles tiveram a chamada “janela de oportunidade” que nada mais é do que o período até os cinco ou seis anos, quando as crianças passam pela formação de habilidades cognitivas, como memória, linguagem, raciocínio lógico, percepção e aprendizado. O cérebro tem centenas de trilhões de conexões neurais... e os circuitos que não forem ativados não vão funcionar plenamente depois. Sorte dos meninos que tiveram a “janela da oportunidade” devidamente preenchida, graças aos pais e à família, professores e amigos mais próximos. Neles, os dois meninos, as sinapses (ligações entre neurônios) foram mais que consolidadas e na hora certa. Agora, depois de tanto tempo é só “ligar” o computador cerebral, esperar o download da mente e o drive do subconsciente, do hipocampo cerebral, aflora tudo de bom que está nas trilhas de seus escaninhos. Meninos privilegiados....! Escrevi ao autor daquela crônica e disse-lhe que deveria mudar a frase “
numa história diferente, repleta de lacunas...” para “repleta de amor” e formação adequada naquele período de infância, pois os pais mais velhos são capazes de se dedicarem mais aos filhos, assim como agora me dedico mais aos netos. Amor em dobro!

            Há ainda outra semelhança na vida desses dois meninos: ambos se tornaram “adultos desde cedo, numa história diferente...”. Ambos tiveram, sim, um grande diferencial, uma inestimável turbinada de amor e dedicação. Por isso são o que são..., gostam das letras, tem boa memória, tal qual descrito na pesquisa da universidade norte-americana. O pendor pelas letras começa aí, no que ficou gravado no hipotálamo. E deve ser por isso que sabem e gostam de falar da infância com prazer e amor. E só distribuem o que mais têm... amor e alegria. Amor e alegria? Ah..., mas o título da crônica fala em adeus à depressão... Sim, se ela teimar em aparecer, ou se a saudade e o banzo atacarem..., as pesquisas também indicam que uma maneira de combater essas propensões é: estimular a mente a acessar as memórias positivas. E nesse campo, a terapia da escrita, com as crônicas de reminiscências da infância nas terras das Lavras do Funil..., é o melhor remédio, infalível! E tem mais, os estímulos às reminiscências são maiores quando somos colocados à frente de fotos antigas, de pessoas e do ambiente dos tempos de infância. Isso é o que não falta nas redes sociais desde que surgiu o historiador lavrense, Renato Libeck, com seu vasto estoque de mais de sessenta mil fotos históricas de todo o século passado, principalmente de sua segunda metade. A cada semana são postadas centenas delas, fonte inesgotável para nossas crônicas.

            Somos eternas crianças! E nem é preciso dizer que a razão está justamente na infância feliz, pois ela permanece em nossa alma e “sempre pronta a nos dar as mãos nas horas de dificuldade”, como bem disse o amigo jornalista. Não há tristeza que resista..., deprê, então, não tem vez, nunca. E mais interessante, ainda, foi descobrir isso somente depois dos 40, quando geralmente fazemos uma avalição da vida, os sucessos, fracassos e o futuro nessa virada para a idade madura. Questionamentos infindáveis nessa fase, que alguns chamam-na, pejorativamente, de idade do lobo. Para o menino foi diferente, sem frustrações. Ao contrário, descobriu, e reconheceu o valor da infância feliz e, consequentemente um adulto feliz, bem sucedido na profissão e assim de bem com a vida, a família e amigos. E parece que a partir daí disparou a gargalhar para o mundo. Basta comparar as fotos. Antes, semblante sério do menino e do jovem e depois..., a partir da idade da virada, só gargalhadas... sempre alegre com ela, a vida!

        Sim, a ciência está certa. Infância Feliz, adulto feliz, de bem com a vida... As pesquisas científicas comprovam isso...Mas, nem precisavam realizar tantas pesquisas, pois Aristóteles já havia afirmado, há 2.370 anos, que: “Aquele que vê as coisas crescerem desde o início terá melhor visão delas”. Bem...,  as fotos deste menino-velho também comprovam isso!

Brasília, 20  de junho de 2015


Paulo das Lavras

O pequeno aos 03 anos    
                       

O menino, aos  09 anos


pré-adolescente - 11 anos      


      adolescente – 15 anos                


          jovem acadêmico – 18 anos, calçado com botas, como era o costume                        

 
      aos 22, recém- recém-formado na faculdade          


Aos 40... , idade do lobo que nada, descobrindo a alegria de uma infância feliz.                           


 
alegria no trabalho aos 60                         


mais alegre ainda, aos 70


 
Alegria, alegria..., netos                                    


 
                          Meus pais, Clóvis Pereira e Maria Alves,  com o caçula no colo, Anízio. 18-05-1948                                                                                                          
                                                                          


 
Pai, aos 70 e filho, 40. Gargalhadas com  os causos e causos na fazenda... e isso 
 se estendeu  até os 101 anos de vida                                           
           

Mãe e filho, semelhança notável no formato e traços do rosto,
aos 32 e 25 anos, respectivamente. 
     


Meu pai, Clóvis Pereira, homenageado pela Força Aérea Brasileira no dia que completou 100 anos, juntamente com o centenário da invenção do avião por Santos Dumont. Feliz coincidência, da qual se orgulhava.
Viveu 101 anos, com muita alegria no coração e era excelente contador de causos, tal qual quando embalava o menino convalescente no longíquo ano de 1948. Embora tivesse apenas dois a tres anos de idade ainda me lembro de suas engraçadas histórias do folclore e até a letra e musica de uma cantiga que ele entoava para fazer adormecer o menino. Infância Feliz, adulto feliz, de bem com a vida... As pesquisas científicas comprovam isso... e as fotos anteriores do menino-velho também....kkkkkk



 
Dr Jacinto Scorza, médico e prefeito que operou e salvou o menino de 2 anos e que foi um dos primeiros pacientes a usar a penicilina do pós-guerra. Graças à sua recomendação, de cuidados especiais após a cirurgia, fui o maior beneficiado. Carinho e atenção não faltaram à criança que, ainda hoje, tem gravadas na memória as melhores reminiscências da infância. Sou grato à memória desse médico, humanista














2 comentários:

  1. Obrigada por nos presentear com essa crônica tão objetiva e tão bem escrita!!!
    Tivemos uma infância mto feliz , embora com algumas restrições em face da situação financeira de meus pais..Porém fomos mto amados, e nos deixaram um legado que hoje nos mantem unidos e bem empregados..
    Participamos de tds as brincadeiras próprias de nossas idades e são lembranças mto boas!!! Èramos felizes e não sabíamos..O tempo passa, mas as lembranças ficam...abs

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  2. Obrigado, Deda. Assim fomos todos nós. Não há dinheiro que cubra o carinho e a atenção que todos nós recebemos naquelas décadas de 1950/60. Nossos pais foram uns heróis ao dar conta de todos nós ( e numerosos...rsrs) e nos encaminhar muito bem para a vida. Você está mais que certa. O tempo passa, mas as lembranças ficam... e como são boas!

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