sexta-feira, 26 de julho de 2013

Troco aos Cariocas


Há pouco tempo o Menino das Lavras aprontou uma boa peça com um grupo de cariocas que partia para uma temporada de pesca no Araguaia. Somente agora, decorrido algum tempo, houve inspiração suficiente para narrar esse verídico e engraçado caso. Uma mensagem eletrônica narrando certo “fato” que não pareceu verdadeiro, tendendo para o gênero de piada com senso de racismo foi o mote para esta crônica. Para quem trabalhava por mais de 30 anos com a educação em nível nacional foi fácil identificar a origem de tal disparate, veja:

“Para os amigos professores e aqueles que, romanticamente, ainda se  preocupam com os jovens  que constituirão a sociedade no futuro vejam o real  retrato da EDUCAÇÃO / ENSINO  neste nosso país!!!!!

Prova de Geografia - Colégio Objetivo - SP, terceiro ano:                                                                                            
Questão: Faça uma análise sobre a importância do Vale do Paraíba   
Resposta de um aluno:                                                                                                                        

'O Vale do Paraíba é de suma importância, pois, não podemos discriminar esses importantes cidadãos. Já que existem o Vale-Transporte e o Vale do Idoso, por que não existir também o Vale do Paraíba? Além disso, sabemos que os Paraíbas, de um modo geral, trabalham em obras ou portarias de edifícios e ganham pouco. Então, o dinheiro que entra no meio do mês (que é o Vale), é muito importante para ele equilibrar sua economia familiar.  '                                                                       

            É evidente que o caso acima, que circulou intensamente pelas redes sociais, não passa de uma piada de carioca. Somente eles chamam qualquer nordestino de "paraíba". Houve até um "imbróglio" em que um famoso jogador de futebol se meteu quando imputou a derrota de seu time à conta de suposto roubo na arbitragem. Disse o seguinte: "Você quer o que? O jogo foi no nordeste e o juiz, era um paraíba”. Na verdade o juiz era da Bahia, mas, para o carioca qualquer cidadão nascido de Minas para cima é "paraiba"... Houve grande repercussão na imprensa sobre essa declaração de cunho preconceituoso.

           
           Da mesma forma o paulista chama os nordestinos de baiano ou cearense, não importando qual seja o estado de origem. Os cariocas e paulistas fazem piadas com todos, pois para lá, os estados “maravilha”, se dirigem muitos migrantes do nordeste e das Minas Gerais. Dos cariocas não se pode dizer que isso seja um caso único. O Menino convive, por força de ofício, quase que diariamente com a alegre e festeira gente da cidade maravilhosa que têm predileção especial para gozar os mineiros... Frequentemente foi vítima deles. Mas, o troco foi fenomenal, embora tenha esperado bastante.

Um grupo de pescadores cariocas estava na sala de embarque do aeroporto do Galeão e o tempo de espera já ultrapassava a duas horas de atraso. Viajaríamos no mesmo vôo para Brasília e de lá, iriam de ônibus para o rio Araguaia. Por pouco eles teriam abortado a viagem de pescaria, pois o Menino se fez passar por fiscal do IBAMA ameaçando-lhes confiscar as tralhas de pescaria.

 Foi fácil intrometer-se no meio da turma. Estavam todos com camiseta alusiva à pescaria e esporte na área de aviação. Ora, apaixonado por aviões, o Menino logo entabulou conversa com um deles sobre ultraleves, planadores e voos de helicóptero. Ninguém se recusa a conversar com um distinto senhor, de terno e gravata, cabelos grisalhos, sério, muito sério, repassando confiança e credibilidade. Ninguém duvidaria mesmo que houvesse qualquer suposta má intenção por parte de um personagem assim. Campo perfeito para o ataque. Logo o motivo do grupo foi revelado, uma pescaria no Araguaia, com escala em Brasília. Dali seguiriam de ônibus recheado de acompanhantes.... Hummm essa história é velha e vai render! Daí surgiu, num estalo, o plano de vingança, entalado há séculos. O “novo amigo” gostou do brilhante plano, sem contudo imaginar que “seria vingança” e combinamos pregar uma peça em todos seus colegas. Ele apontou e indicou o nome do chefe do grupo e se afastou estrategicamente. O Menino chamou então o líder da turma e disse: “Fiscal do IBAMA”. Por favor, desculpe pela abordagem na sala de embarque, pois me atrasei no trânsito por causa de uma blitz na Linha Vermelha. Lamento, no entanto, comunicar-lhes que não poderão mais embarcar. Houve acidente ambiental na região do rio Araguaia e já determinei à companhia aérea a retirada das bagagens de pesca de todos vocês”. Foi um caso, um caos, perplexidade geral, uns lamentando a perda da passagem aérea comprada há um ano e financiada com sacrifício, bagagem já despachada...., outros já querendo ligar para Brasília e avisar ao agente para cancelar “as convidadas” que iriam "alegrar" a pescaria... . O Menino temeu pelas consequências, tal o rebu. Medo de ser linchado, naquele alvoroço e indignação de todos que, àquela altura se aglomeravam em torno dele. Mas, o menino.... sério, com verdadeira fleuma britânica e notebook à mão, insinuando ter a lista dos “sabidos” pescadores cariocas que já haviam contado muitas mentiras em casa e também para as futuras acompanhantes que os aguardavam em Brasília. Algumas delas, para despistar, segundo relato do informante, até já haviam embarcado em voo mais cedo.... Imaginem o tamanho da confusão e o desespero ante a idéia de se cancelar tudo. Caras de espanto, indignação, incredulidade.... tudo que se possa imaginar numa situação dessa natureza. Mais pareciam crianças sem o picolé que o pivete tomara. E tomem gargalhadas do colega traidor e comparsa, escondido por detrás de uma coluna. O Menino, no entanto, sem poder rir e gargalhar manteve-se firme e com todo sacrifício segurou a seriedade exigida para a situação de sisudo fiscal do IBAMA, porém, morrendo de medo que exigissem a credencial inexistente ou que algum segurança federal se aproximasse diante do tumulto que se iniciava.

Suportando os protestos até onde foi possível e depois de muita tensão e revolta dos pescadores o “amigo” foi chamado. Chegou às gargalhadas e juntos, já abraçados ao líder (sem chance de reagir) desmentimos a armação... Foi um alívio geral, descontração e alegria pelo fato da “pescaria” estar a salvo. Foi como comprar outro picolé e devolver ao garoto frustrado. Celulares foram guardados e ligações para Brasília encerradas com a notícia de que a viagem prosseguiria. Em meio àquela alegria e alívio, por não terem que abortar os arranjos previamente combinados, o Menino ainda teve a coragem para dizer: "Olhem, vocês são cariocas e eu sou um mineirin... daqueles que vocês tanto gozam..., mas, agora estou pagando uma promessa que fiz a mim mesmo e hoje foi o dia..., desculpem..., eu estou me vingando da gozação que, ainda jovem, recebi dos cariocas, aqui na praia de Copacabana. Diziam eles, que o mineiro prova a água do mar para ver se é salgada mesmo....Hoje eu estou vingado, pois peguei todos vocês de uma só vez!”.

Menino corajoso...., vingou por todos os mineiros, eternos fregueses de cariocas gozadores..., troco merecido num grupo de quase 30 “sabidos” que ficaram com medo de perder a pescaria ou talvez as "companhias"  que os esperavam no meio do caminho. As sonoras gargalhadas do vingador não cessaram nem mesmo durante o vôo. Desfilava pelo corredor do avião, incomodando mais as aeromoças do que os pescadores os quais o Menino encarava e dizia impiedosamente: “E aí, carioca, levou um baita susto, hein? Só não sei se você iria lamentar mais a perda da pescaria ou quem lhe espera no aeroporto. Mas, agora, (elevando o tom de voz), quero confessar para vocês todos que os cariocas tinham razão... pois eu, de fato, provara a  água do mar de Copacabana.... e olha que era salgada para danar... kkkkk....”.  

 Desembarcamos em Brasília e o Menino atrevido, mas já sem a proteção legal do comandante da aeronave, tratou de logo achar um táxi enquanto todos aguardavam suas tralhas na esteira rolante do desembarque. Não teve, tampouco, coragem de inspecionar o ônibus que os esperavam para conferir as “companhias” dos espertos pescadores. Seria muito temeroso abusar mais e de nada iria valer a sempre salvadora, intimidadora infalível  expressão para se safar dessas situações: Respeitem o estatuto do idoso...!

 Naquele resto de noite quase não dormiu diante dos constantes ataques de risos que estavam entalados por mais de quarenta anos. A vida é assim mesmo, um dia você perde, noutro vem a vitória, ainda que se espere por muito tempo. E que vitória 30 X 1, valeu!

 
Brasília, 01/11/2009

 
Paulo das Lavras


  
          Praia onde o “Mineirin”, pela primeira vez, no                                  Pescarias modernas no Araguaia
       longínquo ano de 1966, provou da água salgada,

     



 

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