quarta-feira, 27 de novembro de 2013

O Processo de Produção Intelectual


          Professor, como se dá o processo de criação de uma crônica, um artigo ou mesmo a invenção de um produto? Perguntou-me a aluna do curso de agronomia ao ler alguns de meus trabalhos. Difere das lógicas a que estamos acostumados? Continuou a aluna. Depois de pensar um pouco e surpreso com a qualidade da pergunta, respondi resumidamente como aquilo se passava comigo e prometi que lhe daria uma resposta mais completa, pois serviria de incentivo a todos os colegas. É uma questão tão importante, disse-lhe ainda, a ponto de se constituir matéria da área de gestão estratégica de empresas, ministrada no próprio curso de agronomia.

 

            O impulso de criar descobrir, inventar algo novo ou simplesmente produzir um texto literário se inicia com a “natureza inquieta”, com a “necessidade” de querer entender mais e mais sobre uma determinada questão, um problema ou objeto. Enfim, a busca por uma resposta para o problema ou produto desejado. Esse espírito inquieto, curioso por entender um problema é a primeira característica de quem produz algo novo, um invento, um artigo literário ou técnico-científico. Certa vez li uma frase que me marcou muito e tem servido de mote para minha conduta como educador: “Os mais inteligentes não são aqueles que sabem responder às questões, mas sim aqueles que fazem perguntas”. Perguntas sobre O quê? Quando? Por quê? Onde? Quem? Como? Quanto?, são ferramentas tão importantes no planejamento estratégico e desenvolvimento  de projetos que até receberam o nome de técnica dos 5W e 2H (What, When, Why, Where, Who, How, How much). Daí a importância dessas perguntas nos processos de planejamento, desenvolvimento e inovações. O inventor, inovador ou intelectual que produz um ensaio ou desenvolve uma nova ideia ou teoria, ou simplesmente escreve uma crônica, um conto ou uma poesia, leva a vida inteira com curiosidade.

           

Todas essas características podem ser resumidas em uma única palavra: sonhar... E para os sonhos não deve haver limites. Um exemplo? Aficionado por aviões, desde criança, sempre sonhei com as alturas vendo os voos das águias e aves de rapina que habitavam as montanhas alterosas. Tinha e ainda tenho verdadeira compulsão para admirar aviões e sonhar com eles. Pilotar pequenos aviões de treinamento e executar “perdas” com um monomotor de instrução “caindo” de ponta cabeça em parafuso era uma experiência fantástica, indescritível e repleta de adrenalina ao recuperar os controles da pequena aeronave. Praticante também do aeromodelismo, sonhava de olhos abertos com um protótipo de controle remoto que levaria um boneco paraquedista. Este, acionado pelo controle, seria ejetado em pleno voo e desceria suavemente com seu paraquedas aberto.  Criei isso no meu imaginário quando, depois de sobrevoar a fazenda de meu pai, lancei alguns bonecos presos a pequenos paraquedas, provocando a correria dos camaradas (empregados) em busca daquela curiosidade que caía suavemente do céu. Assim, prometi ao filho que compraria, em alguma viagem ao exterior, um desses aeromodelos com paraquedista. Ele  cansou de esperar, simplesmente porque o tal brinquedo ainda não existia. Hoje, decorridos mais de 30 anos, o tal modelo já está no mercado, ou seja, alguém sonhou e imaginou o mesmo projeto e o transformou em produto real. Então, orgulhosamente, disse: “viu com eu estava certo há 30 anos?”. Meu sonho era factível, mas, o filho ficou frustrado, pois ele propagandeara na escolinha que iria ganhar aquele “brinquedo fantástico” que nunca chegou, apesar das várias viagens ao exterior.

           

Assim, se a curiosidade é a primeira característica do pesquisador, inventor ou inovador, a segunda é o gosto pelo processo da descoberta. É preciso gostar da viagem e não apenas do destino, diz o ditado popular, ou seja, o processo de descobrir tem que ser empolgante para o protagonista, senão ele será interrompido. É comum as pessoas verem o invento e sequer imaginar quantas experiências foram feitas e perdidas até se chegar ao resultado final. Mas, o verdadeiro inventor se compraz até mesmo com os resultados de cada etapa do processo. Cada resposta gera um sem número de outras perguntas e a busca pelo conhecimento se torna infinita. É o amor pela arte de buscar o conhecimento. Entretanto, não bastam a curiosidade e o gosto. É preciso ser também muito persistente. Quer exemplos? Todos conhecem um produto muito utilizado em casa e nas oficinas, o WD 40, um fluido que remove toda a ferrugem de ferramentas, parafusos, fechaduras e tudo mais. WD é a sigla de “Water Displacement”, ou seja, deslocador, removedor de água. E o numeral 40, o que significa? Simplesmente identifica o número da fórmula bem sucedida. Trinta e nove outras foram testadas e não funcionaram bem. Somente a de número 40 funcionou como desejado. Perseverança...!

           

Outra característica muito importante é não colocar freios na imaginação. Feche os olhos e pense numa coisa boa... Já ouvimos isso muito vezes e tem uma razão fundamentada para tal conselho. É que o pensamento puro exige relaxamento e certo silêncio. O silencio total, o vazio da alma. A reflexão só acontece se estivermos concentrados, com a alma destravada, livre de qualquer preocupação. O pensamento tem que correr solto, como um sonhador... Embarcar nas asas da fantasia, no mundo dos sonhos é uma característica própria das pessoas, porém, difícil é manter-se nesse estado de alma destravada. Sempre somos cobrados, interrompidos e chamados à realidade... Acorda, fulano!!!  Sonhar de olhos abertos? Sim, também, pois os sonhos oníricos quase sempre não são lembrados depois que despertamos e o cérebro começa a entrar na consciência da rotina ou do planejamento do dia que se inicia. Poucos dos sonhos são lembrados. Quem ainda não se pegou resolvendo no sonho, de manhã ao acordar, um problema que o afligiu no dia anterior? Aprendi a manter um bloco e caneta na cabeceira da cama e anotar imediatamente, ao despertar, a solução encontrada durante o sonho. Pode parecer incrível, mas já consegui corrigir textos de minha própria produção, resolver equações matemáticas e problemas em 3D de engenharia, além de recordar nomes de ruas de cidades onde fizera alguma compra ou visto algo interessante e que por alguma razão não conseguira me lembrar durante o dia. Nem sempre a solução vinha completa no sonho, mas, depois, num processo reflexivo consciente, completava o raciocínio desenvolvido pelo inconsciente.

 

 Usar esse estado hipnagógico, que é aquele período entre o acordar e o total despertar, em que a consciência começa a tomar o lugar do subconsciente ativado pelo sono, é muito interessante. Nele podemos relembrar os sonhos, num período muito criativo em que a mente está destravada, voltada para o interior da pessoa e com acesso à inspiração do subconsciente. É considerado por muitos estudiosos como um estado de genialidade sem qualquer limitação. A literatura descreve que o inventor Thomas Alva Edson (1847-1931), o inventor da lâmpada incandescente, usava essa técnica para registrar novas ideias. Entrava em processo de completo relaxamento e meditação, ao mesmo tempo em que segurava uma bola de bilhar na mão, cochilava sentado e quando atingia aquele estado entre a vigília e o sono, quando temos alucinações visuais e auditivas, a bola caía sobre uma bacia fazendo barulho, despertando-o. Ato contínuo, enquanto estava naquele estado letárgico em que os pensamentos invadem o subconsciente, ele anotava e rabiscava as ideias que “sonhara”.

 
Como as ideias não têm hora marcada para aparecer é importante que se faça a anotação imediatamente. Paro o que estiver fazendo, inclusive de dirigir o carro, se for o caso e anoto as linhas gerais, os tópicos, enfim, tudo que puder caracterizar o “projeto”. Uma das situações em que os pensamentos criativos ocorrem mais frequentemente é nas viagens de trabalho. Os cochilos a bordo de grandes aviões se tornam fonte inesgotável para o afloramento dessas inspirações. São nos voos em cruzeiro dos modernos jatos, a 10 ou 11.000 metros de altura, em completo estado de meditação a contemplar o espaço, usufruindo do silêncio a bordo, que tenho tido as melhores inspirações para escrever algo sobre a beleza e o valor da vida. Ali, a sensação de flutuar, literalmente, nas nuvens provoca-me a leveza da alma e profundas reflexões inspirando a criatividade, seja ela plástica, literária ou técnico-científica. Esse estado de plena leveza da alma também é alcançado quando estou na varanda de minha chácara observando a natureza – os jardins, os passarinhos, o borbulhar da água que corre no rego e tudo ao redor. É um refúgio para a alma e ali me reencontro como “pessoa” e a criatividade tem campo fértil. Também na solidão dos hotéis, principalmente no exterior, onde o ambiente é propício à reflexão, encontramos ambiente favorável à criatividade. É impressionante como, nesse estado da alma, emerge o que sabemos sem saber que sabemos e o que procuramos sem saber que procuramos. Verdadeira terapia para a alma.

 
Tenho uma pasta repleta de papeizinhos, guardanapos de restaurantes, tickets, cartões de embarque com anotações, rabiscos de novas fachadas de casas, planos paisagísticos, títulos e sumários para novos artigos, tudo aguardando um destino, geralmente uma crônica. O notebook também se presta a tais anotações e nele há um arquivo eletrônico próprio para esses “projetos” em hibernação. Nem sempre o trabalho é concluído de uma só vez. Frequentemente são escritos e reformulados várias vezes, com intervalos de tempo incertos e de acordo com as novas ideias que vão surgindo e logo incorporadas. Há artigos inacabados há anos, mas não esquecidos e cada vez que os leio vou recompondo-os. Acho que escrever é uma arte que se vai apurando dia a dia e toma-se tanto gosto por ela que essa atividade acaba se tornando um hábito. Os escritores dizem que nunca se termina um artigo ou livro, pois, a cada vez que se faz uma releitura haverá novas inserções. Por isso dizem que é necessário dar um basta e “decretar” que o trabalho está pronto para ser publicado.

 
Mas, atenção, pois não basta ser curioso, sonhador ou gostar de pesquisar, ter ideias e anotá-las. Nem mesmo ter um método para desenvolver a questão é suficiente, pois o que literalmente difere os pesquisadores e intelectuais das pessoas comuns é que eles são persistentes e dão continuidade aos sonhos, buscando concretizá-los, acreditando que seu invento ou criação possa ser útil. São otimistas por natureza e neles não há lugar para pessimismos. Esse é o mote que me move, inclusive para escrever crônicas e em especial este artigo que responde a pergunta de uma aluna que queria saber como funciona o pensamento criativo diferenciado das lógicas a que estamos acostumados. Assim, ao escrever este artigo, penso que ele pode ser útil aos jovens que têm uma vida profissional inteira pela frente e de alguma forma, podem adquirir tais competências desenvolvendo suas habilidades e talentos. E você, jovem, sabe quais são seus talentos e habilidades? Veja na nota de rodapé os conceitos dessas características pessoais (*).

           

 
Brasília, 2009/2012

Paulo das Lavras

              
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(*) Conceitos:

Habilidade: capacidade técnica para realizar determinadas tarefas, desenvolvidas a partir da teoria e prática. Ex. tocar um     
                    instrumento, pilotar avião.

Talento: capacidade inata e que leva a um desempenho satisfatório tanto no aprendizado como na execução das habilidades. Ex  
              inventar, falar em público.

Competência: conjunto de habilidade e talento. Ex. piloto de avião de caça é mais competente  que outro que não tem tanta  
                       habilidade e talento para a realização dessa complexa tarefa.

 

 
Thomas Edison, grande inventor, inclusive da lâmpada elétrica
                                             incandescente que revolucionou o mundo.
                                       Valia-se das técnicas de relaxamento e meditação em
                                             estágios hipnagógicos para novos inventos.

4 comentários:

  1. Paulo Roberto, excelente seu artigo/crônica sobre a arte de escrever. É assim mesmo que um escritor se sente e você, como um deles, discorreu muito bem sobre o proceso da criação, que não é igual para todos, porém, é imprescindível que, para quem quer começar, deve-se ter um plano e, principalmente, curiosidade e imaginação. Todas as características de um bom escritor você as possui e sinto-me orgulhosa de tê-lo como amigo, porque quero, muito em breve, estar presente em um lançamento de um liro de sua autoria. parabéns e sucesso sempre. Continue escrevendo e aprimorando sua habilidade. Nessa vida não devemos perder nada, e, sim, ganhar sempre, e , pelo que observo, você é um vitorioso, porque sempre está ganhando mais e mais competências. Grande e carinhoso abraço

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  2. Obrigado, Tida. Escrever é realmente uma terapia para a alma e a cada dia aprendemos mais. Bom ter amigos que, como você, gostam de escrever. Sobre o livro, que até já tem título - O Sucesso Não Chega por Acaso, já está com a edição esgotada antes mesmo de sair da gráfica. Serão apenas três exemplares, um para cada neto...rsrs. Um abraço.

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  3. UMA VERDADEIRA AULA ! ESTOU GUARDANDO O TEXTO EM MEUS DOCUMENTOS PARA PODER FAZER USO DE TÃO PRECIOSAS LIÇÕES! MUITO OBRIGADA POR PARTILHAR SEU CONHECIMENTO CONOSCO! GRANDE ABRAÇO

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  4. Obrigado, Medusa. Sinto-me honrado e incentivado a prosseguir na nobre missão de professor, educador.

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