quarta-feira, 7 de maio de 2014

O Facebook e a longevidade



Um amigo, engenheiro e professor aposentado, lá das bandas gaúchas, disse que embora tenha 75 anos de idade não se considera velho. Considera-se apenas idoso. Velho era quando não havia o facebook, ou seja, de cinco a dez anos atrás quando Mark Zuckerberg o inventou. Vivia isolado, longe dos amigos de infância e dos amores da juventude. Mas, como pode a mesma pessoa se considerar velha aos 65 anos e agora com 75, não? Simples, pois antes dessa fabulosa ferramenta de fazer ou reencontrar amigos não havia muita opção. E agora, depois de tanto tempo ele havia reencontrado a bela amada pela qual um dia se apaixonara. Olhei bem para o amigo e não me contive. Soltei uma sonora gargalhada, não pelo “jovem de 75 anos”, mas porque, de imediato me veio à mente a fantástica história de amor produzida pelo grande escritor, que recentemente nos deixou, Gabriel Garcia Marques, o Gabo. Esse famoso escritor produziu a mais bela história de romance do século XX, “O amor nos tempos do cólera”. Obra prima que o próprio autor classificou como a melhor de todas, até mesmo que “Cem anos de solidão”, não menos famosa.

A história do engenheiro professor e sua amada tem bastante semelhança com o enredo do livro de Gabo. Ambientada em Cartagena das Índias,  bela cidade histórica do caribe colombiano, de quase 500 anos de existência e a qual conheci em novembro de 1987, quando estava em Santa Marta, não muito distante, ali mesmo no Caribe, apresentando um trabalho patrocinado pela UNESCO, na Reunion Latino-Americana de Educación Agricola Superior/Universidad Tecnologica de Magdalena. Foi nessa histórica viagem a Cartagena que tomei conhecimento de Gabriel Garcia Marques e por isso decidi conhecer essa sua magistral produção ambientada naquela cidade fortificada do caribe. Dali retornamos a Barranquilla e de lá embarcamos num B-727 da Avianca, de matrícula norte-americana, N153FN, com destino a Bogotá e dali num 767 da Varig (PP-VNR) para o Rio de Janeiro e escala em Manaus. Tempo de voo bastante para se deleitar com a leitura do belo romance.

 Gabo se baseou na verdadeira história de amor de seus pais que tiveram a oposição do pai da moça. Este enviou a moça para uma viagem ao interior para impedir o casamento. O jovem, que era telegrafista, não se deu por logrado e com a ajuda de amigos criou em cada local para onde ela se deslocava, um posto de telegrafia, de modo que mantinha o seu amor por meio da comunicação telegráfica. A partir dessa história real, Gabo desenvolveu todo o enredo de amor do fictício telegrafista Florentino Ariza e Fermina Daza, protagonistas de “O amor nos tempos do cólera”. Daza também foi enviada para o interior e quando voltou, seu pai a obrigou a se casar com o brilhante médico recém chegado da Europa, Juvenal Urbino. Florentino cultivou e esperou pela sua amada , desposada por outro, de 1880 a 1930, cinquenta anos! Não se casou e limitou-se a casos esporádicos sempre na esperança de que Daza um dia voltasse. E reapareceu, viúva, num passeio de barco a vapor e no qual, incidentalmente, se instalara a peste do cólera. Impedido de se aproximar de qualquer porto e de desembarcar qualquer passageiro, não restou ao comandante outra alternativa senão navegar por mais de 15 dias rio acima, rio abaixo. Foi o bastante para reacender o amor hibernado por mais de 50 anos. Muito bonita a história, vale a pena ler o livro, cujo lançamento se deu em 1985, pois  não vou contar aqui o desfecho para não estragar a surpresa.

 Mas, o nosso engenheiro, professor, cujo filho, gerente de um grande banco na capital federal, relatou suas proezas e inspirou essa crônica, nem precisou dominar a extinta arte da telegrafia e contar com a ajuda de amigos para instalar postos telegráficos pelo interior para acompanhar a sua amada que um dia também lhe escapara. Quanto tempo esperou? Trinta ou quarenta anos, um pouco menos que Florentino Ariza do conto de Gabo. Ao contrario do outro, casou-se, teve filhos e agora tempos depois, para sua grata surpresa, eis que a jovem de áureos tempos lhe encontra na rede social Facebook.  Mensagens para cá e para lá, fotos, reminiscências de tudo que passaram e... naturalmente, reacendeu o amor de tanto tempo atrás. Mas, a prole parece que não aprovou o novo amor do engenheiro. Aos olhos deles não fazia sentido algum, pois, afinal 75 anos de idade não são 15 ou 25. O coração suportaria? Que implicações haveria? Largaria tudo e se mudaria para a cidadezinha da velha paixão? Ou..., ou... , e por aí cresciam as dúvidas e apreensões de todos que lhe cercavam. Mas ninguém dos circunstantes lembrou-se de perguntar o que lhe passava pela alma.

Aqui se repete o realismo da história contada em livro. A espera, o envelhecimento e o ressurgimento do amor de personagens que se relacionaram no tempo. Vidas que um dia se encontraram e se admiravam mutuamente num amor platônico que as regras sociais da época logo trataram de impedir a união daqueles corações voluptuosos. E agora ali estão, com um horizonte de vida mais curto, mas cheios de entusiasmo, corações ao alto, revigorados, batendo forte por conta do elixir do amor e ele se sentindo dez, vinte anos mais jovem, ou quem sabe, encarnando aquele jovenzinho que um dia também se apaixonara por ela. A interação psicobiológica é plena e a adrenalina e endorfinas se encarregam de rejuvenescê-lo a ponto de se sentir um garoto. Seu coração foi invadido de boas lembranças, pois as más recordações nunca são gravadas por ele que só enaltece e com elevada intensidade, as boas recordações. E agora, na maturidade, o amor parece mais genuíno, real e mais doce para ser apreciado, pasmem, com maior volúpia e prazer pois é puro, provém da alma que soube cultivá-lo ao longo do tempo. Assim, não há mesmo que se preocupar com a fatalidade do fim dos dias, pois o amor nunca morre, persiste, resiste a tudo e a todas as dificuldades da vida. A morte é uma traição que ninguém espera. Ao contrário, o amor verdadeiro é eterno e não conhece fronteiras e tempo e por isso foi carregado até a maturidade. E esta, diante do amor, não existe. Apenas o tempo, o cronos, passou. Por isso o engenheiro professor se disse apenas “idoso”, mais jovem do que dez anos antes de reencontrar-se com o amor cultivado por um, vinte, 40 ou 50 anos, ainda que em hibernação no fundo do coração.

Amor não tem idade. Garcia Marques descreveu isso magistralmente em duas histórias, a real de seus pais, em meados do século XIX e a fictícia de Florentino e Fermina, de 1880 a 1930. Hoje encontrei outra bem real, vivida de 1980 a 2014. Cento e cinquenta anos separam a primeira da ultima. Pena que o amor maduro, verdadeiro, puro, sem intenções secundárias ou implicações outras só chegue bem tarde. Mas antes tarde do que nunca, embora aos olhos de muitos pareça um amor que não tem razão de ser. Mas é um amor que não se baseia na juventude, na beleza, na idade ou vigor físico. É um amor persistente, louco, vivido intensamente por alguém que dele cuidou. Merecido e ainda que seja na chamada terceira idade parece bem jovial.

Viva o amor, sempre! Seja ele iniciado ou reatado presencialmente ou via telegrama, telex, rádio-amador, celular, orkut, whatsapp, twiter ou ainda facebook, a ferramenta que, com suas facilidades, promete longevidade maior para aqueles que se dispõem a se relacionar com amigos e pessoas de sua estima. Que o diga o engenheiro professor, cujo filho bancário tem o maior prazer de lhe ensinar as técnicas de melhores buscas e utilização daquela ferramenta.

O amor é eterno, dizem os poetas.

Brasília, 03 de maio de 2014

Paulo das Lavras




       O mais famoso livro




Chegando à Cartagena, cidade de muitas igrejas e conventos   




Vista aérea da cidade de 500 anos





A casa de Gabriel Garcia Marquez, o Gabo 





Mercado Las Bovedas. Antiga prisão. Semelhante ao Mercado 
de artesanato do Recife - Pe, também visitado na década de 1980.







Bogotá, com a montanha e seu teleférrico de bela vista



Veja também neste blog as crônicas sobre o uso do Facebook:

- O Facebook é anti-estressante? ... (publicada em 13/06/2013)
                                   - Mais inteligente do que você pensa: O uso das redes sociais ... (publicada em 21/012014)
 






2 comentários:

  1. Belíssimo texto :)
    É verdade, sua obra favorita era real era sobre amor e não a ficção de cem anos. Apesar de cem anos ser a minha favorita entre as obras traduzidas que li dele.

    Gabo é meu doutrinador, lamentei muito a sua partida, escrevi um texto sobre ele em meu BLOG.
    Abs

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  2. Obrigado, Nega. O Gabo era mesmo bem assim, realista como você mesma o descreve em seu BLOG. Parabéns pelas crônicas ali postadas. Também gosto muito dos romances dele, sobretudo "O amor nos tempos do cólera". E olha que coincidência, tenho encontrado amigos que depois de 30, 40 anos têm reencontrado seus velhos amores e não raro a centelha reacende. Não tinha como não se lembrar do Gabo, de Cartagena das Indias, terra que visitei e me maravilhei com as belezas caribenhas e logo em seguida com a leitura daquele livro, revivendo os locais... ah, inesquecível mesmo.

    A propósito do realismo em produções literárias, transcrevo o que escrevi no meu perfil de blogueiro:
    As crônicas, contos e causos aqui postados são diferentes, pois carregam o viés de engenheiro e professor detalhista que anexa fotos, indica nomes dos protagonistas, locais e outros detalhes que ajudem o leitor "a entrar no contexto" da história. Nunca inventa, apenas aumenta um pouquinho os fatos para apimentar os causos

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