sexta-feira, 26 de março de 2021

Um cozinheiro e as festas dos norte-americanos

           Em uma crônica sobre a arte de viajar e conhecer o mundo escrevemos que as pessoas, acostumadas a viagens e convivência com outras culturas, têm os horizontes ampliados e olham o mundo de uma forma diferenciada, mais ampla. Desenvolvem uma maneira própria, com outros “parâmetros” para medir, avaliar e se relacionar com pessoas “diferentes”. Tornam-se mais argutas na arte de “observar” e analisar o comportamento dos outros. Por isso têm mais facilidade de abordagem e aproximação, vez que identificam melhor o perfil cultural das pessoas ao seu redor. Em outras palavras “o viajante por estar quase sempre só, está mais aberto para se encontrar com outras pessoas, mesmo que por pouco tempo”, segundo a poetisa e cronista Cecília Meireles.

O viajante a serviço, e era esse o nosso caso por mais de quarenta anos e milhares de viagens, se diferencia do turista que é apressado e tem sempre um guia a lhe explicar tudo e a resolver qualquer problema de deslocamento, acomodação e alimentação. Por isso mesmo, o turista comum não se interessa em relacionar-se com as pessoas do local. Ao contrário disso, o viajante a serviço, até por necessidade de ofício, acaba estabelecendo uma relação sentimental com o local visitado e consegue assimilar mais a convivência e o aprendizado que essas novas experiências lhe proporcionam, inclusive o domínio do idioma local. Advém daí um maior autoconhecimento e melhor inserção no meio social. A arte de viajar, segundo Meireles, é antes de tudo uma arte de amar, de admirar, uma emoção constante, nem sempre alegre, porém intensa.

Nos Estados Unidos passamos boa parte do tempo no escritório, em Michigan, de onde coordenávamos as atividades de treinamento de professores brasileiros matriculados em cursos de doutorado, em mais de trinta universidades norte-americanas. Viajamos bastante naquele país. Cerca de duas dezenas de universidades foram visitadas, de norte a sul e da costa Atlântica à costa do Pacífico. Horas e horas de voos, incluindo dois acidentes aéreos com pousos forçados em Las Vegas e Washington/Dulles Airport, felizmente sem vítimas. Mas, fiel ao espírito de viajante a serviço, observávamos com atenção o comportamento e os costumes das pessoas, tanto no trabalho como em família. Assim, além assimilar rapidamente o idioma inglês e suas particularidades regionais (alguns até nos perguntavam se éramos do Texas, por falar com sotaque anasalado e puxando o “r”...), pudemos conviver mais de perto com as pessoas e deles assimilar novas experiências e costumes.

Uma boa experiência, assimilada a partir dos costumes norte-americanos, foi em relação às recepções sociais em casa, na residência. São extremamente práticos e objetivos, dentro da ideia de cooperação mútua. Os casais dão festas, em casa, com hora marcada, de 20 as 22 horas ou, quando muito, até as onze da noite. Ninguém chega muito cedo, no máximo dez minutos antes e tampouco se atrasa. No máximo chega cinco ou dez minutos depois do horário aprazado. Nunca, mas nunca mesmo, saem depois da hora marcada para o término do encontro. Cumprem rigorosamente os horários e quem não o faz é considerado impolite, indelicado, mal educado. Durante a festa e especialmente na última meia hora, alguns dos convidados vão ajuntando os talheres e as louças na maquina de lavar, quando não são descartáveis. Não deixam acumular louças usadas ou lixos (estes são triturados, reduzidos e descartados em seguida). Os anfitriões se revezam nas tarefas de receber convidados e servir as bebidas e comidas. Nessa fase, quase sempre, são ajudados por alguns casais mais íntimos da família. Cerca de 10 minutos antes da hora aprazada para o encerramento da festa o anfitrião e a esposa se dirigem à porta da sala, abrem-na e esperam um por um dos convidados, despedindo-os ali, na porta.

Nesses mesmos últimos minutos, um ou dois casais, dentre os convidados, correm para cozinha e dão o arremate final na arrumação. Não fica nada fora do lugar em todos os ambientes usados na festa. Eu achava aquilo incrível e a cozinha sempre conjugada com a copa e a sala de visitas. De modo que, tanto fazia você estar em qualquer dos três ambientes, a visão e a interação entre as pessoas eram sempre facilitadas, com os anfitriões circulando e servindo, auxiliados pelos casais mais amigos. Ficávamos ali a imaginar por que, no Brasil daqueles anos 70/80, uma festa em casa significava ter que ficar fazendo sala para alguns até às duas horas da madrugada, ou mais, e na cozinha uma montanha de utensílios usados. Dia seguinte, o medo era a empregada pedir demissão, tamanho o volume de pratos, talheres, copos, taças e tudo mais. Ainda bem que acabou esse péssimo costume (e as empregadas estão também mais escassas - diaristas) e hoje, o chique é mesmo integrar os ambientes da sala/copa/cozinha e levar os convidados para a cozinha enquanto você prepara algo ou põe as louças e talheres em ordem e conversa com os convidados. Assim, no estilo americano, você pode dar festas em meio de semana, dia seguinte acordar prontinho para o trabalho, em casa ou fora e sem tropeçar na bagunça. Tratamos, logo, de trazer e incorporar esse bom costume.

Outra característica interessante que ali vivenciamos foi a realização de uma grande recepção social, acontecida nos salões de festas do hotel da Fundação Kelloggs, no campus da Michigan State University, onde sempre nos hospedávamos. Foi uma recepção para nossa apresentação aos professores e staff daquela universidade, nossa parceira. Havia mais de 80 convidados e todos portando crachá, com o respectivo nome em letras bem grandes. O homenageado era distinguido com uma flor na lapela ou no braço, em forma de pulseira, quando se tratava de mulher. O protocolo exigia que nos dirigíssemos a cada um dos convidados, individualmente, durante o demorado coquetel com entradas e bebidas e, após o jantar, fazer um breve speech, durante os desserts.  E hoje, quarenta anos depois, ao abrir o baú de tralhas e bugigangas guardadas em caixas e gavetas, pudemos recordar aquela quase uma centena de nomes que ali conhecemos e trabalhamos diretamente com alguns deles. Muito interessante o protocolo, pois facilita o entrosamento com os assuntos de negócios. Entretanto, nunca vimos algo semelhante no Brasil ou em outro país. Pode parecer estranho, mas ficamos convencidos de que os norte-americanos são bastante práticos na arte de receber, seja em casa ou em ambientes de festas. Ah, sobre tralhas, souvenires e bugigangas guardadas, não me chamem de “acumulador”. Apenas os guardamos, premeditadamente, para um dia contar aos netos sobre os costumes em outros países. Justamente agora, que eles se preparam para os exames de proficiência na língua inglesa, com vistas a estágios no exterior, é hora de se interessarem pela vida lá fora, longe do conforto de casa e aconchego da família. Em contrapartida, terão os horizontes alargados e passarão a olhar o mundo de forma diferenciada, mais ampla e se sentirão incentivados a cultivar relações com outros povos, outras culturas e se tornarão mais sociáveis em qualquer lugar. Essas foram as grandes lições que aprendemos em quase duas dezenas de países por onde trabalhamos ou desempenhamos missões de governo na área da educação superior. Educação? Sim, vamos educar os jovens de hoje e viagens internacionais são ótimas oportunidades de aprendizado, a começar pelo idioma.

 

Brasília, 20 de março de 2018

Paulo das Lavras 


 
 Nada melhor que um bife ancho, passado na hora, pelo próprio anfitrião, um aperitivo de vinho do Porto e uma boa conversa com os convidados na cozinha, que passou a integrar o ambiente de recepção/acolhimento dos amigos. O estilo americano, felizmente pegou por aqui. 
Foto do autor - 2018 



 Os norte-americanos gostam de oferecer festas com drinks ou jantares em honra a um convidado especial. Mas, são também bastante formais quando se trata de cumprir protocolos. Na foto, numa recepção formal aos dirigentes e professores da Michigan State University para nossa apresentação, juntamente com duas assistentes brasileiras. Os homenageados são distinguidos com uma flor na lapela ou no braço. 
Foto: J. Hunter/MSU- maio de 1978.





 Mesmo numa recepção para 80 convidados, o homenageado, único a portar uma flor na lapela para distingui-lo entre os demais, é obrigado a se dirigir e conversar com cada um dos convidados, individualmente. Para facilitar, eles os identificam com crachás. Foram mais de duas horas, de roda em roda, apresentando-me, falando um pouco sobre o nosso país e ao mesmo tempo conhecendo-os, de acordo com o costume e protocolo social. Lógico que todos eles tinham algum vínculo com o nosso trabalho ali nos E.U.A. 
 Ao final, a secretária de nosso escritório naquela universidade, fez a gentileza de oferecer-nos os crachás usados na festa. E hoje, quarenta anos depois ainda estão guardados no baú e despertam reminiscências dos tempos de executivo no exterior.


 Latin American Studies Center- MSU , onde se situava nosso escritório. Com Charles Laughlin, nosso assistente no Acordo AID  512- L 090, MSU/MEC Project. 
Foto – J Hunter- 1978


 


 





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