Artigo: Paulo Roberto da Silva (*)
Raramente artigos técnicos começam
com uma foto, aliás, duas fotos históricas. Mas, é admissível em palestras. A
História dos 50 anos da Pós-Graduação na antiga Escola Superior de Agricultura
de Lavras, hoje, UFLA, será aqui contada de maneira diferente. Em palestras não
é proibido expressar emoções e ultimamente, nas visitas que tenho feito a esta
Universidade, pedimos ao motorista para dar uma paradinha naquele portão do Campus Histórico, aqui
mostrado em foto. A imaginação voa. Haja emoção!
Aqui estamos, hoje, para celebrar a milésima tese de mestrado realizada nesta centenária instituição, a Universidade Federal de Lavras. E hoje é dia 05 de setembro, o exato dia da inauguração da antiga Escola agrícola de Lavras, célula-mater dessa Universidade. São 116 anos de vida, ativa, profícua, mudando o cenário da Agricultura regional e nacional! Mas, vamos logo adiantando, quem procurar a história da pós-graduação da Fitotecnia da UFLA a encontrará nas publicações e relatórios oficiais, disponíveis em todos os meios de comunicação. Ali estão todos os seus feitos e benefícios trazidos à sociedade. O que não será encontrado, em parte alguma, qualquer que seja o pesquisador ou simples interessado, são as informações de bastidores de como tudo aconteceu. Quem ajudou, quem atrapalhou? Muitos contribuíram dedicando-se ao extremo, mas, não se pode esquecer que houve vozes opositoras interessadas em sufocar, proibir a nossa pós-graduação. Hoje, portanto, além dos fatos marcantes e há dois casos inéditos que nunca foram relatados em livros ou artigos técnicos, vamos falar também dos bastidores dessa longa e linda história de lutas para a criação da Pós-Graduação na UFLA, instituição e mestres que conhecemos desde o ano de 1956, há exatos 68 anos. Temos muitas histórias de bastidores para contar, focando detalhes às vezes
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(*) Professor aposentado, ex Pro-Reitor de Pós Graduação
da UFLA -1969/1975. Ex- Diretor de Ensino Agrícola Superior e do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior-SINAES do Ministério da Educação –
Brasília/DF – 1975/2008. Consultor de Educação Superior em Engenharia e
Agronomia. paulosilvadf@gmail.com Telezap: 61
98122 1523
despercebidos, mas que valorizam as ações de quem as executou. Somos protagonistas diretos desde 1963, como estudante de curso de extensão e em seguida calouro (1964) no primeiro ano da Escola então Federalizada. Menos de dez anos depois já estava nomeado para o cargo que hoje corresponde a Pró-Reitor de Pós-Graduação, com a incumbência de implantar, de imediato, os primeiros cursos de mestrado. Por outro lado, adquirimos larga experiência nas questões relativas ao Ensino Agrícola Superior de nosso país, pois, durante 34 anos estivemos à frente de sua gestão no Ministério da Educação, em Brasília, para onde fomos designados pelo Conselho Superior da Escola para servir em tempo integral, desde o ano de 1975. Colecionamos farta documentação naquele período e também rebuscamos, com luvas e máscaras, os embolorados arquivos do Ministério da Educação, trazidos da antiga SEAV - Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, órgão do Ministério da Agricultura que geria as escolas de agronomia e veterinária até o ano de 1961. Há fatos inéditos e outros surpreendentes que aqui apresentaremos.
Haja
emoção..., preparem os corações...
.......... ..................... ...................
Magnífico Reitor...,
autoridades acadêmicas e amigos aqui
presentes nesta solenidade. ...
Poucos têm o
privilégio, que hoje nos é concedido, de falar a esta seleta comunidade que
comemora a milésima tese de pós-graduação em Fitotecnia e ao mesmo tempo em que
celebramos os 116 anos de fundação da UFLA e ainda a 600ª tese de doutorado.
Neste ano de 2024 também comemoramos o cinquentenário de criação de um ato
universitário que se consolidou, fez e faz História, o ato de criação da Pós-Graduação
na UFLA, no qual tivemos a honra de ter sido protagonista. Sinto-me em casa, vendo
todo esse legado - a nossa UFLA e sua comunidade universitária. Alegria em dobro em reencontrar aqui, depois de 50
anos, alguns colegas com os quais dividimos tarefas na construção desse belo
patrimônio físico e sobretudo humano de gente que trabalhou e trabalha com
afinco e dedicação. Trabalho, cuja dedicação e amor se repetem,
ininterruptamente por 116 anos. Sim, cinco de setembro de 1908 foi o exato dia
em que se inaugurou a Escola Agrícola de Lavras, célula mater desta Universidade.
É muito gratificante estar aqui hoje e compartilhar essa alegria.
Magnífico Reitor, prezados amigos... Comecemos pelas fotos que abrem a palestra. Sob aquele portão da velha ESAL/UFLA passamos milhares de vezes. Leio e releio aquele brasão ali afixado, o qual colocamos no lay-out do folder inaugural da pós-graduação do primeiro curso de mestrado, de Fitotecnia, há 50 anos. Esse folder, cujo original guardamos no baú de afetos, é histórico. Aquele brasão representa a mudança havida na Escola em 1937 e então o repetíamos sempre, pois o início da Pós-Graduação também representava um novo e significativo marco na sua história. Foi em 1975, o início da Pós-Graduação, mas seus antecedentes remontam a quinze anos antes, com efetivo e eficaz planejamento e execução de um projeto maior: a criação das bases necessárias para a transformação daquela tradicional Escola em Universidade. Esta foi, sem dúvida, a maior vitória daquele esforço coletivo que chegou em 15/12/1994. A meta-síntese do Plano Diretor da velha ESAL, pensada por Alysson Paolinelli em 1960, foi atingida, 35 anos depois... ESAL/UFLA.
2- Os primórdios da ESAL/UFLA
Relembremos,
pois, essa grande jornada história da Pós-Graduação, iniciando pela fundação da
antiga Escola Agrícola de Lavras. Foi inaugurada em 1908, pelo Reverendo Samuel
Rhea Gammon. Havia chegado ao Brasil no natal de 1889, quarenta dias depois da
Proclamação da República. Tinha apenas 24 anos de idade e havia terminado seus
estudos no Seminário Teológico na Virginia/EUA.
Samuel Gammon foi enviado à Minas Gerais, cerca de dois anos após sua chegada ao Brasil. Tinha a missão de escolher uma cidade para sediar o Colégio Internacional de Campinas-SP, pois grassava naquela cidade a febre amarela que ali inviabilizava sua permanência e precisava ser transferido para outra localidade. Chegou à Lavras em março de 1892, atravessou o Rio Grande de balsa, pois não havia sequer a ponte metálica em Ribeirão Vermelho, onde terminava a estrada de ferro que vinha de São João Del Rey. Aqui chegou, verificou a localização estratégica da cidade, ponto de entroncamento de São Paulo e Rio para se alcançar os sertões das “Geraes e dos Goyazes”. Avistou e se maravilhou diante da majestosa Serra da Bocaina, que lembrava as mesmas silhuetas montanhosas de sua terra natal, na fazenda de seus pais, aos pés das montanhas dos Alleghenies, na região de Montgomery e Bristol, no estado da Virgínia, nos Estados Unidos da América. Ali era, nas palavras de Clara Gammon, ”um dos lugares mais encanadores da Terra”. Desde menino, dos 12 aos 16 anos, passava diariamente ali aos pés daquelas serras conduzindo a carroça puxada pelo velho burro Dobbin, a caminho do vilarejo levando os produtos da fazenda. Enquanto vencia as duas léguas de distância, contemplava aquelas lindas montanhas no vale do rio Holston e pedia a Deus que, queria ser Pastor, missionário e que lhe concedesse um lugar, ainda que distante, para exercer sua missão de pregador. Quando Samuel Gammon aqui avistou, pela primeira vez, a bela silhueta da Serra da Bocaina, emoldurando a cidade de Lavras e logo atrás o Rio Grande que acabara de atravessar, não pôde deixar de associar as semelhanças com a sua terra de origem e seus pedidos em preces. Então, exclamou: “Aqui está a minha Terra Prometida. Eis-me aqui, Senhor, este é o meu verdadeiro campo de trabalho, a missão de minha vida. Obrigado, Senhor”, escreveu Clara Gammon em seu livro “Assim brilha a luz”.
Em novembro de 1892 a mudança do Colégio
chegou à Lavras e em 1º de fevereiro de 1893 foi ministrada a
primeira aula. Assim, nasceu em Lavras o Instituto Presbiteriano Gammon. Quinze
anos depois foi fundada a Escola Agrícola, o embrião da UFLA, com muita fé e
amor no coração do Dr Gammon, pois era uma missão de vida! Missão gestada,
desejada e pedida a Deus constantemente nas suas orações silenciosas, ao pé das
inspiradoras montanhas da Virgínia. Ali, em Lavras, estava aquela serra que lhe
despertou a memória de suas orações desde menino, como a lembrar-lhe que essa
seria a sua terra prometida. Aí está, portanto,
a origem, o DNA da UFLA, de puro amor e dedicação dos missionários
norte-americanos que aqui aportaram, há 132 anos e plantaram o Instituto Presbiteriano Gammon-IPG, sob a
égide do lema “Dedicado à Glória de Deus e ao Progresso Humano”. O IPG foi a célula
mater que deu origem, em 1908, à Escola Agrícola, hoje Universidade
Federal de Lavras. Portanto, o embrião
da Universidade Federal de Lavras foi gestado e criado por missionários
norte-americanos, sob o signo da fé, do amor e da prática do bem ao próximo,
sob o lema: Dedicado à Glória de Deus e ao Progresso Humano.
A Srª Clara
Gammon se perguntava, em outro capítulo de seu livro: “O que poderia ele fazer,
um pobre camponês? Que futuro o aguardaria?”. Pois, o futuro chegou-lhe aos 27
anos, na terra prometida, entre o Rio Grande e a Serra da Bocaina! As preces do
jovem de 12 aos 16 anos, feitas
diariamente aos pés da montanha Alleghenies, foram atendidas e grandiosas obras
ele realizou aqui em frente à montanha da Bocaina. Não à toa, na
secretaria do IPG, sob as escadarias do edifício Lane-Morton, há uma linda foto
panorâmica da Serra da Bocaina. Ali, Dan Gammon, neto de Sam Sam Gammon, fez
questão de posar para uma foto, como a relembrar o sonho de seu avô, o sonho
realizado da Terra Prometida.
Samuel Gammon idealizou, planejou e fundou a Escola Agrícola de Lavras e trouxe Benjamin Harris Hunnicutt para implantá-la (1908-1926). John Henry Wheelock cuidou de sua consolidação (1927/35; 1945; 1953/56) e Alysson Paolinelli dinamizou toda aquela obra (1966/71), expandindo-a, criando as bases para sua transformação em universidade. Quase um século de trabalho profícuo até que, em 1994, o MEC diante das excelentes condições de seu campus, corpo docente qualificado e produção científica, decidiu elevá-la à categoria de Universidade.
O brasão da ESAL/UFLA – uma história
Foto 2 - 1937 –
aproveitando a mudança de legislação do ensino agrícola brasileiro, o diretor
John.H. Wheelock, ex-aluno de Iowa, fez a adaptação da logomarca daquela
universidade norte-americana para a Escola Superior de Agricultura de Lavras
que, por imposição legal, teve que mudar seu antigo nome Escola Agrícola de
Lavras.
Foto 3 - 1994- transformada a ESAL em Universidade, esta manteve a mesma logomarca por algum tempo até a adoção de novo design (foto 4) Fotos do autor
Esta é a pré-história da pós- graduação desta universidade que aqui, hoje, celebramos e, por isso, rendamos homenagens a aqueles precursores que, com muito amor e dedicação, se empenharam na construção dessa grandiosa obra e graças a eles, aqui estamos comemorando os seguintes feitos da UFLA;
- cinquentenário da Pós-Graduação
- milésima
tese de mestrado,
-
sexcentésima tese de doutorado
- 116 anos
da ESAL/UFLA
Não é pouco!
Há muito que se celebrar! Mas, continuemos com os bastidores dos fatos dessa
longa e bela História.
A década de
1960 foi dificílima para o ensino agrícola brasileiro. Os americanos ganharam a
guerra e passaram a dominar o mundo e por aqui, sob o patrocínio de um programa
de ajuda “Aliança para o Progresso”, passaram a influenciar no campo da
Educação. Veio a reforma do ensino com a promulgação da LDB de 1961, extinguiu-se
o modelo seriado dos cursos de graduação, de origem francesa, cuja cultura
imperava no país desde os tempos do império e implantou-se o sistema de
créditos, tal qual os americanos faziam. Porém, a reforma mal assimilada
misturou os sistemas de créditos com o seriado e então surgiram derivações que
culminaram com a criação de vários e diferentes cursos de graduação que nada
mais eram do que simples especializações que poderiam ser realizadas na pós-graduação.
Nessa mesma reforma de 1961, retiraram o
ensino tecnológico dos ministérios afins e os repassaram ao MEC. A Agronomia
saiu do Ministério da Agricultura, mas o MEC a recusou durante 12 anos. Não
queria aceitar o ensino tecnológico, caríssimo com fazendas, gado, plantações,
campos de pesquisas agrícolas, empregados e professores em tempo integral, sob
o lema de “Ensino, Pesquisa e extensão”. Predominava o estilo acadêmico
francês, “professor horista”, aqui, ali e acolá em várias faculdades, batizados
ironicamente como professor-taxi que corria de uma faculdade para outra várias
vezes ao dia. Nesse contexto de nova filosofia do ensino agrícola
superior, a antiga ESAL/UFLA fez
história. Além da qualidade do ensino, destacou-se na pesquisa, extensão e
principalmente, nas lutas junto ao MEC, na figura de Alysson Paolinelli, que
muito atuou para que o Ministério da
Educação aceitasse incorporar a gestão do ensino agrícola, oriundo do
Ministério da Agricultura por imposição de lei.
Por que a
ESAL/UFLA tomou a frente junto ao MEC naquele jogo de empurra de aceita/não
aceita o ensino agrícola no Ministério da Educação? Simples de entender. A
ESAL/UFLA foi a quarta escola de agronomia criada no Brasil. A primeira foi na
Bahia em 1877 a segunda em Pelotas no ano de 1883 e a terceira em Piracicaba em
1901. Todas as três tinham um importante detalhe em comum, foram criadas como
cópia do curso de agronomia da Escola de Paris-Grignon. A Escola Agrícola de
Lavras ao contrário, foi fundada nos moldes dos Land Grant Colleges americanos,
que associa o Ensino, à Pesquisa e à Extensão. Ensino apoiado na pesquisa, com
inovação de práticas agrícolas decorrentes
da pesquisa em campo e em seguida levar esse novo conhecimento ao agricultor,
por meio da Extensão Rural. Foi nesse contexto de inovação que a Escola de Lavras,
realizou, por exemplo, a Exposição Nacional do Milho e a 1ª Exposição Agrícola
de Minas Gerais, edição de jornais
agrícolas, dentre tantas outras atividades. Era, portanto, desde a sua criação,
uma Escola de elevada reputação pela qualidade de seu ensino. Tanto assim que ,
em 1926, foi publicado, pelo Ministério da Agricultura, o livro “O Ensino
Agrícola no Brasil – seu estado atual e a necessidade de sua reforma”, sugerindo
a adoção do modelo da Escola de Lavras.
Mas, a crise
dos anos 60 foi mais séria, pois havia resistência do MEC em aceitar o ensino
agrícola. Paolinelli, líder estudantil e recém-contratado como professor da
Escola de Lavras, passou a atuar junto ao MEC, pressionando-o a encampar de vez
o ensino agrícola que estava no limbo depois da nova LDB de 1961, quando foi
retirado do Ministério da Agricultura. Criou, com seus colegas de Piracicaba a
Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior-ABEAS e por meio dela
pressionava o MEC. Doze anos depois o MEC capitulou diante da insistência de
Paolinelli, criando em 1973 a Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências
Agrárias – CECA, que passou a gerir o ensino agrícola naquele ministério. Soba
liderança de Paolinelli na ABEAS, a CECA realizou um Estudo de Demandas da Área
de Ciências Agrárias, indicando a necessidade de criação de programas de
melhoria do ensino agrícola superior. Em 1974 foi criado um programa
internacional, sob contrato com a USAID, para a melhoria do ensino agrícola
superior (AID 512-L 090- Brazil MEC/MSU Project). A gestão desse programa
internacional (PEAS), cujo escritório central do MEC ficava em Michigan (MSU),
era tão problemática que em apenas um ano e meio passaram pelo MEC três
diretores do ensino agrícola. Lá chegamos em 1975 e em menos de uma ano
assumimos a diretoria do ensino agrícola superior e demos curso ao programa
internacional. Apenas 12 universidades brasileiras participavam, recebendo
consultorias e treinamentos de 32 norte-americanas. Foi criado outro programa,
cujo projeto atendia todas as demais instituições federais de ensino agrícola
superior, incluindo-se a ESAL/UFLA. Da crise provocada pelo MEC decorreu a
redenção, com o surgimento dos programas de melhoria da Educação Agrícola
Superior, o PEAS e o PRODECA. Estes, com investimentos superiores a cinquenta
milhões de dólares aplicados no ensino agrícola, proporcionaram notável
desenvolvimento dos cursos de graduação e pós-graduação na área de Ciências
Agrárias. Decorre daí, do treinamento de mestres e doutores, o sucesso da produção e produtividade
agrícola de nosso país. Em entrevistas gravadas pelas mídias, Paolinelli disse
claramente que o modelo de desenvolvimento agrícola brasileiro se assentou no
apoio das Universidades. Reciprocamente, nossa gestão dos assuntos da educação
agrícola superior sempre contou, também, com a colaboração do Ministério da
Agricultura, principalmente da EMBRAPA. Paolinelli, quando Ministro da
Agricultura levava, por diversas vezes, o diretor de ensino agrícola superior,
em suas viagens de visitas aos estados.
4- ESAL - o quase fechamento, a federalização e o renascimento
Dezembro era mês
de formatura na ESAL. Nos bastidores do auditório Lane-Morton, no Instituto
Presbiteriano Gammon, minutos antes do início da solenidade de formatura de Agronomia,
daquele ano de 1959, o diretor John Wheelock, chamou um jovem formando e antes
mesmo que ele prestasse juramento e recebesse o canudo, disse-lhe: “A Escola está em dificuldade, alguns
professores já a deixaram, agora sairão dois outros, um deles voltará para o
nordeste. Precisamos que voce fique e assuma as funções de professor, caso contrário teremos mesmo que
fechá-la”. O garoto ficou surpreso, embora soubesse ou imaginasse que aquele
convite se devia, principalmente, ao fato de ter sido lider estudantil e agia
com garra na defesa da ESAL. Estupefato pela crueza da realidade e o inesperado
convite, e tendo que tomar uma decisão, pensou no seu emprego já garantido por
seu pai, que era alto funcionário da Secretaria Estadual de Agricultura, mas
capitulou, respondendo ao diretor que, embora já tivesse promessa garantida de
maior salário, renunciaria a tudo para aceitar o desafio de ajudar a soerguer a
cinquentenária ESAL. Não foi difícil aquela decisão, contou-me ele, quando
também me convidou para ser professor na ESAL, exatos nove anos depois em Belo
Horizonte. Aquele jovem tinha sido presidente do Centro Acadêmico de Agronomia
– CAA e fora ele o primeiro a escutar, no decorrer do ano de 1959, as declarações de John Wheelock, então diretor
e Eduardo King Carr (diretor escolhido para o ano seguinte) que a Escola seria fechada se as coisas não
chegassem a bom termo. Portanto, o calejado líder estudantil, tinha a exata
noção do significado daque convite minutos antes de sua formatura. Nascia, ou melhor, se consolidava ali, momentos antes
de sua formatura, um dos grandes, senão
o maior benfeitor da ESAL/UFLA ..., e da Agricultura brasileira, Alysson
Paolinelli, que se atirou de corpo e alma na missão de salvar a Escola.
Mas, a crise se instalou aceleradamente
na velha Escola no período de 1960/63. A Missão Presbiteriana, dos EUA, comunicou
às autoridades que não mais poderia manter a ESAL. O governo do Estado se
recusou pois já mantinha outra escola agrícola, em Viçosa, mas, contudo, o
governo federal a federalizou em 23/12/1963. Paolinelli a tudo e a todas as
oposições enfrentou de corpo e alma. Paralelamente ainda lidou com a
insensibilidade do MEC que teimava em não aceitar o ensino agrícola que havia
saído do Ministério da Agricultura. Carregava duas frentes de lutas inglórias
no MEC. Ora.., diziam no MEC, Escola de Lavras? Vamos fechá-la, nem sabemos o
que é o tal ensino agrícola... Efetuivamente enviarma à Lavras um emissário com
o objetivo de fechála, definitivamente e encaminha os alunos para outras
escolas. Paolinelli Recebeu e hospedou
em sua casa, em janeiro de 1963, o emissário do MEC que ali fora com a portaria
ministerial no bolso para fechamento da Escola. Pasmem, depois de dois ou tres dias de
conversas em casa e nas ruas de Lavras, o emissário do MEC, desistiu de
comunicar o fechamento e prometeu a Paolinelli que iria pugnar pela
federalização da ESAL. Esta foi a maior vitória de Paolinelli, pois convenceu o
emissário a “rasgar” a portaria de fechamento e enfrentar a “oposição” em
Brasília. Em 23/12/1963 foi assinada a Lei de federalização da ESAL. Para
os historiadores de Lavras a federalização marcou o renascimento da ESAL que,
30 anos depois, se transformou em universidade federal. O árbitro do bom senso,
que evitou a morte e fez renascer a velha ESAL, foi o eminente Professor Eudes
de Souza Leão, merecidamente homenageado pela Universidade e a comunidade
lavrense em setembro de 2017.
Um garoto de 18 anos estudava com afinco para o vestibular da Escola
naquele ano de 1963. Intensa crise reinava na Escola e em toda a cidade. Porém,
aquele enorme presente de natal, recebido em 23/12/1963, foi surpreendente: a federalização
da Escola que esteve prestes a ser fechada. Dez dias depois o garoto não só
passou no primeiro vestibular da ESAL federalizada como também conseguiu a
primeira clasificação dos 30 calouros aprovados para o ano letivo de 1964.
Dedicou-se tanto aos estudos que emagreceu muito e por isso, no primeiro dia de
aulas, o calouro recebeu o apelido com o
nome que se dá ao talo de cana de açucar saído da moenda, fininho, magrinho. “Paulo Bagaço” passou a ser meu nome. Futuro promissor aguardava o calouro magricelo.
Estagiário-monitor remunerado de Química e depois de Engenharia, ocasião em que
auxiliava trabalhos topográficos no novo campus. Certa vez, em aula prática do
professor de Hidráulica, Jair Vieira, executando a drenagem do atual campo de
futebol, ao lado do Estádio coberto, com
sistema alinhado em forma de espinha de peixe e uso de máquinas
retroescavadeiras, jorrou “petróleo”, liquido preto, malcheiroso. Alegres,
gritamos; Petróleo, petróleo...!!! Estamos ricos, vamos nos filiar à OPEP. Prof
Jair chegou de imediato e disse: Ôh, cambada..., isso é esgoto da fossa séptica
do hotel Alvorada, lá no alto do barranco (atual arquibancada).
Outras atividades do estagiário foram as demarcações da avenida que liga o
Campus Histórico ao novo campus e os primeiros prédios. Por sinal, locamos o
Prédio da Administração (atual PROPLAG) virado para a cidade e não para a
venida central, conforme determinavam as plantas arquitetônicas projetadas por
engenheiros e arquitetos do MEC, no Rio de Janeiro.
Além dessas monitorias, por mérito no aproveitamento, o estagiário ganhou
bolsa na área de Solos, na cota do exigente e rigoroso Prof Alfredo Scheid
Lopes, o que lhe valeu estágio remunerado de trinta dias numa empresa produtora
de fertilizantes em São Paulo. E o futro continuou promissor, pois o mesmo Prof
Alfredão, o selecionou para um emprego em empresa de planejamento agroflorestal
e paisagismo, em BH. Um ano depois Paolinelli ligou para empresa e disse: Paulo
Roberto, venha aqui. Aqui aonde? Na sede da DFA (hoje SFA- Superintendência Federal
de Agricultura, de MG), na Av Contorno, final do Parque da Cidade, pertinho de
seu escritório. Venha cá, porque preciso de você. Mais nada disse. Corri para
lá, um pouco preocupado, pensando que tipo ajuda necessitaria. Carro quebrado e
a volta para Lavras? Provavelmente não, pois lá havia oficina federal e pronta
para ajudá-lo. Mas, afinal o que seria? Estacionei o carro no amplo
estacionamento interno da DFA que tempos depois mudou-se para a Av. Raja
Gabaglia. Falou, com ar sisudo, do plano diretor da Escola e que havia
conseguido verbas para ampliar a construção no novo campus e contratação de
docentes. Essa é a hora para deslancharmos. Vamos para Lavras, voce vai nos
ajudar, foi estagiário do meu Departamento de Engenharia, ajudou a locar as
avenidas e prédios, fiscalizou as obras de construção..., portanto, já
reservamos uma vaga de professor para voce, começa em janeiro (estávamos em
dezembro de 1968), encerre seu contarto e volte para Lavras. Sim a proposta é
tentadora, trabalhar na velha e querida Esal, mas quanto é mesmo o salário? Ah,
assim não dá, pois aqui em BH recebo o dobro.
Não, mas espere aí, o MEC prometeu o “ tempão” (salario em RETIDE –
regime de tempo integral e dedicação exclusiva) para breve, já no segundo semestre.
Vai empatar com seu salário. Respondi,
Ok, vou fazer o que gosto e onde gosto e a nossa Esal vai progredir. Em
02/02/1969, Paolinelli assinou a carteira de trabalho que ainda guardo no meu
baú de afetos. Depois daquela decisão e um cafezinho na DFA, achamos graça da
situação, pois também abri mão de um ótimo salário em BH, tal qual ele a nove
anos atrás, quando o então o diretor Wheelock lhe “convidou” para ingressar no
quadro docente. Coincidentemente agora, estava, ali, como novo diretor da ESAL
fazendo-me o mesmo “convite” que soava como intimação, tal qual ele recebera em 1959. A história do garoto de 18 anos,
vestibulando, rfelete a alegria que toda a comunidade lavrense sentiu com a
federalização da velha ESAL que, trinta anos depois se treansformou em
universidade.
Mas, nem tudo foi alegria após a
federalização, pois a demora nos trâmites legais, atrasou o pagamento aos
professores e funcionários. Foram dois anos de muito sacrifício para eles que, heroicamente
resitiram, vivendo de favores de parentes e comerciantes que lhes fiaram as
vendas na esperança de um dia se regularizar a situação. Regularizou-se, porém
com dois anos de espera, até o dia em que Alysson Paolinelli e o Prof. Américo
Cicciola chegaram à Lavras, à meia noite, com uma perua Rural Willys,
abarrotada até o teto com todo o dinheiro em espécie, sacado numa agencia
bancária em Belo Horizonte. Mas essa história – do carro pagador - já está
contada em livros.
Havia um Plano Diretor
para a ESAL, feito por Paolinelli. Para alguns críticos, era um plano megalômano,
julgado impossivel de ser realizado e ainda ironizavam que não se tratava de plano diretor e sim Plano do
Diretor... Quando contratado como professor (janeiro 1960) atuava na
coordenação das ações politicas para a federralização da Escola. Ocupou o cargo
de vice-diretor e em 1966, menos de três anos após a federalização, sua grande
conquista, foi escolhido diretor, cargo que ocupou até 1971, quando então foi
nomeado Secretário da Agricultura de Minas Gerais. Como diretor e com visão de
futuro, tratou logo de elaborar um plano geral de desenvovimento para a
Escola. O plano consistia em preparar as bases para a trnasformação da ESAL em
Universidade. Meta principal, a construção do novo campus com transferencia
imediata, até 1970, das instalações e todo acervo. Ampliação do corpo docente, com
contratação de 50 novos professores. Treinamento imediato de 50% dos docentes
em cursos de mestrado ou doutorado. Ao final de cinco anos a meta seria 80% dos
docentes qualificados, ultrapassando expressivamente as universidades
similares. Ampliação física e de acervo da biblioteca, aumento de vagas para
200/ano na Agronomia eram consideradas prioridades, como também a criação de
novos cursos – Engenharia Agrícola, Zootecnia, Engenharia Florestal e outros. O
plano ambicioso previa ainda a criação de cursos de pós-graduação strictu sensu
(mestrado e doutorado) e por último a meta-síntese: a transformação da
Escola em universidade. Coisa de doido, diziam alguns. Outros não duvidaram
e até lhe arranjaram um apelido bem coerente: trator de esteira. Onde passa
empurra ou arrasta. Ninguém fica parado, inerte perto dele, tal o seu poder de
liderança e empatia. Foi assim com este autor, empurrando-nos ali em BH, em
dezembro de 1968, para a assinatura de contrato de professor na ESAL.
O diretor Paolinelli
vivia na estrada em busca de apoio e dinheiro para a consecução de seu Plano
Diretor. E conseguia, seja para obras ou bolsas de mestrado e doutorado no país
e no exterior para os docentes. Ainda hoje, todos se admiram, de como
Paolinelli conseguira aquelas vultosas verbas no MEC em pleno período de crise
financeira e extrema escassez de recursos federais para a Educação. Diante dessa
concessão especial, Paolinelli determinou que 50% dos docentes da Escola teriam
que estar matriculados em cursos de PG, onde quer que fosse, no país ou no
exterior. Ordem cumprida à risca. Cinquenta por cento do efetivo do
departamento de Engenharia estava fora, cursando mestrado ou doutorado e o
mesmo acontecia com outros departamentos. A outra metade que permanecia era obrigada
a assumir a ministração de aulas dos
colegas ausentes. Nesse “programa”, assumimos algumas aulas de topografia, além
da matéria de Construções Rurais, da qual era professor assistente efetivo. E
mais, ainda acumulava as funções do cargo de coordenador da PG (equivalente a
Pró-reitor). O “trator” empurrava ou arrastava e todos trabalhávanos com entusiasmo, pois o colega mestrando ou
doutorando, voltaria em breve com a titulação esperada. Além disso, sabíamos
que o novo campus teria que ser completado, ofertas de novas vagas e cursos
ampliados..., tudo se desenvolvia a olhos vistos, como planejado. Era um
entusiasmo só! O “trator” não parava nunca e sempre alegre, otimista,
contagiando a todos.
Nosso Departamento de
Engenharia era o responsável pela construção dos predios. Nada de
treceirização. Adotamos a administração direta. Contratávamos pederiros,
pintores, bombeiros hidráulico e até treinávamos alguns de nossos funcionário
para obras civis. O preço de cada obra concluída era de duas a tres vezes mais
barato. Certa vez o Ministro da Educação, Ney Braga visitou a ESAL. Percorreu o
novo campus, com mais de 20.000 m² já construídos, com uns 10 ou 15 predios em
pleno funcionamente. Quando, ali na sala da Congregação da Escola e na presença
de todos os professores, o Prof. Valter
de Carvalho apresentou-lhe o relatório de desmpenho da obras de construção dos
prédios. Surpreso com os números, o ministro, incrédulo, perguntou: “... professor,
o senhor está dizendo que com a verba de um único prédio, aprovada pelo meu
Ministério, vocês aqui nesta Escola, constroem dois prédios? Com a verba de um
só?”. Lavras ficou na história com tal
economia e por uma razão muito simples: tudo era feito por administração
direta, com o esforço, competência e dedicação de nossos professores do Departamento
de Engenharia que, além das obrigações acadêmicas e de pesquisas, se dedicavam
a executar e fiscalizar as obras e seus seus operários contratados. Muitas das
edificações tiveram seu projetos elaborados por engenheiros e arquitetos do
próprio Departament de Engenharia. Nada de luxo, pisos de granitina, paredes
com tijolo aparetente ou revetidos de cerâmica ou ainda simples rebocos, porém,
sólidos. Ainda hoje com mais 50 anos alguns desses prédios ostentam os mesmos
acabamentos.
Paolinelli sabia fazer o dinheiro render, tinha
liderança e todos se empenhavam em fazer o melhor. Essa foi e é a
ESAL/UFLA que faz diferença: DEDICAÇÃO!
Fiel ao plano original, a instituição deu um salto de qualidade e ampliou a
oferta de cursos que antes se resumia apenas à graduação de agronomia e uma
centena de alunos.
...... “Quem não é o maior, tem que ser o melhor”...
Adotamos esse lema, muito
comum à época, pois iríamos entrar num campo dominaddo por instituições
qualificadas como Viçosa, que iniciou sua pó-sgarduação em 1961, sob o manto da
cooperação internacional (Purdue University) e Piracicaba, com a universidade
de Ohio, além da UFRRJ, antiga Escola Nacional de Agronomia (Km 47- Seropédica)
tida, por lei, como padrão nacional. Todas muito conceituadas e dispunham de
apoio e financiamentos externos. Portanto,
nada melhor que aquele lema, para quem não era a maior e estava apenas
iniciando no ramo: Ser a melhor! E isto, ser a melhor Escola de Pós-graduação, passava também
pela acolhida aos alunos e suas familias, muitos vindos de outros
estados, como se verá adiante.
Em junho de 1972 o diretor
Fábio Cartaxo nomeou comissão especial para estudar a viabilidade de
implantação de cursos de pós-graduação na Escola (Portaria n.º 036/72). Com
parecer favorável dessa comissão, foi então criada a Coordenadoria Geral de
Pós-Graduação (atual Pró-Reitoria de Pós-Graduação). Em fevereiro de 1973 nosso
nome foi indicado para assumir as funções de primeiro Coordenador Geral da PG (hoje Pró-reitor),
com a missão de implantar os cursos stricto-sensu . Desafio enorme, começar
algo de grande importância, a partir do zero e ainda ter que concorrer com os grandes
de então. Visitamos aquelas instituições
de ensino, conhecemos suas estruturas e programas. Quilos de cópias de
estatutos, regimentos e regulamentos de cursos, legislação federal e vários
outros, pois naquele tempo não existiam ainda o fax e muito menos a internet. Estatutos
e normas elaboradas e aprovadas pela Congregção da Escola, partimos para os
projetos de cursos de mestrado de Fitotecnia e de Administração Rural, sendo
este inédito no país e para o qual tivemos que buscar profesores
norte-americanos, da Califórnia.
O Departamento de Assuntos
Universitários- DAU/MEC (hoje SESU/MEC), Capes, CFE (hoje CNE/MEC), EMBRAPA,
CNPq. Ministério da Agricultura e outros órgãos em Brasília e Rio, eram nossos
endereços frequentes de longas e demoradas visitas, além de um órgão
internacional que muito nos ajudou, Latin American Teaching Fellowships que
garantiu a vinda de professores norte- americanos para o curso de Administração
Rural. O MEC aprovou nossos projetos. O documento que mais nos alegrou, depois
de tanto trabalho, dias e dias de viagens, toneladas de papéis, foi sem dúvida a
certidão de nascimento da Pós-Graduação na ESAL/UFLA, o Of. 4177/74/CODEAC/DAU/BSB de 23/08 de 1974,
assinado por Lynaldo Cavalcante de Albuquerque, substituto do diretor Edson
Machado de Souza, ambos titulados, tempos depois, como Professores Honoris Causa
da UFLA. Após o início efetivo do mestrado, a ESAL foi incluida no Planao
Nacional de Pós- Graduação- PNPG, fato devido especialmente ao professor dos
quadros da ESAL, Valter de Carvalho, que
se encontrava prestando serviços permanentes ao DAU/MEC.
A simpatia do Diretor Geral
do DAU/MEC, Edson Machado de Souza, antigo conhecido de Alysson Paolinelli,
desde os tempos em que o prof. Edson exercia
as funções de Diretor do CNRH do IPEA/SEPLAN, foi primordial para a celeridade
da aprovação do mestrado em Lavras. Da mesma forma seu adjunto Prof Lynaldo
Cavalcante, também era admirador da saga de Paolinelli, o diretor que
“perturbou” o MEC nos anos 60, para a
criação da diretoria de ensino agrícola no antigo DAU/MEC.
Aprovado pelo ofício de
23/08/1974, o mestrado de Fitotecnia foi iniciado em março de 1975. O grande problema não foi a estrutura
acadêmica e tampouco a presença de livros e periódicos exigidos para a
biblioteca, ou ainda qualificação de docentes (contávamos com23 doutores e mais
de 30 mestres), ou ainda os recursos financeiros. Tudo estava certo, conforme
planejado e xigido pelas normas do MEC. Candidatos acima do número de vagas, entrevistamos
cada um, selecionamos 20. Muitos vieram de outros locais e como alojar suas
famílias em Lavras? Esse era o garnde
problema que enfretamos logo durante a seleção dos candidatos. Naquela época
não havia oferta de imóveis pois a demanda era muito pequena. Dois corretores
de imóveis operavam na cidade e não tinham nenhuma casa para alugar
naqueles idos de janeiro/fevereiro de 1975. E agora? Haviamos dito aos futuros
alunos que havia moradias em Lavras e tínhamos que honrar o compromisso. Fomos diretos para a praça central e, em
frente ao Banco do Brasil, abordávamos a todos, perguntando sobre casas para
alugar para professores (alunos) que
vinham trabalhar (estudar) na ESAL. A
mesma história se repetiu para se conseguir vagas nas escolas para os seus
filhos e até mesmo para abertura de contas bancárias, tivemos que ir ao gerente
e atestar a idoneidade do candidato, novato na cidade. Hoje é diferente
pois a cidade se estruturou, desenvolveu-se por causa desse grande afluxo de
estudantes da pós-graduação. Alguns anos depois consultei o jornal local e me constatei
que havia mais de 400 anúncios de aluguel e venda de casas e apartamentos. A
pós-graduação na UFLA tem movimentado a cidade.
Pois bem..., quem não é o
maior, tem que ser o melhor. Afora a assitência nessa logistica dos alunos,
também os departamentos, a biblioteca central, professores e orientadores passaram
a dispensar especial atenção aos alunos de pós-graduação, fazendo a diferença e
proporcionando qualidade e sucesso, sempre reconhecidos, tanto nos cursos de
mestrado como nos de doutorado. Seguiram-se aos dois primeiros cursos de
mestrado, os de Solos, Alimentos, Zootecnia, Estatística e outros. O primeiro
curso de doutorado foi também de Fitotecnia, iniciado em 1989.
Era o dia 04
de agosto de 1975, meu último dia de trabalho na Escola Superior de Agricultura
de Lavras-Esal que pouco tempo depois se transformaria em Universidade. Não foi
fácil dizer adeus a um lugar que fez parte de toda uma vida profissional
daquele jovem de 30 anos de idade. Havia acabado de inaugurar solenemente o
segundo curso de mestrado aprovado pelo MEC,
Administração Rural, pioneiro no Brasil, inovador. Alguns alunos do mestrado de Fitotecnia
compareceram à solenidade e em seguida entregaram-me uma carta de despedida,
redigida e assinada com antecedência por todos os seus colegas. Li e a reli
várias vezes, pois nunca recebera tamanha homenagem, tanto carinho e
reconhecimento pelo trabalho que desempenhamos junto a eles, os pioneiros da
pós-graduação na ESAL. Lembrei-me do lema: quem não é o maior tem que ser o
melhor. Se não fomos o melhor, pelo menos fizemos o melhor de nós e a carta
parecia mostrar isso, como se vê a seguir.
Naquela manhã
de 04 de agosto de 1975, emocionado com a inauguração de mais um curso de
mestrado e ainda a carinhosa homenagem dos mestrandos da Fitotecnia, percorri pela última vez, as avenidas daquele
Campus que ajudara a demarcar e construir
os prédios, como também a medir as áreas rurais contíguas, particulares,
para fins de desapropriação e ampliação dos campos experimentais. Conhecíamos palmo
a palmo, pois ali implantamos redes de água, esgotos, galerias pluviais,
energia elétrica, comunicações, tudo, enfim, até mesmo os gramados.
Parei o carro
debaixo de frondosa árvore defronte ao prédio da Administração da Escola –
futura Reitoria. Contemplei a cidade e ao fundo a maravilhosa Serra da Bocaina
emoldurando a vista no horizonte. Mais abaixo o campus histórico e então olhei ao
redor, pela última vez e demoradamente, o belo e novo campus que vimos gestar,
nascer e crescer, tijolo a tijolo, laje por laje e um profundo e imenso
sentimento de gratidão perpassou a mente, rolando com muita intensidade um
filme em flashback..., 1967 a avenida de ligação, 1968/69 os primeiros
prédios, 1970 a transferência definitiva para o campus e mais prédios,
culminando com a aprovação de novos cursos de graduação, especialmente o de
Engenharia Agrícola, do qual participamos dos primeiros sonhos e frequentamos
todas as reuniões do MEC antes da criação dessa nova profissão no Brasil. Todas essas realizações sonhadas pelos
precursores, Gammon, Hunnicut, Wheelock e ultimamente por aquele “trator”,
Alysson Paolinelli, que nos conduziu naquela hercúlea tarefa de um dia
transformar aquela pequenina Escola, que admitia apenas 30 alunos por ano, em
universidade plena. Nesse mesmo novo
campus já se encontrava a Coordenadoria (Pro-Reitoria) de Pós-Graduação que
tivemos o privilégio de implantá-la, criar os primeiros cursos de mestrado e
lançar a Escola no seleto clube da pós-graduação strictu sensu da
área de ciências agrárias no Brasil. Justo naquele ano de 1975 iniciamos dois cursos
de mestrado. Quase dois anos de preparação dos projetos e muitas idas e vindas
ao Ministério da Educação, em Brasília, para onde iríamos, em definitivo dali a
apouco. Um novo desafio prontamente assumido e com o aval do colegiado
superior e da diretoria da ESAL.
O filme flashback continuava...,
a primeira visita à ESAL em 1958, menino de 11 anos, ali no Museu de História Natural,
hoje chamado Museu Bi Moreira. Impressionou-se com os bichos empalhados ali expostos
e ainda os instrumentos de tortura dos escravos às vistas dos incrédulos
meninos Em março de 1963, matriculou-se no curso de extensão, de formação de
operador de máquinas agrícolas, antes da federalização e depois de dez dias de
sua federalização, logrou classificar-se em primeiro lugar, no primeiro
vestibular federal. Foram quatro anos de muitas alegrias e satisfação como
estudante ali no velho campus com
estágios, monitorias e a conquista do diploma de Engenheiro Agrônomo. Como
estagiário do Departamento de Engenharia, participou do início da construção do
novo Campus e um ano depois recebeu o convite para integrar aquele mesmo
departamento da ESAL. Intensificadas as obras de construção, o novo campus foi
inaugurado em 1970 e agora, ali, em agosto de 1975, tudo parecia maior,
grandioso, obra realizada, maior do que os sonhos daquele visionário que um
dia, em BH, ligou-me, chamando para uma reunião: você vai voltar para Lavras,
precisamos acabar de construir o novo campus..., treinar os docentes. Voltei, o
novo campus foi inaugurado, ano seguinte partimos para a Escola de Engenharia
de São Carlos, da USP, para cursar a pós-graduação em Engenharia Hidráulica e
Sanitária. No retorno à ESAL, assumimos a tarefa de criar a pós-graduação,
empreendendo uma maratona de viagens às universidades congêneres e idas e
vindas ao MEC, em Brasília. Antes mesmo da aprovação dos dois primeiros cursos
de mestrado na ESAL conseguimos aprovar a criação do curso de graduação de
Engenharia Agrícola, depois de algumas reuniões no MEC com técnicos da USAID,
em 1974.
“...se você for, deixará de ser meu vice, mas, lá no MEC, em
Brasília, poderá fazer muito mais pelo nosso projeto de um dia nos
transformarmos em universidade”.
Esse diretor havia nos deixado com pouco mais de trinta dias
no cargo, pois falecera em acidente na rodovia, próximo a cidade de Oliveira,
quando voltava à noite de viagem de serviço a B.H. Isto aconteceu uma semana
antes de minha partida definitiva para Brasília e assim aquelas suas palavras
soavam mais que doloridas na alma, ali defronte ao prédio da Diretoria, o mesmo
onde recebemos o convite oficial e decidimos partir para Brasília em nova
misssão, com o aval da querida Escola.
Foi difícil
dizer adeus à velha e querida ESAL naquele final de manhã do dia 04 de agosto
de 1975. Mal contive as lágrimas, tamanha a emoção e ali estava sob a frondosa
árvore a contemplar a cidade emoldurada pela serra da Bocaina, no novo campus
que ajudara a construir... Muito orgulho, muito amor por tudo... Como foi
difícil dizer adeus para um lugar que me transformou, que me fez uma pessoa
melhor tanto na alma como profissionalmente. Alma enlevada, agradecida por
tudo. A semente plantada por Samuel Gammon prosperou, produziu frutos que
alimentaram a minha alma, os sonhos de um jovem e de muitos outros que por ali
passaram. Nela deixamos um pedacinho de nossa contribuição para o futuro de
nossos filhos e próximas gerações.
A expansão da
ESAL/UFLA nos 20 anos que antecederam a sua transformação em universidade foi
vertiginosa. O Plano Diretor elaborado por Paolinelli foi executado à risca e
ampliado em alguns projetos. Em 1994, vesperas de sua transformação em
universidade já contava com seis cursos de graduação e 15 de pós-gradução, além
de extraordinária ofera de cursos especialização na modalidade à distancia. O
diretor Jair Vieira explorou ao máximo as condições favoráveis do MEC que, à
época, assim que assumimos a diretoria do Ensino Agrícola Superior naquel
ministério, criou o Programa de Desenvolvimento deo Ensino de Ciências Agrárias
- PRODECA. Em curto espaço de tempo foram criados cinco cursos de graduação e mais
de uma dúzia de mestrados. Em 1989 iniciou-se o primeiro curso de doutorado. O
PRODECA financiou a contratação de 35 novos docentes e 115 colaboradores que
reforçaram os traabalhos de campo e laboratórios como suporte ao ensino e
pesquisa, reforçando e ampliando principalmente a pós-graduação. A execução
desse Programa do MEC foi muito bem sucedida na ESAL, graças ao empenho e
dedicação do coordenador local, Prof. Fábio Cartaxo que tunha larga experieência
na gestão acadêmica, pois acabara de exercer as funções de Diretor da ESAL. Outros diretores do período que antecedeu a
criação da universidade também cuidaram com afinco do desenvolvimento da Escola.
João Mrcio (79/83); Luiz Augusto (83/87), Juventino (87/91) e Silas
(91/96) que foi o último diretor da ESAL
e sob sua direção a Escola se transformou em Universidade, sendo nomeado pelo
MEC como primeiro reitor.
As décadas de 1960/80 foram marcadas por crises na Educação nacional, mas paradoxalmente repleta de oportunidades e nesse sentido a Escola teve intenso e marcante protagonismo. Tão logo chegamos ao MEC assumimos a direção do Ensino Agrícola Superior e de imediato incluímos a ESAL no I Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG e assim pôde usufruir dos planos setoriais dos sucessivos PND e outros, pois já havia, por pressão de Paolinelli e seus colegas da Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS, diagnósticos precisos sobre a situação do ensino agrícola do país. Havia poucos cursos de mestrado e apenas um único de doutorado em todo o país, no ano de 1970. Havia que se expandir a oferta e a Escola entrou firme nesse propósito. Foi a época da criação da EMBRAPA, implementada por ninguém menos que o novo Ministro da Agricultura, Alysson Paolinelli, o mesmo que planejou e promoveu o desenvolvimento da ESAL. Ao final de seu mandato como ministro, a EMBRAPA conseguiu contratar e treinar a impressionante marca de 972 mestres e 225 doutores, com extraordinário salto quantitativo e qualitativo nas pesquisas agronômicas.
Havia uma pedra no caminho da ESAL/UFLA
A
expansão dos cursos de pós-graduação na ESAL/UFLA obedeceu a todos critérios de
qualidade exigidos pelo MEC, mas em 1978 teve que vencer
dificuldades de cunho político, pois houve manifestação contrária da ESALQ/USP,
contestando a aprovação de cursos de pós-graduação em Lavras. Pelo ofício Nº
CPG-1062, de 27/09/1978, o Professor Ernesto Paterniani, Presidente da Comissão
de Pós-Graduação daquela Escola, de Piracicaba, questionou o CFE - Conselho
Federal de Educação, hoje Conselho Nacional de Educação, questionando as
autorizações do MEC para que a ESAL oferecesse cursos de mestrado. Dizia, dentre
outras, que “a Comissão de Pós-graduação
da ESALQ/USP considerava muito perigosa a proliferação de cursos de
pós-graduação em instituições que não contem com as condições necessárias para
a concessão desses títulos”. No entanto, tal questionamento provou-se
descabido em face às informações contidas no Memo. 318/78/UCAP/DAU/MEC que
reportou ao CFE, informando que todos os pedidos de autorização tiveram trâmite
normal pelo antigo Departamento de Assuntos Universitários- DAU, hoje
Secretaria de Educação Superior e que todos os processos de autorização dos
cursos de mestrado da ESAL/UFLA tramitaram pela Comissão de Especialistas de
Ensino, onde a própria ESALQ/USP tem assento. Informou, ainda o referido
parecer, que a ESAL/UFLA, possuía à época 73% de seus 189 docentes titulados
com mestrado e doutorado, cujo índice de titulação era considerado muito alto
em relação aos padrões nacionais da época. Por outro lado, na qualidade de
Diretor do Ensino Agrícola Superior do MEC, contra-argumentamos junto ao Departamento de Assuntos
Universitários, que, além da Escola de Lavras ter atendido a todos os critérios
de qualidade estabelecidos pelas normas ministeriais, ela detinha o maior
índice de qualificação docente de todo o país, com mais que o dobro da
média nacional (esforço de Paolinelli, a partir da federalização). Não bastasse
isso, tinha, ainda, elevada produção científica, com estreita colaboração com
órgãos estaduais e federais de pesquisa agropecuária como a EMBRAPA, EPAMIG e
convênios de cooperação com a SEAGRI/MG e
Ministério da Agricultura para o desbravamento dos Solos do Cerrado nos
programas de desenvolvimento do cerrado como o POLOCENTRO, do Ministério da
Agricultura. Mais surpreendente, ainda, destacamos em nota técnica ao Gabinete
do Ministro da Educação, era o fato de que a própria instituição reclamante tinha
assento na Comissão de Especialistas de Ensino - CECA, órgão de assessoramento
do MEC, responsável pelas análise de todas as demandas do ensino de ciências
agrárias, tendo esta Comissão aprovado por unanimidade os cursos de mestrado da
ESAL/UFLA.
Assim,
aquela manifestação descabida de um colegiado interno, mais nos pareceu, como
diretor do Ensino Agrícola Superior do MEC, uma simples questão interna
corporis e sem fundamento, até porque o diretor da ESALQ, Prof Salim Simão, estava sempre a elogiar o
desempenho da Escola de Lavras, a escola do Ministro Paolinelli, dizia ele e a
quem muito prezava desde o início dos anos 60, quando juntos trabalhavam
convencendo o MEC a aceitar o ensino agrícola que havia saído do M.A. Ouvimos suas
palavras elogiosas à Escola de Lavras, um ano antes, em 06/01/1977, quando comparecemos
em Piracicaba, numa solenidade da Congregação da ESALQ. Lá estávamos, o
Ministro Paolinelli, da Agricultura e o MEC (eu o representava), gratos às
palavras do então Diretor da ESALQ/USP, referindo-se à ESAL/UFLA. Retribuímos,
dizendo que a ESALQ/USP é uma das
pioneiras do Brasil e tem treinado técnicos em seus cursos de pós-graduação de
elevada qualidade e que os professores da ESAL/UFLA, em grande maioria,
obtiveram seus títulos de mestres e principalmente de doutores ali, em
Piracicaba. A ESALQ/USP apresentou-se entre as três melhores instituições
colocadas no programa PEAS/MEC no tocante ao treinamento de seus docentes em
cursos de doutorado nos EUA. Sempre foi parceira na melhoria da qualidade da
educação agrícola superior em nosso país e esteve presente no MEC ao lado de
Paolinelli na batalha no início dos anos 60, quando o Ministério teimava em não
acolher o ensino agrícola superior que
deixara de pertencer ao Ministério da Agricultura. Finalizando nossas palavras
em retribuição ao diretor da Escola de Piracicaba, manifestamos nosso orgulho e
satisfação pela ESALQ/USP integrar o corpo de assessoramento ao MEC, por meio da
Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências Agrárias-CECA.
Liderança da ESAL/UFLA no cenário nacional
Apesar
dos percalços políticos, a ESAL/UFLA sempre soube aproveitar e, mais que isso, inovar
e criar oportunidades. Foi assim desde seu início com cinco grandes
diferenciais:
-
Introduziu o modelo de ensino do Land Grant College, em contraposição ao modelo
francês de ensino academicista,
divorciado da pesquisa tecnológica agrícola e da difusão de tecnologias junto
aos agricultores
- Acolhida diferenciada de apoio ao aluno,
como fator positivo ao aprendizado
-
Introdução da Extensão Rural, influenciando, nesse sentido, o Ministério da Agricultura antes mesmo da
década de 1920 e em 1926, citada em livro do Ministério da Agricultura
- Ação política junto ao MEC, convencendo-o a “aceitar” a
gestão do ensino
tecnológico agrícola , anteriormente subordinado
ao Ministério da Agricultura
- Assessoramento permanente ao MEC na gestão do ensino
agrícola superior, desde
1961 e ocupando
cargos e funções de direção superior no Ministério a partir de
1974.
- Gestão/Diretoria de Avaliação, Expansão e Regulação da
Educação Superior,
período 2004/2008
Foi também da ESAL/UFLA, por intermédio de seu diretor, Paolinelli, o esforço junto à SEPLAN/PR para a aprovação de verbas adicionais para o ensino agrícola superior. A partir de 1974 o MEC alocou todo apoio, destinando verbas para as atividades do ensino agrícola superior. Administramos os staffs em Brasília e nos Estados Unidos (treinamos 250 professores brasileiros em programas de PhD em 32 universidades norte-americanas). Na sede do MEC contávamos com 20 técnicos e 10 membros da Comissão de Especialistas e nos Estados Unidos tínhamos um staff de 12 profissionais norte-americanos, sediados em nosso escritório na Michigan State University, sob nossa gestão e para onde nos dirigíamos periodicamente para acompanhar e despachar as questões pertinentes. Uma de nossas decisões que ficou marcada e aproveitada por outros órgãos financiadores de bolsas de estudos, foi a criação do doutorado-sanduiche, nome figurado para caracterizar a realização dos créditos de disciplinas lá na universidade norte-americana e a pesquisa para a tese, feita aqui no Brasil. Houve reação em contrário dos americanos até o momento em que dissemos não ser justo empregar dinheiro do Brasil em pesquisas no estrangeiro, quando sabemos que as condições de clima, água,solo, planta e animais são completamente diferentes. Não adianta, dissemos a eles, levar para o Brasil uma vaca leiteira do Wisconsin, que produz 50 kg de leite/dia. Lá, só produzirá 20 e morrerá atacada pelo carrapato e calor de até 40ºC, além do que não será capaz de digerir as duras fibras do capim tropical. Da mesma forma, as sementes de soja, trigo e milho daqui do Corn Belt sequer germinarão nas nossas condições climáticas e solo. Se germinarem, serão atacadas implacavelmente pelas doenças e pragas tropicais. Pesquisas e teses de nossos doutorandos têm que ser feitas no Brasil, com suas condições próprias de clima e solo. Concordaram, mas tivemos que pagar a estada e salários de dois meses de cada orientador norte-americano que aqui veio instalar os experimentos. Mas, valeu a pena, pois além de pesquisar nas nossas condições de campo, os aproveitamos para ministrar cursos de especialização para nossos docentes. Portanto, o chamado doutorado-sanduiche (créditos lá e pesquisa aqui) foi invenção genuina das ciências agrárias, no ano de 1976, nesse programa internacional do MEC.
O grande legado da UFLA à Educação Agrícola Superior
Nenhuma
outra universidade contribuiu tanto como a ESAL/UFLA e por tanto tempo na
gestão da Educação Agrícola Superior no Ministério da Educação. Os resultados
foram excelentes para todo o país. Além dos resultados listados acima, cabe
citar a criação da diretoria de ensino
de ciências agrárias, a realização de estudos de demanda de especialistas para
o setor agrícola, a execução do Acordo de Empréstimo da USAID destinado ao treinamento
no exterior (250 PhDs), criação de programas especiais – PEAS/Programa de
Educação Agrícola Superior e PRODECA/programa
de Desenvolvimento das Ciências Agrárias, para expansão do ensino de graduação
e pós-graduação, tendo a própria ESAL/UFLA também recebido recursos
substanciais neste último, com excelentes resultados propiciando
sua transformação em universidade pouco tempo depois.
Graças a
esses programas de apoio à área agrícola, o Brasil conseguiu quintuplicar, até
1985, em curtíssimo prazo, a oferta de cursos de pós-graduação. A oferta de
cursos era baixa em relação às necessidades do país, com apenas 24 cursos de
agronomia. Na Pós-Graduação havia somente 35 cursos de mestrado e 07
doutorado. A grande maioria (57%) se
concentrava na ESALQ/USP e ainda assim
com poucas áreas de especialização.
Todo esse
esforço foi coordenado no MEC por professores dessa centenária Escola de Lavras
e foi instrumento de alavancagem do desenvolvimento da produção e produtividade
agrícola, com exportações de produtos que alcançaram os primeiros
lugares no ranking comercial mundial. O legado que a ESAL/UFLA deixou ao país,
por meio de suas ações diretas e colaborações junto ao MEC, no período de
1960/2010, no âmbito da Educação Agrícola Superior, podem ser assim
discriminados:
·
Melhoria do planejamento e coordenação da educação
agrícola superior.
·
Melhoria dos órgãos de planejamento e administração
universitária.
·
Implantação de um sistema de cooperação
interuniversitária nacional e internacional.
·
Melhoria das bibliotecas de ciências agrárias.
·
Melhoria qualitativa e quantitativa do corpo
docente.
·
Expansão e consolidação dos cursos de Pós –
Graduação.
·
Expansão e consolidação dos cursos de Graduação
·
Apoio aos centros de tecnólogos em ciências
agrárias, recém criados no país.
·
Criação da Engenharia Agrícola no país.
·
Expansão Ensino de Aviação Agrícola
No curtíssimo
prazo de 1975/80, os professores da ESAL/UFLA, nas funções de gestão no MEC, contribuíram
para:
- Contratação
de 271 novos docentes (35 na ESAL/UFLA)
- treinamento
de 224 PhD nos EUA e no país,
254 Mestres (30 nos EUA),
76 Especializações
(56 nos EUA).
- 90
consultorias de universidades
norte-americanas
- 56,4
milhões de dólares (valores de 1975) aplicados no ensino agrícola superior
- criação e implantação de Centros de Ciências
Agrárias nas Universidades
Federais do Mato Grosso, Santa
Catarina, Acre, Paraíba, Alagoas e
Amazonas no período 1975/80.
Além desses
trabalhos concentrados em programas e financiamentos externos, a assessoria da
UFLA ao MEC se estendeu a toda a Educação Superior brasileira, por meio do
Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades – REUNI, que se iniciou
no começo dos anos 2.000 e se estendeu por mais de dez anos. Neste programa a
UFLA foi amplamente beneficiada em igualdade de condições com as demais
universidades e pode expandir seus cursos e ampliar significativamente seu novo
campus. Ainda no campo de trabalhos da UFLA no MEC, cabe lembrar que em 1976,
diante das dificuldades de se criar um curso de Agronomia na Universidade do
Amazonas, o Prof João Márcio de Carvalho Rios, Professor Titular da
ESAL/UFLA ,foi cedido ao MEC para a implantação do curso de agronomia em
Manaus, onde permaneceu por três anos e contratou alguns ex-alunos do curso de
mestrado de Fitotecnia da ESAL/UFLA para iniciar o ensino agrícola naquela
distante e carente região que não contava com nenhum curso da área agrícola.
Outra grande
contribuição da Esal ao MEC, foi a efetiva participação na criação da Engenharia
Agrícola no país, com destaque para a introdução da Aviação Agrícola que ainda
hoje é mantida e até há um exemplar histórico de uma aeronave agrícola
estacionada ali no campus ao lado dos
anfiteatros da antiga Engenharia Rural.
Como visto, pode-se afirmar com segurança que o
desenvolvimento da ESAL/UFLA no período 1975/81 foi inteiramente baseado no
programa PRODECA/MEC. Isto porque o país atravessava período de escassez de
investimentos e as universidades foram bastante prejudicadas com duros
contingenciamentos de verbas orçamentárias. No período 1975/81 foram aprovados pelo
MEC, os cursos de Engenharia Agrícola
(1975), Zootecnia (1976), Tecnólogo em Administração Rural (1976), Engenharia
Florestal (1980) e Licenciatura em Ciências Agrícolas (1981). Após o término do
PPRODECA, o contingenciamento de verbas do MEC prosseguiu e a ESAL/UFLA teve
que esperar 11 anos para criar um único curso de graduação, a Medicina
Veterinária, em 1992. O mesmo aconteceu com a expansão da pós-graduação, pois
até 1976 eram cinco cursos de mestrado e os próximos, de Fitossanidade (1984) e
Genética e Melhoramento de Plantas (1986) também tiveram que esperar longo
tempo para serem iniciados. Além desses avanços na oferta de cursos, o
PRODECA propiciou a construção da primeira ala da nova Biblioteca e ampliação
de seu acervo em mais de 21.000 livros e 2.800 títulos de periódicos, Também o
primeiro restaurante universitário, salas
de aula dos departamentos de Agricultura e de Engenharia, galpão de máquinas, Salão
de Convenções e usina de beneficiamento de sementes também receberam apoio do
PRODECA. Com esses investimentos foi possível dobrar o número de alunos,
passando de 500 (1975) para 1.000, em 1981.
Houve notável e vertiginosa expansão da ESAL/UFLA depois de sua federalização. Mesmo antes, a velha Escola Agrícola de 1908 já causava mudanças no Agro brasileiro. Samuel Rhea Gammon, Benjamim Harris Hunnicutt e John Wheelock foram os pioneiros. Nos anos de 1960 surgiu Alysson Paolinelli, o “trator” que empurrava e arrastava a todos. Revolucionou a ESAL e criou as bases para ser elevada à categoria de Universidade. Porém, mais vertiginosa, foi a sua contribuição dessa Instituição de Ensino ao desenvolvimento da Educação Agrícola Superior em nosso país. Influenciou o MEC na criação de políticas para esse setor e assim promoveu-se o grande desenvolvimento da ciência, da pesquisa e da extensão rural, alçando nosso país ao topo da produção e produtividade agrícola mundial.
9- A transformação em Universidade, a luta nos bastidores e uma cafeteira no caminho
As inovações que o jovem Engenheiro Agrônomo Benjamim Harris Hunnicut trouxe ao implantar a Escola Agrícola de Lavras, fez toda a diferença na abordagem da ultra conservadora e tradicional escravagista agricultura brasileira de então. O prof. Hunnicutt revolucionou as práticas agrícolas na região e introduziu a grande novidade da época, a Extensão Rural. Promoveu exposições agropecuárias , lançou o jornal O Agrário, levando ao agricultor os ensinamentos das técnicas agrícolas, além de criar um posto zootécnico para o melhoramento genético e introdução de novas raças de rebanhos bovinos e suínos. Essa inovações causaram grande interesse dos fazendeiros de então, pois nunca tinham sido contatados, procurados em suas fazendas. A fama da Escola Agrícola de Lavras percorreu o Brasil inteiro. Para cá acorriam estudantes de todas as regiões do país, do norte, nordeste, centroeste e sudeste principalmente. Seus formandos se espalharam e passaram a ocupar postos chaves no Ministério a Agricultura e nas redes estaduais e municipais dos serviços então conhecidos por Fomento Agrícola. A Esal sempre primou no trato e atenção a seus estudantes. A tradição norteamericana foi trazida para cá, o incentivo aos esportes, bolsas estudos, alojamento e alimentação, tudo enfim que pudesse proporcionar um ambiente acolhedor, propício ao desenvolvimento acadêmico dos estudantes. Inclui-se neste rol de acolhimento, as festividades anuais de celebração da Semana da UFLA, quando se comemora, como hoje, o aniversário de sua fundanção. Tradição secular, que todo aluno incorpora, admira e prestigia a cada ano. Presenciei essas atividades acolhedoras aos estudantes, lá nos EUA, na Michigan State University, onde trabalhei como coordenador geral do programa do Ministério da Educação de treinamento de mais de duas centenas de professores brasileiros em cursos de PhD distribuídos por todo aquele país. Anualmente, na cerimônia do Commencement, que marca o inicio do ano letivo, no começo do verão, quando também a universidade gradua seus formandos (com a presença dos novatos, para incentivá-los). Premiavam-se aqueles que se destacaram na academia, nas artes, cultura e nos esportes. Cerimônia realizada em estádio aberto, lotado, com shows de fanfarras e suas indefectíveis balizas com lindas coreografias e torcidas organizadas, com desfiles de atletas, premiações e lógico a cerimônia solene de graduação propriamente dita, com os alunos orgulhosamente trajando suas becas. Um orgulho para a universidade e as famílias. Não pude deixar de me emocionar ao lembrar-me das festividades da Semana do Instituto Gammon, celebrada anualmente, no mês de agosto, onde havia o desfile de fanfarras com shows de balizas fazendo malabarismos à frente, competições esportivas, entrega de medalhas. Sentia-me em casa com aquelas cerimônias naquele distante país, onde residiam as raizes da nossa velha ESAL/UFLA. A diferença que sentia ali, e dolorida, era a falta do Hino Nacional e o hasteamento do auriverde pendão da esperança, acostumados que estávamos em nossa Pátria. Foi ali, assistindo e me emocionando com aquelas lindas cerimônias, que, mais uma vez, entendi e compreendi o quanto Samuel Gammon amou a Terra Prometida de Lavras, para onde levou, implantou e cultuou essas tradições de acolhimento aos estudantes e demonstrações de carinho e respeito às suas famílas. Acolher, reconhecer, valorizar, prestigiar e premiar aqueles que se destacaram é uma forma de se cativar para sempre os ex-alunos. O Instituto Gammon trouxe esse sadio costume para Lavras e a cidade ganhou fama de ótimas escolas e acolhimento especial, fazendo marcante diferença entre outras cidades universitárias .
Mas porque falar da tradição gammonense/esaliana
de acolhimento aos estudantes, neste tópico referente à transformação da ESAL
em Universidade? Simplesmente porque esse saudávle costume teve influência no
processo de transformação da Escola em universidade. Foi uma epopéia, iniciada
em 1960, quando Alysson Paolinelli, ao ser contratado como professor, ali mesmo no ato de sua formatura, em dezembro
de 1959, estabeleceu como meta a federalização da ESAL e a criação de bases para sua trenaformação em
universidade. A Escola foi federalizada em 23/12/1963 e transformada em
universidade pela Lei 8.956, de 15/12/1994. Nesta transformação em
Universidade, a história registra os protagonistas, com destaques para o
diretor Silas Costa Pereira que, à época
conduziu brilhantemente a questão junto ao MEC, onde nos encontrávamos
exercendo funções de Diretor de
Avaliação, Expansão e Regulação das Universidades Federais. Aquele ano de 1994
foi bastante tumultuado para a Educação Superior (novamente a turbulência na
Educação). O MEC decidiu fechar o Conselho Federal de Educação que , segundo o
ministério, “transformou-se num balcão de
negócios”. Assim, a Secretaria de Educação Supeior do MEC ficou encarregada de
administrar a “massa falida” de todos os processos que ali tramitavam. Não eram
poucos, passando pela autorização de cursos, reconhecimentos dos cursos de
graduação, sem o que as instituições de ensino não podiam expedir diplomas.
Como diretor de Avaliação, Expansão e Regulação das Universidades Federais, nos
transferimos para a sede do CFE e durante quase dois anos, gerenciamos as
centenas de processos pendentes, de todas as modalidades, das Engenharias à
Medicina, Direito, Letras, todas enfim. Comissões de Especialistas se reuniam
mensalmente e apreciavam os processos. Aprovados, eram encaminhados em seguida para
homoligação da SESU e do Gabinete do Ministro para consequente expedição dos
atos legais. Neste período o Ministro da Educação, Murilo Hingel, era o mesmo que
aprovou a transformação da ESAL em Universidade. Ainda que o CFE estivesse
funcionando e sob nossa direção, foi dispensada a tramitação do processo de
transformação da ESAL em Universidade naquele Conselho, pois seu plenário havia
sido destituído, conforme decreto do Presidente Itamar Franco. Esta situação perdurou
por longo tempo, pois o novo Conselho somente foi criado pela Lei 9.131, de 24
de novembro de 1995, com a nova
denominação de Conselho Nacional de Educação-CNE/MEC.
Foi nesse período de fechamento do CFE que lidamos, no MEC, com o processo
de transformação da ESAL em universidade. O processo tramitou pela Câmara dos
Deputados e guardava apreciação no Senado Federal. Constantemente eram
solicitadas ao MEC informações de toda ordem, do orçamento, cursos e programas
de ensino e pós-graduação, alunado e pesquisas. Caminhava lentamente, embora o
diretor Silas estivesse sempre atento. Um pouco antes, em junho de 1993,
acompanhamos o Ministro da Educação, Murilo Hingel em sua primeira viagem à
ESAL. Oriundo da Unversidade Federal de Juiz de Fora – UFJF, queria conhecer o
compus da ESAL. Fomos recebidos pelo Diretor Silas Costa Pereira, no aeroporto
de Lavras, antigo campo de aviação, pois ainda
não existia o aeroporto da Baunilha, asfaltado. Presente também o
Secretário de Educação Superior – SESU/MEC, Rodolfo Pinto da Luz. Lá estavam,
também, a nos receber os Professores Canisio Ignácio Lunkes e a Professora
Marília Amaral Lunkes, dirigentes do Centro Universitário de Lavras -
UNILAVRAS. A visita tinha por objetico mostrar ao Ministro as condições da Escola
que pleiteava sua transformação em universidade.
Foto 2 – Sessão Solene de instalação da UFLA, dezembro de 1994- Lavras - O novo Reitor empossado, Silas Costa Pereira, Ministro Murilo Hingel; Alysson Paolinelli e Paulo Roberto da Silva, diretor de Avaliação e Expansão das Universidades Federais/MEC. Fotos- arquivos UFLA
O processo
caminhava lentamente no MEC e no Senaddo Federal. Havia resistências de toda
ordem, não somente técnica e financeira, mas, principalmente jurídica, pois
aquela forma de criação de universidade, por transformação de uma escola
isolada (faculdade), autarquia federal, nunca tinha sido feita antes. Hibernou
por longo tempo no MEC, na assessoria jurídica que não ousava inovar e no
Senado Federal, onde também tramitavam outros processos semelhantes. Dalí
deveria surgir a lei de transformação. No Senado Fedral o Senador Epitácio
Cafeteira avocou para si a responsabilidade de analisar aquele lento processo
da Escola de Lavras. E por que o nobre Senador maranhanse fizera isto?
Gratidão, amor e simpartia pela Terra dos Ipês e das Escolas. Tão grato que até
mudou seu sobrenome em homenagem ao falecido irmão que lá estudara no Gammon e
na ESAL, graduando-se em Agronomia no ano de 1944. O Senador não estudou em
Lavras e tampouco ali residiu, mas sim, seu saudoso irmão Francisco Affonso
Pereira. Havia uma cafeiteira no meio
dessa história, dissemos no subtítulo deste capítulo! Quando estudante no
Gammon, o maranhense (nascido na Paraiba) Francisco Affonso Pereira tinha o
hábito de andar com uma cafeteira e onde estivesse a depositava sobre a mesa ou
ao lado da carteira em sala de aula.
Parecia um gaúcho com a inseprável bomba de chimarrão. Por esse hábito não
usual, de sempre carregar uma cafeteira, ganhou o afetuosos apelido de Chico
Cafeteira. Terminou seus estudos no Gammon e matriculou-se no primeiro ano do
curso de Agronomia da Escola Superior de Agricultura de Lavras e para lá
carregou tambéma a cafeteira e o apelido. Graduou-se Engenheiro Agrônomo em
1944 e como prova de gratidão doou à Escola uma estatueta em bronze da deusa
Ceres, a deusa da Agricultura. Essa estátua encontra-se cadastrada no Museu
Bi-Moreira. Chico Cafeteira radicou-se em Lavras, casando-se
com uma moça de tradicional família da cidade e dedicou-se à atividade
agropecuária. Mas, foi colhido menos de dois
anos depois, por grave problema de saúde e veio a falecer prematuramente aos 26
anos de idade. Seu irmão, Epitácio, veio a Lavras cuidar dos funerais, Ouviu,
viu e constatou o quanto seu irmão era querido na cidade. O carinho recebido
desde a acolhida no internato do Gammon e depois na ESAL, a família
querida que ele constituira,
deixando a esposa viuva e órfã a filhinha
recém nascida. Conheceu a história do apelido, cafeteira, dado a seu irmão e
até nisso ficara patente a acolhida carinhosa a seu querido mano, que partira
tão precocemente. Epitácio saiu de Lavras sensibilizado com as manifestações de
amor a seu irmão, carinhosamente conhecido pelo apelido e muito bem integrado à comunidade,
tendo, inclusive, atuado como treinador de atletismo no L T C – Lavras Tenis
Clube. Anos mais tarde Epitácio entrou na
política e tomou uma decisão inédita: mudou seu nome para Epitácio Cafeteira, usando,
assim, o carinhoso apelido que seu irmão tivera em Lavras. Foi assim que conhecemos esse Senador em Brasília
e que foi amigo de Lavras, onde, ocasionalmente visitava sua única sobrinha que
ficara órfã muito cedo.
O Senador Epitácio Cafeteira ao ver
o nome de Lavras como interessada, cidade gravada com afeto em seu coração,
tomou a si o processo que tramitava no Senado Federal e pôs-se a analisá-lo. De
imediato requereu “regime de urgência” na tramitação. Conseguiu. Agendou-se sua
discussão para a sessão plenária do dia
06/12/1994. Lá estávamos, ao lado do diretor Silas Costa Pereira e outros
amigos lavrenses também residentes em Brasília. Era uma terça feira de grande
expectativa quanto à apreciação do PL 4772/94 - ESAL, que já havia sido aprovado pela Câmara
dos
Deputados. Seria
Foto 02- Senador Epitácio Cafeteira, em almoço de homenagem na cidade de Lavras, em 2002. Ali buscou e adotou o apelido “Cafeteira”, atribuído a seu irmão pelos colegas estudantes. Nascido Epitácio Affonso Pereira, passou para a política com o nome de Epitácio Cafeteira, adotando definitivamente o carinhoso apelido acadêmico de seu irmão. Fotos: arquivos família Cafeteira
aprovado o “regime de urgência” de votação para esse PL? Como se desenvolveriam as discussões diante da tramitação paralela de outro projeto semelhante, o da Escola Paulista de Medicina-E.P.M que havia caminhado junto ao da ESAL na Câmara dos Deputados? A forte e grande bancada paulista, como reagiria ao pedido de urgência do colega maranhense? E se pedissem vistas? Para nossa surpresa, aprovou-se o pedido de regime de urgência para a apreciação do PL relativo à ESAL. Não havia mais motivos para o temor de algo dar errado ou tivesse a provação postergada. O PL 4772/94 foi aprovado e transformado em lei. Nove dias depois foi promulgada pelo Presidente Itamar Franco e publicada no Diário Oficial- DOU: Lei 8.956, de 15/12/1994.
Aquela
terça feira, ali no Plenário do Senado Federal, foi um dia de muita apreensão
mas logo compensada pela alegria e surpresas. Não imaginávamos tantas
manifestações elogiosas e favoráveis por parte dos Senhores Senadores. Eduardo
Suplicy, de São Paulo, defensor de outro peojeto de lei, o da transformação da
Escola Paulista de Medicina em Universidade, nas mesmas circunstâncias de
Lavras, foi um dos mais eloquentes na defesa da transformação da ESAL em
Universidade, demonstrando profundo conhecimento sobre o seu desempenho e valor
para o país. Outros se manifestaram igualmente e nenhuma objeção foi
apresentada por qualquer outro Senador. Encerrada a sessão, procuramos assessores parlamentares e com
eles conversamos sobre a grata surpresa de só ouvir elogios à ESAL, sem nenhuma
objeção sequer. Desses relatos o Senador Epitácio Cafeteira se sobressaiu na
campanha em prol de Lavras, ali no
Senado, em favor do PL de transformação da ESAL em Universidade. Ao tomar
conhecimento do projeto, o ilustre Senador tomou a frente junto ao relator e
fez o trabalho de convencimento a todos os demais pares. Presenciamos as
discussões no Senado Federal, desde a apresentação do relatório pelo relator
substituto até as intervenções de cada senador inscrito na Ordem do Dia e que,
efetivamente se manifestou em plenário. Eduardo Suplicy ao proferir seu voto,
teceu elogiosas considerações sobre a Escola e a tradição de Lavras na
educação. Além das declarações no ato de se votar, se inscreveram outros
senadores: Júnia Marise (MG), Ronan
Tito (MG), Jarbas Passarinho (PA), além de Epitácio Cafeteira, autor do pedido
de regime de urgência na votação. Este, falou com tanto entusiasmo e amor à
cidade de Lavras e à própria instituição ESAL, que mais parecia um mineiro do
que maranhense. Só faltou dizer que seu nome Cafeteira não era de batismo, mas adotado,
do apelido de seu amado irmão Chico Cafeteira, brotado dos corações de seus
colegas do Gammon e da ESAL , nos idos de 1940/44. Mais uma vez restou demonstrada que a
acolhida do Gammon e da ESAL fez diferença. O Senador Epitácio Cafeteira deu
mostras de sua gratidão ao carinho que a cidade havia devotado a seu irmão.
Aqui cabe,
portanto, uma pergunta, por que vinham alunos de tão distantes regiões do país
para estudar em Lavras? Eu mesmo tive
colegas do Rio, Espirito Santo, Mato Grosso, Rio Grande do Norte e São Paulo. Pela
excelência de seu ensino, é a resposta! Encontramos evidências que justificam
essa boa fama. Primeiramente pela divulgação natural dos trabalhos dos dedicados missionários norte-americanos.
Em segundo lugar, o próprio Ministério da Agricultura a reconhecia como centro
de excelência no ensino, pesquisa e a inovadora extensão rural, trazida dos
Land Grant Colleges. Em 1926, Arthur Torres Filho, diretor do Fomento Agrícola,
do Ministério da Agricultura, escreveu e publicou no Rio de Janeiro o primeiro
livro sobre a formação de técnicos na área da agropecuária, “O Ensino Agrícola
no Brasil – seu estado atual e a necessidade de sua reforma” e nele defendia a
metodologia dos Land Grant Colleges que
vinha sendo praticada de forma pioneira na Escola de Lavras, desde sua
fundação, cerca de 18 anos antes da publicação do citado livro. Assim a
reputação da ESAL, na primeira metade do século 20, já era bastante difundida,
atraindo estudantes de todas as regiões, especialmente do nordeste e centro-oeste
do país. Bem mais tarde, já nos
anos 60, entrou em ação outro líder de grande empatia e que fez o Brasil
inteiro conhecer a Escola de Lavras, Alysson Paolinelli. Paralelamente, corria
a fama de ótima acolhida em Lavras. O espírito gammonense, aquele jeito
especial de bem acolher os alunos,
trazido da cultura norte-americana, produziu frutos. Com tantos elogios e
demonstrações de carinho à cidade e sua gente, ali naquela sessão plenária do
Senado Federal, pudemos imaginar quanta história ali estava presente. Ninguém
da comunidade lavrense e nem mesmo os colegas estudantes de agronomia do
período de 1941 a 1944 imaginaram que aquele apelido “cafeteira”, atribuído ao
acadêmico Chico Affonso, pudesse um dia ser lembrado com tanto carinho por
alguém que adotou aquela mesma alcunha e se lembrou de retribuir o amor à
Escola, à cidade que um dia acolheu seu irmão.
A cafeteira usada a tiracolo naquela Escola dos anos 40, trouxe, portanto, muitas consequências. Primeiramente o carinhoso apelido dado a seu portador e depois a mesma alcunha adotada por seu irmão, político influente que, em impressionante gesto de amor, retribuiu, 54 anos depois daquele batismo do jovem estudante, forasteiro em Lavras, com o ato de aprovação da Universidade daquela cidade que tão bem acolhera seu saudoso irmão. Nossas homenagens aos irmãos Cafeteira, Chico, o ex-aluno do Gammon e da Escola Superior de Agricultura de Lavras e Epitácio, o senador que acelerou os trâmites e ajudou a aprovar a lei que criou a Universidade Federal de Lavras. Ambos os irmãos, da distante terra de São Luiz do Maranhão, contribuíram de forma amorosa e efetiva para o desenvolvimento da Terra dos Ipês e das Escolas. A cidade precisa lembrá-los, como benfeitores que nela semearam o amor. Agora, melhor dizendo e corrigindo o subtítulo deste capítulo, havia não apenas uma, mas duas “cafeteiras” nessa história de bastidores da mais importante instituição da cidade. Samuel Gammon, foi a pessoa mais importante que passou em Lavras. Não à toa, chamou-a de “A minha Terra Prometida pelo Senhor” e ali jurou viver todos os dias de sua vida, acolhendo a todos que buscavam o saber. Esse costume da acolhida prevaleceu até mesmo naqueles que nem lá estudaram ou viveram, mas tiveram familiares ali acolhidos com amor. Uma cafeteira foi lembrada, mais de cinquenta anos depois e serviu de motivo para retribuir o amor recebido.
10- Conclusão
Esperamos
que essa longa narrativa dos bastidores da história antiga da Universidade
Federal de Lavras tenha servido para a compreensão de seus valores. Cento e
dezesseis anos são decorridos desde a sua fundação em 1908. Esse patrimônio
técnico, científico e cultural aqui representado pelo lindo Campus e
principalmente pelos seus docentes, alunos e colaboradores, tem um valor
inestimável e é respeitado no país inteiro e no mundo. Os rankings oficiais aí
estão a comprovar a sua qualidade. A criação da Pós-graduação stricto sensu foi
consequência natural do esforço de todos. Sinto-me imensamente honrado por ter
tido a felicidade de ter sido aquele a quem a comunidade confiou a tarefa de aqui criar e implantar,
mesmo com todas as dificuldades da época, lá se vão 50 anos, os primeiros
cursos de mestrado nesta Universidade. Agora, graças aos esforços de todos que
contribuíram para esse objetivo e em especial aos atuais gestores, professores,
alunos e colaboradores que aqui estão desempenhando esse papel, a nossa
Universidade se destaca no cenário nacional e internacional pela essência de
sua qualidade, comprovada por avaliações oficiais.
A
História da ESAL/UFLA é longa e maravilhosa, nasceu do amor na causa
missionária dedicada à Glória de Deus e ao Progresso Humano. Muito há ainda que
se escrever, falar e exaltar sobre s
saga dessas notáveis figuras que atuaram e se dedicaram com afinco na missão de
se criar as bases para que a Escola fosse transformada em Universidade. Deixo
aqui o meu apelo para que o reitor Scolfaro apoie a publicação de livro que
estamos terminando de escrever, onde abordamos como testemunha ocular e simples
coadjuvante, todo esse período que antecedeu ao ato de transformação da ESAL em
Universidade Federal de Lavras. O título escolhido para essa obra será: ESAL/UFLA - 1960/90: da
crise ao renascimento e transformação em Universidade
Finalmente, nossos parabéns ao
mestrando da milésima tese, Venicius Urbano Vilela, defendida recentemente e
hoje aqui presente para receber as honrarias. Parabéns ao seu orientador, prof.
Dr. Everson Reis Carvalho. A Pós Graduação na UFLA continua rendendo bons
resultados para o desenvolvimento agrícola de nosso país. Parabéns!
Nossa homenagem póstuma ao Prof.
Márcio Bastos Gomide, um dos signatários daquela afetuosa carta de despedida
que recebemos em agosto de 1975, quando ele iniciava, como um dos pioneiros o
curso de mestrado de Fitotecnia. Homenagem esta que prestamos pela 1ª tese de
mestrado por ele defendida na ESAL/UFLA
em 18/11/1976. Nosso abraço de gratidão e reconhecimento pelo seu
trabalho, que dirigimos a seu filho, Prof. Dr. Lucas Rezende Gomide, aqui
representando a família.
Parabéns ao doutorando
Antônio Alves Soares, pela primeira tese
de doutorado, defendida em 15/0281993 e
a seu orientador, Dr Magno Antônio Patto
Ramalho.
Parabéns à autora da 600ª tese
de doutorado, Silvana Ramlow Otto Teixeira da Luz e seu orientador,
pesquisador, Dr. Gladystone Rodrigues Carvalho.
Parabéns ao Prof Adriano
Bruzzi, Pro-reitor de Pós Gaduação, que nos sucede 50 anos depois e que tem
honrado nossa conceituada instituição perante o mundo acadêmico e de pesquisa do
Brasil e no exterior. Sucesso!
Parabéns a todos os alunos, professores, orientadores
de teses, colaboradores e dirigentes que fazem desta Universidade o orgulho de todos nós e da nação brasileira,
onde desponta como uma das melhores, segundo avaliações do MEC.
Orgulho de ser UFLA! Conhecer a história é valorizar o
presente para olharmos o futuro com otimismo e confiança. Façam diferença na
vida... dediquem-se
com amor ao trabalho! Somente isso
importa ao final da vida. O amor é o maior tesouro que temos e o melhor legado
que podemos deixar e levar dessa vida. Aqui vivi os melhores dias de minha vida,
sempre pautado nos ensinamentos dos mestres desta Casa. Sou grato, por estar
aqui hoje, dirigindo-lhes essas palavras. Permitam-me, ao final dessa longa
narrativa, dizer-lhes que discordo daquele conselho de um filósofo:
“Nunca volte ao lugar onde você viveu e foi feliz, pois o que você procura não está mais lá..., o tempo”.
Ora, o tempo passado aqui está presente! Eu o trouxe
junto comigo, ao relembrar tudo o que aqui passamos, fizemos, planejamos e
plantamos juntamente com os antigos colegas, alguns dos quais aqui presentes e
já citados. Estamos colhendo o produto dessa seara que plantamos. O Tempo está
aqui, o tempo presente com suas presenças que acreditaram no passado laborioso
e agora continuam essa obra. Esse tempo
não foge, contrariando uma vez mais outro ditado, tempus fugit. Mas a
Saudade é cruel, dizem outros. Não é, não! A Saudade é o amor que fica. E
por isso é boa para a alma. Todos nós que aqui estamos hoje, viemos expressar o
nosso amor, o amor que ficou durante a vida inteira na construção dessa grandiosa
obra, que se chama UFLA. É o amor que está presente, de todos, aqui e agora, em
momento de sublime alegria das famílias e de cada um de nós que estamos
contribuindo para a Glória de Deus e o Progresso Humano, como bem expressou e
testemunhou o fundador dessa grande obra, Samuel Gammon.
Amém! Glorioso e venturoso futuro para todos
vocês. Amém e amém...!
Muito feliz por estar aqui e
presenciar o amor, a dedicação de todos nessa grande obra. “Curti” muito o
trabalho que aqui desenvolvi. Foi um trabalho que produziu frutos. E tenho
colhido muitos deles ao longo desses anos, onde quer que tenha estado, ou
esteja, como aqui, hoje. Volto para minha casa com a alma confortada, rejuvenescida. Eterna gratidão!
Obrigado, ESAL/UFLA! Sucesso sempre, pois este
Estabelecimento aqui foi plantado sob o lema do grande missionário, Samuel
Gammon: Dedicado à Gloria de Deus e ao Progresso Humano. E tem sido assim!
Brasília/Lavras, 05 de setembro de 2024 - 116º aniversário de fundação da UFLA
Prof. Paulo Roberto da Silva
paulosilvadf@gmail.com
whats...
61-98122 1523
Fotos históricas:
Novo campus - década de 1970
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