sexta-feira, 26 de julho de 2013

Valeu a visita do Papa?


Nada mais me chateia tanto quanto ver diariamente nos noticiários somente o foco economicista/financista. Os $$ antecedem a tudo. Predominam. Em tudo cobra-se o custo e especula-se o lucro vindouro. Qualquer evento social, de interesse publico, nunca é visto como algo que possa contribuir para o bem estar do cidadão, pois o poder econômico pauta os veículos de comunicação. Assim, a presença do Papa Francisco é traduzida pela mídia, quase sempre, pelo lucro que o comércio terá, os bares restaurantes, lojas, taxis, agencias de viagem e hotéis. O foco se reduz a quanto custou? Qual será o lucro? Choveu..., deu prejuízo? Lamentável essa visão tacanha, gananciosa, desprovida de qualquer senso ético e  respeito às pessoas.

Vejo a vista do Papa Francisco com outra ótica, focada no progresso social e bem estar do cidadão. Quando aqui chegou, na segunda feira 22 de julho, foi logo esbanjando simpatia, alegria e humildade. Dispensou luxos e carro blindado, passou em meio a engarrafamento e multidão quase rasgando suas vestes apenas para tocá-lo nas mãos. Seus discursos, em português, enfatizavam a sua missão: foco nos humildes, desvalidos, jovens e idosos, incentivando os jovens a irem à luta e não esmorecerem.

Mesmo para um agnóstico, educado nos cânones da igreja romana e depois diante de tantas contradições dogmáticas se viu na contingência de abandoná-la, a visita papal soa como uma esperança. Suas posições firmes tendem para o lado da teologia da libertação, do eminente teólogo Leonardo Boff. Este, por sinal, foi espezinhado pelo cardeal Ratzinger, que veio a se tornar o Papa Bento XVI. Boff teve que abandonar a batina diante de iminente condenação pela Congregação para a Doutrina da Fé, do Vaticano. Esse lamentável episódio, de censura ao direito de se manifestar, aconteceu poucos meses antes de assistir sua palestra e com ele debater durante o autógrafo de uma de suas obras, no Rio de Janeiro, num encontro nacional de engenheiros.

Que os desejos do Papa se tornem realidade e que a gerontocracia teológica, acomodada nos palácios de ouro e prata, insensível às agruras de seu rebanho, pense mais neles, os jovens, os idosos e os desvalidos. Que saiam às ruas e sigam o exemplo daquele líder religioso, sobejamente demonstrado nesses quatro dias de convívio com os brasileiros. É preciso mudar e as mudanças devem começar pela cúpula da igreja conforme ele próprio deu a entender. Mas, seu recado se encaixa perfeitamente nas ações governamentais. Embora políticos gostem de declarar “tudo pelo social, tudo pelo povo”, suas práticas quase sempre se voltam apenas para seus próprios benefícios, quando não se desvirtuam pelo caminho da corrupção. Não foi à toa que os jovens ganharam as ruas em manifestação de mais de 1,5 milhão de pessoas no último 20 de junho e da qual participei. Aliás, os políticos são um caso a parte. Como acreditar em suas palavras pregando a ética e aplicação correta do dinheiro público em benefício dos pobres se, farisaicamente não abrem mão da opulência, mordomias em jatinhos da FAB para si e amigos (nunca andam de ônibus ou enfrentam engarrafamentos), nepotismos, salários e adicionais milionários que ultrapassam os 100 mil reais/mês? Difícil, até mesmo para o Papa acreditar no que ouviu e depois viu em contraste nas ruas e favelas. Não bastasse isso é só lembrar que a “política” (política???) de governo para o idoso taxou em 11%  o salário dos aposentados a titulo de cobertura de rombo da Previdência Social, enquanto os mega-sonegadores são perdoados. Coitado dos idosos que vivem a reclamar da carestia dos remédios que consomem a maior parte de seu orçamento.

 Mas, a mensagem social do papa foi clara: jovens não desanimem mesmo diante da corrupção. E esse recado papal tem duplo sentido, pois serve tanto para governantes como principalmente para o clero e a cúpula episcopal. Basta ver que, segundo recente pesquisa, aqui no Brasil, o número de seguidores da Igreja Católica Apostólica Romana tem caído bastante nos últimos anos. Por isso a necessidade de se reavivar o catolicismo e a maneira que deveria ser feito esse reavivamento, está no seu exemplo... ir às ruas, ao encontro do povo. Foi por isso que os jovens se afastaram, pois o discurso dos padres tem sido totalmente dissociado da realidade e como já disse, é dominado pela gerontocracia teológica, homens idosos que não acompanham a realidade vivida nas ruas e que preferem o conforto dourado dos palácios, à semelhança de nossos políticos farisaicos. Daqui a pouco o Brasil ficaria como a Europa onde só as crianças e os idosos frequentam a igreja.

Assim como as manifestações de rua acordaram, ainda que timidamente, os nossos políticos, é de se esperar que esse exemplo, verdadeiro show de humildade, coragem, simpatia e amor no coração do Papa Francisco contribua para a melhoria e o progresso social em nosso país. Por outro lado, no que se refere ao pensamento dominante da economia versus o social, somos descrentes quanto à boa vontade do mercado financeiro que só visa o lucro imediato. Mas, poderíamos atacar por outro lado buscando sensibilizar a mídia e, sobretudo as escolas de comunicação que, afinal, formam os profissionais da imprensa. Eles têm coparticipação solidária no que se refere à ética e responsabilidade social.

Valeu... e muito a visita do Papa Francisco. Sua estada entre nós foi e tem sido motivo de alegria por grande parte da população brasileira, notadamente pelos mais de 100 milhões de seguidores de sua igreja. Também a política e a religião certamente saberão aproveitar seus ensinamentos aqui mostrados e praticados. Não bastassem esses ensinamentos, seu carisma, simpatia, amor e afeto distribuídos fartamente já teriam sido suficientes.

Brasília, 26 de julho de 2013

Paulo das Lavras.
 
Papa Francisco desembarcando no Rio de Janeiro, em 22/07/2013      
 

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