segunda-feira, 28 de janeiro de 2013



 
Infância e escola

 

Sob o título acima uma empresa de consultoria educacional divulgou, hoje, um artigo da Profª Adriana Varani, da UFSCar/Sorocaba (drivarani@gmail.com), originalmente publicado pelo jornal Cruzeiro do Sul Online, de Sorocaba-SP.  No artigo, transcrito abaixo, ela inicia afirmando que:

 “Em grande parte das experiências, nossas escolas ainda cortam os sonhos, tiram as nuvens, interrompendo um ciclo de possibilidades construídas logicamente, na lógica da infância, que ainda não está repleta da racionalidade adulta”. E prossegue, ilustrando a questão:
 
É cada vez mais premente a preocupação com a qualidade do ensino nas escolas, especialmente nas públicas dos anos iniciais do ensino fundamental. Nos últimos anos os índices de evasão e de repetência diminuíram consideravelmente em função de algumas políticas públicas no âmbito da educação. Entretanto, esta diminuição não interferiu num dado que nos assusta, o desinteresse das crianças pelo estudo, ou melhor, pela escola. Em uma pesquisa recente sobre a relação escola e comunidade, dentro do Projeto Observatório da Educação, financiado pela Capes, realizado por pesquisadores da Faculdade de Educação da Unicamp, aproximadamente 70% das crianças que se encontravam no 4º e 5º ano de escolas públicas da cidade de Campinas, afirmavam que as atividades fora da escola são mais legais do que as atividades feitas dentro da escola. Com este dado, gostaria de abordar uma reflexão sobre o que produz este desinteresse por parte das crianças. Para problematizá-la gostaria de trazer uma pequena história, dentre tantas já ouvidas/vividas no campo da educação.

              Certa mãe/professora e seu filho de cinco anos estavam num voo para o Rio de Janeiro, quando este olha pela pequena janela e avista muitas nuvens ao seu lado. Subitamente ele afirma com ênfase, mostrando que é sabedor das coisas: "Mãe, você sabe que é possível andar em cima das nuvens. Eu consigo". Eis que ela imediatamente, com seu tom professoral e maternal, responde "Filho, se você pisar nas nuvens, você cai". Ao lado havia uma senhora bem idosa, aparentava ter aproximadamente 90 anos. Ela observa e ri. Passados alguns minutos ele pergunta para sua mãe: "Nosso hotel é no céu?". A senhora idosa sabedora da vida e da herança carregada por aquela criança, se adianta à mãe, quase prevendo que novamente ela poderia interromper o raciocínio da criança, e diz "quando você for astronauta, você vai ter um hotel no céu".
          Quantas nuvens são tiradas bruscamente do chão das crianças ao se tornarem alunos na escola? Chama-me a atenção a forma como a escola se organiza curricularmente e, consequentemente, como o conhecimento, ao ser veiculado em seu interior, é tratado pelos sujeitos protagonistas da função escolar. A escola tem como função, numa leitura mais aligeirada, lidar com a seguinte relação: aluno, conhecimento e professor. Ao aluno cabe o papel mais importante, o de ser aprendente, aprendente do conhecimento que se caracteriza como a herança cultural (também pertencente da criança) acumulada pela humanidade e perpetuada ou a ser transformada pelos diferentes sujeitos. E ao professor, cabe o papel de articulador desta herança, de alguém que, não de forma totalitária, conhece e reconhece esta herança e promove a sua perpetuação ou seu questionamento junto aos seus alunos. Sua função pode estar associada a um papel de puro transmissor do que é supostamente certo como conhecimento definido, como pode ser aquele que, junto com seus alunos questiona o mundo e reaprende-o a partir desta herança.

         Arrisco afirmar que neste trato com o conhecimento e com os sujeitos, as crianças que estão na escola são tratadas mais como tabulas rasas do que como sujeitos que, de alguma forma, demonstram certa herança cultural ao adentrarem no universo escolar. E neste sentido, a crianças, no contexto escolar, se tornam alunos, seres a se tornarem detentores de um conhecimento e de uma herança que não, aparentemente, não lhes pertencem. Arrisco a afirmação que, enquanto alunos, em muitos casos, somos despojados da nossa própria história.

         Ao ser questionada pelo Jornal Cruzeiro do Sul em entrevista concedida há alguns dias sobre a questão da repetência escolar e como os pais deveriam tratar esta questão, ponderei que antes de ser tratada pelos pais, temos que pensar qual a concepção de educação com as quais trabalham as escolas que nossas crianças frequentam e como a homogeneidade é requerida em suas respostas a ponto de definir que a criança que não chega ao mesmo lugar que as outras, deve repetir o ano. A escola trabalha com objetivos únicos para pequenos que são diferentes e que tem diferentes sonhos, muito distintos dos nossos. Em grande parte das experiências, nossas escolas ainda cortam os sonhos, tiram as nuvens, interrompendo um ciclo de possibilidades construídas logicamente, na lógica da infância, que ainda não está repleta da racionalidade adulta.
         Não defendo com isto que o espaço da escola seja caracterizado pelo laissez faire. É sim, papel da escola, promover a transformação dos sujeitos e, consequentemente, colaborar no seu desenvolvimento. Entretanto isto deve ser feito de forma a compreender a infância, de forma a olhar para esta criança singularmente, em suas potencialidades e não apenas na sua negatividade, apenas no que ela não é ainda, mas no que ela também representa no momento em que se encontra no interior da instituição. A escola, em vezes, opta por interromper as construções lógicas da criança, para introduzir a lógica adulta e a resposta correta, no lugar de criar a possibilidade de ser um astronauta e ter hotel no céu.

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            Analisando o texto vemos que a professora aborda uma questão crucial e que nos leva a uma reflexão mais aprofundada. É fundamental que se dê asas ao pensamento da criança, deixa-la sonhar. Somente assim ela se tornará criativa. Deve ser tratada como “sujeito” no processo educativo e não como objeto. Para tanto precisa ser compreendida pela “lógica da criança” e não pela “certeza do adulto”. No caso acima, a vovó salvou os sonhos da criança, pois a mãe certamente os teria cortado, matando o estímulo de “um possível astronauta, com hotel no céu”, caso tivesse dado a resposta pela lógica do adulto.
           Ouso traçar um paralelo com o caso que postei em meu perfil da rede FB, no dia 26/12/2012, sob o título: “Criança tem cada uma” e que vai reproduzido a seguir:

Cenário: Dia de Natal, de 2012. Início da noite. Noticiários na TV. O locutor anuncia a morte de Dona Canô, na Bahia. Longa reportagem sobre sua vida, filhos e a morte propriamente dita. Na sala, atento, Pedro Henrique, quatro anos de idade, pergunta:
  “Mamãe, as pessoas quando morrem vão peladas para o céu”?

         A mãe, admirada com a pergunta, respondeu: “não sei filho. Só sei que quando você veio do céu, você veio pelado”. Nada mais se disse e todos contiveram o riso.

            Neste caso a resposta da mãe parece se enquadrar na tese discutida acima, ou seja, ela, em vez de dar a solene resposta lógica de adulto, preferiu estimular a imaginação da criança de apenas quatro anos de idade. Assim devemos ser o que, aliás, me faz lembrar aquela sabedoria apontada pelo pensador Ruben Alves:
           Todas as escolas só nos ensinam a ser ferramentas. Será preciso que você procure mestres que ainda não foram enfeitiçados por elas. Você deve procurar as crianças. Somente elas têm o poder para quebrar o feitiço que o está matando ainda em vida.

          As almas dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria!
         A velhinha de 92 anos, do caso a bordo de um avião e a mãe de Pedro Henrique, embora não seja uma idosa, deram exemplos de como bem educar uma criança.

Brasília, 28 de janeiro de 2013

Paulo das Lavras

 

 

 

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