quinta-feira, 1 de maio de 2014

Passeando entre Montanhas


              Acordar com as montanhas à vista e saborear o café da manhã com gostoso ovo mexido com um pouquinho da famosa farinha de milho Elefante, preparado especialmente pelo pai, era um prazer que o menino desfrutava todos os dias das férias passadas na fazenda. Melhor ainda era apreciar os belos cenários das montanhas que se descortinavam pela janela da imensa copa/cozinha da casa da fazenda. Não bastasse isso, havia, ainda, na casa da cidade, outra vista mais atraente, deslumbrante. Incomparável mesmo era contemplar o exuberante maciço azulado da Serra da Bocaina, que emoldura toda a parte sul da cidade de Lavras. A sacada da grande casa da chácara, situada onde hoje se localiza a vila Cruzeiro do Sul, era o lugar preferido para o menino sonhar de olhos abertos ou simplesmente contemplar os voos planados das aves de rapina que ali se aninhavam. Viria dali o sonho de Ícaro que o menino acalenta até hoje? As límpidas manhãs, de céu azul com o sol reluzindo a bela e imponente cordilheira, era um convite à reflexão sobre as maravilhas da natureza. Os segredos dos cumes dessas magníficas montanhas ou simplesmente serras, como dizíamos na infância, povoavam a mente do menino. Como seria chegar até seu topo? O que haveria lá no alto? E do outro lado? Enxergar-se-ia muito longe, rios, matas, bichos? Um mistério! Mistério que nunca deixou o menino em paz, pois ainda hoje, diante de qualquer montanha seu pensamento voa. “Vá, pensamento, vá! Voa em asas douradas, pousa sobre as encostas e colinas onde os ares são tépidos e macios com a doce fragrância do solo natal... Reacende em nosso peito a memória, fale-nos do tempo que passou...”. Contemplar e passear por entre as montanhas de Minas é como ressuscitar a nostalgia decantada e cantada nessa maravilhosa ópera,  Nabuco – Va Pensiero, escrita pelo gênio Giuseppe Verdi. Ali está retratada toda a nostalgia, a dor da alma dos escravos hebreus no cativeiro da Babilônia do tirano rei Nabucodonosor. E assim como os hebreus choravam o fim do exílio e sonhavam com a volta às encostas e colinas perfumadas da terra de Sion, o menino que hoje vive nas planuras do planalto central, ao rever as montanhas alterosas se põe compungido, em profundo silêncio da alma, a relembrar sua terra querida, tal qual nos versos da ópera.

            E hoje, em pleno abril de 2014, bem distante da infância querida ou mesmo das primeiras obras de reflorestamento e paisagismo executadas nas fraldas das serras do Curral em BH, do Caraça e do Pico do Itacolomi na região de Ouro Preto e Mariana, o menino ainda se surpreende em viagem nostálgica por entre serras, rios e montanhas mineiras. Mais que surpresa, pois as linhas sinuosas do horizonte lhe eram muito familiares e queridas, pois sabia medi-las com os olhos, mais que as planuras do planalto central, a despeito de nele ter passado a maior parte de sua vida. Agora, partindo de Lavras, rumo a São João Del Rei e desta para Belo Horizonte, não sem antes visitar a Vila de São José Del Rey, terra de Tiradentes e que hoje leva seu nome, o percurso não poderia ser mais inspirador. Deslizando a bordo de um carro, pela rodovia BR 265, o menino vai contemplando, ao longe, a Serra da Bocaina. Serpenteia o rio Capivari, depois o Rio Grande, já no município de Itutinga, cruza a Ferrovia do Aço por sobre um despenhadeiro de mais de 200 metros de altura e finalmente chega à cidade de 300 anos, fundada em 1704 como entreposto de escoamento da produção aurífera de Ouro Preto com destino ao porto de Paraty-RJ. Antes mesmo de se chegar à São João Del Rei, uma grande cordilheira, verdadeiro paredão de rocha é avistada no lado norte da cidade. Foi por causa desse paredão rochoso de considerável elevação que o menino, em companhia do Ministro da Educação, Hugo Napoleão e do ex-Ministro da Agricultura,  Alysson Paolinelli, deu grito de alerta a bordo do jatinho HS-125, da FAB (matrícula VU- 93 2117), que se destinava à Lavras: Ei! Aqui não é Lavras, nem Santo Antônio do Amparo. É São João Del Rei. O ministro, olhou, confirmou, levantou-se, alertou ao comandante do jatinho sobre o erro e este, imediatamente recolheu o trem de pouso, abortou a aterrisagem e arremeteu a aeronave acelerando-a com toda potência das turbinas Rolls-Royce. E agora? Perguntou o piloto, que não tinha nenhum outro plano de voo. O menino não se fez de rogado, navegador contumaz como passageiro em voos comerciais nas rotas Brasília/Rio e outras que sobrevoam a região, sugeriu: 180º à direita (para se livrar do paredão rochoso), proa na BR 265/ represa de Itutinga/ Rio Grande/ Bom Sucesso e Santo Antônio do Amparo, aeroporto de destino, pois Lavras não tinha ainda aeroporto asfaltado que pudesse receber aeronaves a jato. Chamado à cabine, de pé e em voo de baixa velocidade a 1500 pés de altura, o menino, orgulhosamente “orientava” o piloto naquele voo de navegação visual. Logo se avistou a grande represa Camargos/Itutinga e depois, facilmente, Lavras e Santo Antônio do Amparo mais à direita, a terra do Governador Hélio Garcia, que ali construíra uma boa pista de pouso e onde muitos lavrenses já esperavam pelo ministro.

E agora estava ali, novamente, deslizando pela 265 que lhe servira de rota para aquele inusitado acontecimento de maio de 1988, a bordo de um jatinho que, por ser militar, supostamente deveria ter um bom plano de voo. Visto do chão a muralha rochosa de São João Del Rei parecia ser bem mais alta, uma fortificação natural que protege a histórica cidade do solar dos Neves e se estende até a vizinha Tiradentes. Do hotel podia-se avistá-la e após os compromissos um passeio a pé pelo centro histórico revisitando museus, igrejas e o indefectível Solar dos Neves, palacete em clássico estilo colonial, onde morou o ex-presidente Tancredo Neves. Os morros e encostas da cidade de Tiradentes que abrigam museus, igrejas, lojas de antiguidades e muitos restaurantes não deixam de exercer, também, grande fascínio nos visitantes. Rumando para BH, a caminho do aeroporto de Confins, serpenteamos por entre montanhas e rios, passando por locais não menos históricos como Congonhas e os acessos para a cidade de Ouro Preto. A Lagoa dos Ingleses à margem da BR- 040, outrora bucólico recanto, hoje totalmente ocupada por condomínios residenciais, bem próximos às inúmeras minerações que mostram as veias de ferro-manganês, de cor azulada, bauxita amarelada e enormes tratores e caminhões fora-de-estrada a transportarem o minério para as usinas siderúrgicas. Minas tem um coração de ouro que pulsa em peito de ferro, disse o poeta. E é verdade, nunca se viu tantas veios abertos e concentrados como naquele quadrilátero ferrífero.

Mais adiante, à esquerda, a Serra do Rola Moça quase chegando à capital mineira. Belo cenário esculpido em montanhas de ferro, ouro, bauxita, manganês e tantos outro minerais que a natureza ali depositou. Indescritível beleza aquelas montanhas interligadas pelo viaduto da Mutuca, cercado por densas matas nativas quase adentrando a cidade de BH e do mesmo jeito que o menino-engenheiro via a caminho de seus reflorestamentos no Caraça e Ouro Preto. No rádio do carro tocavam músicas na universal Antena 1. O atencioso motorista, Agelê, esse era seu apelido, havia permitido que o menino escolhesse a radio de preferencia. E enquanto o pensamento voava em doce enlevo, contemplando os relevos das montanhas que se descortinavam naquela manhã, tocou uma música que fala da estrada desconhecida e a segurança do lugar onde se vive (Home, de Philip Phillips). E assim pôde compreender toda a magia daquele momento especial. Dizem que ninguém se cansa de namorar o mar, mas o que dizer do arrebatamento que as montanhas nos proporcionam? Levam-nos para o alto, enlevam a alma que, naquele vazio próprio do êxtase, nos remete ao amor, à alegria de viver e sonhar, literalmente! O motorista, atento ao tráfego, nem percebeu a lágrima que corria. Momento ímpar, verdadeiramente uma ocasião especial, passear entre montanhas. As montanhas de Minas são obras sublimes do Criador, nos fascinam e inspiram a cada momento. Momentos especiais!

Brasília, 16 de abril de 2014.

Paulo das Lavras


Pintura da casa da fazenda- café da manhã apreciando as montanhas


 Giuseppe Verdi, o primeiro a chorar a falta das montanhas de Sion, em sua ópera
"Nabuco", com a canção "Va Pensiero" que retrata a dor do cativeiro
dos hebreus na Babilônia do rei Nabucodonosor



 
A majestosa Serra da Bocaina, que emoldura a cidade de Lavras e sempre
contemplada desde a infância com os sonhos de Ícaro.
Foto de Catarina Júlia




                           O menino engenheiro que reflorestava os cumes das montanhas do Caraça, Mariana e 
                      Ouro Preto com sua serra do Pico do Itacolomi ao fundo da foto. Frio intenso de julho de 1968




A "muralha" de rocha maciça que protege São João Del Rei e Tiradentes 


Um jatinho perdido entre as montanhas de Lavras e S.J.Del Rei,
HS 125 FAB - VU-93  2117.
           Pouso abortado em São João del Rei, em 07/05/1988.


 
O imponente Solar dos Neves


Viaduto da Mutuca, próximo a BH e em meio a montanhas e florestas nativas do Parque da Serra do Rola Moça. Antes, simples ponte
    estreita, de mão dupla, por onde o menino passava a caminho do Caraça e Ouro Preto


  Serra do Curral, em Belo Horizonte. Impressionante as semelhanças
 dos maciços que emolduram Lavras, S. J. Del Rei e Belo Horizonte.
 As montanhas são a marca registrada das Minas Gerais.













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