sábado, 29 de fevereiro de 2020

No topo da carreira


Certa vez um amigo perguntou-me: “Chegar ao MEC e ali ocupar os mais altos cargos técnicos foi uma aspiração?”. Quando estudava agronomia, o máximo que eu aspirava era ser um técnico capaz de pegar uma propriedade rural de baixo rendimento e transformá-la em uma fazenda de alta produção, com elevados índices de produtividade, tal qual eu via e aprendia com os ensinamentos de meus mestres. Deus me deu muito mais do que imaginei. Tenho espirito de servidor publico no sentido mais puro e genuíno. Digo isso com orgulho de querer servir ao meu país, à população e à família. Convivi e aprendi a ver, notar, sentir e admirar a simplicidade, a honestidade do homem do campo, seus princípios de retidão, de respeito à natureza, solidariedade para com os vizinhos, também pequenos produtores rurais e, sobretudo, aquele espírito de fazer (o nome “fazenda” tem essa origem), produzir e olhar para o amanhã, ver os paióis cheios das colheitas no campo cultivado e ter a certeza de que o futuro dos filhos estava garantido. O maior prazer do homem do campo era receber a todos para um almoço ou festa (e como havia festas na zona rural, eram quase que semanais, sempre em diferentes casas) e ver a mesa farta, com os produtos colhidos com seu esforço. Orgulho genuíno de quem produz, contribui e compartilha, verdadeiro e puro espírito publico.

A carreira da agronomia foi primordial para o desenvolvimento do espírito de servidor publico. Não bastasse a vivência da infância e juventude no meio rural, dos anos de 1950/60, onde predominava o espírito colaborativo e de solidariedade entre os moradores afastados dos centros urbanos, o menino pôde, na faculdade, desenvolver trabalhos sociais na periferia da cidade de Lavras. Ali visitamos algumas comunidades de baixa ou quase nenhuma renda, dentre elas a da antiga estrada para a Ponte do Funil, bem acima da Estação Ferroviária, hoje bairros Jardim Europa e COHAB e, no outro extremo da cidade, a então rua carroçável, localizada depois do túnel e atrás da Paróquia de São Sebastião, hoje denominada Rua Donato Bauth. Entrevistamos dezenas de famílias que, no passado, tinham sido expulsas do campo, por conta da legislação, como a Lei Áurea e Reforma Agrária de 1964. Viviam em extrema penúria em barracos de adobe com portas e janelas muito rústicas. Nesse trabalho, coordenado e supervisionado pelo saudoso mestre de Economia Rural, Guaracy Vieira, concluímos um tanto chocados pela dureza da vida daquelas famílias, em sua grande maioria desempregada e analfabeta, que precisaríamos trabalhar muito, desenvolver nossa agricultura, educação e outros empregos para tão sofrida parcela da população. Assim, nosso ideal de espirito público se fortaleceu. E hoje não é muito diferente a situação, pois ainda há muita desigualdade social em nosso país. Basta ver a carência dos transportes públicos, dos serviços de saúde, segurança pública e, sobretudo na oferta de Educação. Minha experiência foi dura, pois de 250 meninos matriculados no colégio, chegamos apenas 30 no 3º científico, que corresponde ao segundo grau completo (ensino médio). Não tinham condições de pagar a educação e precisavam trabalhar para ajudar no sustento da família, pois nos anos de 1950 e 60 não havia colégios públicos na cidade de 40.000 habitantes.

Mas, tudo isso serviu para embasar e reforçar nosso sentimento de servir ao público, buscar a melhoria das condições sociais de colegas, vizinhos, enfim nossa gente, nossa Pátria! Por isso sou grato ao berço e aos mestres que nos educaram no caminho do servir ao próximo. Fizeram com que enxergássemos que nosso trabalho só teria sentido se tivesse voltado para o legítimo interesse público, daquelas pessoas mais necessitadas. Então, meu único objetivo foi servir ao meu país, não importando onde e quando, mas sempre! E assim iniciei minha carreira profissional trabalhando, na capital mineira, numa empresa de planejamento agroflorestal e paisagismo. Um ano mais tarde aceitei convite do diretor da ESAL/UFLA, Alysson Paolinelli, para ingressar nos quadros de professores da Escola onde me formei. Não fiz planos para ser pró-reitor de Pós-graduação nem de representante da Escola no CREA, mas exerci aqueles cargos com dedicação. Assim, os horizontes se alargaram na medida em que conseguimos introduzir a Escola no restrito e seleto grupo de instituições que ofereciam cursos de pós-graduação, mestrado incialmente e doutorado mais tarde, pelas mãos de outros colegas que nos sucederam. A qualidade da oferta dos cursos de graduação e pós-graduação chegou ao topo dos rankings do MEC e por consequência, a Escola foi transformada em universidade, no ano de 1994. Deus me colocou ali, naquela Escola, e entendi que deveria pautar meu trabalho com o máximo empenho, oferecer educação de qualidade, voltada para o desenvolvimento da ciência em prol da melhoria das condições de vida das pessoas e do país. Na sequência surgiram novas oportunidades.

Não planejei trabalhar no Ministério da Educação. Não foi uma aspiração, respondi ao amigo questionador. De minhas inúmeras viagens ao MEC, no Rio e em Brasília, e ainda das constantes colaborações que prestei, elaborando estudos e visitas técnicas de assessoramento a diferentes universidades, a pedido do próprio MEC, adveio o convite para ali permanecer em tempo integral. O colegiado superior da Esal/Ufla aprovou a cessão ao Ministério e ali cheguei de mala e cuia, ou melhor, livros. Ali trabalhei por 34 anos seguidos, ininterruptos, sempre com a certeza de que estava fazendo o melhor e me sentia, sempre, realizado. Depois de tanto tempo, olho para trás e tenho a sensação de poder olhar para mim mesmo, para meus filhos e netos e ter a dignidade de compreender e dizer-lhes que fiz o máximo possível para termos um país melhor, naquilo que me competia como educador. Por isso digo que não aspirei chegar ao topo da carreira técnica no Ministério da Educação. Se tive o privilégio de ocupar os mais elevados cargos na hierarquia técnica, desde a minha chegada ali, isto se deveu unicamente aos resultados dos trabalhos com dedicação e sempre colocando o legítimo interesse público em primeiro lugar. A cada novo ministro que chegava (foram 18, em 34 anos) ou Secretário de Educação Superior (32 mudanças no mesmo período), órgão onde fui diretor ao longo do tempo, chamavam-me ao gabinete e diziam que, por recomendações de reitores, eu deveria permanecer nas funções que desempenhava. Assim, atravessei todos os governos, de diferentes correntes políticas, sempre planejando e executando importantes políticas para a educação superior em nosso país. Como corolário do legítimo interesse público também trabalhamos no projeto de criação das cotas universitárias para negros, como forma de mitigar a enorme dívida social de nosso país para com essa sofrida gente que, ao longo do tempo, foi discriminada e não teve acesso à universidade.

Ninguém precisa aspirar nada para se chegar ao topo de uma carreira profissional. Até mesmo quem veio da roça pode conquistar o mundo, literalmente, assentar-se em reuniões no Departamento de Estado norte-americano ou ministérios na Champs Élysées. Basta colocar os legítimos interesses públicos como prioridade de trabalho e, naturalmente, fazer diferença, dedicar-se e gostar do que faz. O sucesso não vem por acaso! Dizem que é preciso ter “sorte”. Eu tive..., trabalhei muito, me esforcei bastante e o reconhecimento foi certeiro. Isto sim foi a grande sorte: trabalho, dedicação e amor ao próximo. E não vai aqui nenhum espírito de vaidade, mas apenas o desejo, ou melhor, o velho hábito de professor de incentivar os jovens a alcançar o sucesso, fazendo diferença para que seu mundo seja conquistado. A eles sempre respondia que os pontos que eles pensavam serem os principais fatores para o sucesso, como ser inteligente, estudioso (curioso para aprender, disputar, competir para os primeiros lugares de desempenho na classe e receber atenção dos pais nos estudos) e autoconfiança, se constituíam apenas em pressupostos básicos. Esses fatores são admitidos como normais e imprescindíveis e já estão presentes em grande parte dos estudantes. Mas, porém, todavia, entretanto, contudo, não obstante e ainda assim, é necessário que haja o fator diferencial que o colocará no topo da lista: “Fazer Diferença”, dedicar-se, gostar, amar o que se faz, a profissão.  Hoje nossos calos não são mais nas mãos, como antigamente, mas sim contados pelo tempo que dispendemos para a educação, dedicação e amor a aquilo que se faz na profissão e nas relações com a sociedade.

Não importa de onde você veio, se da roça ou da cidade, se foi bolsista, cotista ou frequentou a faculdade no seu carrão e modernos equipamentos eletrônicos. No mundo corporativo as habilidades pessoais acabam sendo o fiel da balança, pois os pré-requisitos são preenchidos pela grande maioria dos candidatos. Portanto, se quiser atingir o topo da carreira, qualquer que seja ela, é preciso fazer diferença. Quem busca o resultado e não a excelência corre o risco de ficar sem nada, disse o filósofo Aristóteles ao discorrer sobre o sucesso, que é fazer bem feito. Sucesso é, portanto, sinônimo de excelência. Faça diferença.

Sucesso!


Brasília, 29 de fevereiro de 2020

Paulo das Lavras  


Fazer diferença desde os tempos de estudante...
Foto: arquivos de Renato Libeck


Esplanada dos Ministérios - Vir trabalhar no Ministério da Educação nunca foi
 aspiração do menino. Foi consequência do trabalho com dedicação e amor.
 Fazer diferença é fundamental para o sucesso, a excelência do resultado.
Foto do autor


No MEC, com um dos 16 ministros com os quais trabalhou
Foto do autor 




Nenhum comentário:

Postar um comentário