sábado, 29 de abril de 2023

PORQUE GOSTO DE SÃO PAULO

Crônica de um menino mineiro, das Lavras do Funil, dependente        atávico da cultura, ciência e tecnologia da pauliceia. Escrita a bordo o Boeing 737-300 PP-VOX   (VARIG),  decolando  de  Guarulhos rumo a  Brasília  em  06/12/96.  Neste ano São Paulo comemorou 442 anos. Parabéns   para   os  paulistas   em  especial  para  duas         paulistinhas, gêmeas,   minhas   filhas,    que   hoje    moram   no planalto 



Minas Gerais e sua gente estão ligadas a São Paulo não apenas pela extensa linha de fronteira ou pela rodovia BR-381, que une as duas capitais, mas sobretudo pela herança cultural e econômica. Foram os bandeirantes Fernão Dias Paes Leme, Diogo de Fonseca, Borba Gato e outros tantos pioneiros que iniciaram a verdadeira colonização dos sertões das Gerais. Embrenhando por rios e florestas, vencendo as íngremes montanhas, em busca do metal reluzente e outras pedras preciosas, plantaram a cada 20 ou 30 km um novo povoado. Essa era a distância máxima que se conseguia vencer em um dia, a pé e com a tropa de carga de víveres, armas, sementes e ferramentas. Foi assim que surgiu a progressista cidade de Lavras, hoje verdadeiro polo educacional. O vilarejo nasceu como “Arraial dos Campos de Sant´Anna das Lavras do Funil”, no início do século XVIII (1712/20), rico em veios e lavras de ouro, quase às margens do Rio Grande, a 380 km do Planalto de Piratininga, berço dos bandeirantes. Foi ali, em Lavras, que meu penta avô, Manoel da Costa Vale, imigrante português, nascido na região da cidade do Porto, se estabeleceu  em 1750, vindo de Guaratinguetá-SP, aonde chegou por volta de 1720. Passado o ciclo do ouro, iniciou-se, no século XIX, o ciclo do café. Mais uma vez a presença dos paulistas foi marcante na cultura e na economia das Gerais. Os coronéis e os barões do café do Vale do Paraíba imigraram para Minas e lá plantaram raízes culturais e do café que lhe garantiram prosperidade. 


Nas Lavras, fundada e colonizada pelos paulistas, nasceu o menino que foi criado à sombra dos cafezais, cavalgando mangalargas marchadores pelas fazendas de café e leite, tradição herdada dos desbravadores e indutores do desenvolvimento daquelas região do sul de Minas. O menino cresceu ouvindo “causos” e estórias sobre a cidade grande de São Paulo, para onde se dirigiam os parentes fazendeiros para vender café, queijo, manteiga e comprar “novidades”, principalmente automóveis (Buick, Mercury) e caminhonetes (GMC, Chevrolet, Ford) e até mesmo as primeiras televisões no final da década de 1950, quando foram lançadas.

 

            Terminado o ciclo do café, os paulistas invadiram o sul de Minas com suas possantes rádios emissoras que, nas décadas de 1950 e 60, faziam muito sucesso com os programas de música caipira (hoje, sofisticadamente chamadas de “Country Music”) das rádios Bandeirantes, Tupi e Record (esta se situava na Rua das Palmeiras, no centro da cidade, conforme anúncio para atrair o público para seu auditório). E tome lavagem cerebral. Os paulistas vendiam de tudo pelo rádio, como as pílulas De Lussen, Passa-já, Emulsão de Scott, cursos à distância do Instituto Universal Brasileiro e, naturalmente, os encantos da cidade grande, a Eldorado, o sonho de toda a gente interiorana.

 

            Em seguida surgiu a TV, e quem chegou primeiro? Em Lavras, foi a TV Tupi-canal 4, de São Paulo, em 1959. Havia uma única tevê, instalada na loja do Sr. Haical Haddad, em frente à majestosa igreja Matriz. Depois veio a TV Record com a Jovem Guarda de Erasmo e Roberto Carlos, Wanderléa, Roni Von, Roni Cord, que onda! Que festa de arromba para as cabecinhas feitas nas ondas do iê iê iê que vinham em preto e branco nas tardes de domingo diretamente dos auditórios paulistanos.

 

            Não havia como fugir da influência e fascínio de São Paulo. Se na infância os adultos povoavam as cabecinhas com os “causos” e estórias da metrópole, logo em seguida chegaram as rádios com seus programas interioranos e, por último, na adolescência do menino das Lavras, os “tremendões” da TV Record. No way... não tinha jeito...., São Paulo dominava completamente. Sua pujança econômica, com a Av. Paulista (a nossa Wall Street) sediando as grandes corporações empresariais, bancárias e industriais, o comércio, o MASP e o domínio cultural com suas apresentações de espetáculos. No way... Não tinha jeito, mesmo!

 

            Minha primeira visita a São Paulo foi no início da década de 1960, em trânsito para Londrina-PR. Aproveitei o pouco tempo da “escala técnica” aventurando um passeio, a pé, até o Vale do Anhangabaú, Viaduto do Chá,  Av. São João e só, mais não ousei. Gostei e prometi voltar. Depois, em 1963, por indicação de um respeitado líder religioso de Lavras, Pe. Miguel Moretti, passei uma semana num cursilho da C. J. C. - Comunidade de Jovens Cristãos, no Convento dos Freis Dominicanos, da Rua Cayubi, bairro das Perdizes. Nesse endereço, poucos anos depois, mais precisamente em novembro de 1969, os órgãos de repressão metralharam o guerrilheiro Carlos Marighela, um dos principais organizadores da resistência contra o regime militar. A hospedagem do menino, em sua segunda viagem, foi no CRUSP- Centro Residencial da USP, recém-inaugurado no Campus do Butantã, às margens do Tietê. Embora tenha apreciado e aprendido bastante nesse estágio de uma semana, a visita mais marcante foi quando o menino foi premiado por ter sido o melhor aluno da disciplina de Solos e Adubação, do curso de Agronomia da ESAL/UFLA. A premiação foi muito proveitosa, uma bolsa-estágio na Companhia Paulista de Adubos-COPAS, a maior e mais importante produtora de insumos agrícolas. Foram 30 dias de visitas à unidade industrial de fertilizantes e propriedades rurais de produção hortifrutigranjeira no cinturão verde da capital em Mogi das Cruzes, Suzano, Osasco, Taboão da Serra, e outros. Chamou a atenção do então jovem acadêmico, a diversidade de cultivos em reduzidas áreas de terras e o alto grau de tecnologia utilizada pelos paulistas, geralmente descendentes de japoneses. Para um mineiro acostumado às monoculturas de café, milho ou gado de leite em grandes fazendas, era um “espanto” se conseguir tanto, em tão pequenas áreas, o suficiente bastante para permitir a aquisição de carrões e mais, viagens de toda a família para visitar os parentes na longínqua terra do sol nascente a 20.000 km.

 

            Ainda nesse estágio visitamos também grandes fazendas de café, milho, cana e citros na região de Ribeirão Preto, Bebedouro e Colina, sempre acompanhados por técnicos experientes.  Assim o menino enriqueceu seus conhecimentos e habilidades técnicas, pois nunca vira antes tal escala de produção, quer na indústria ou na agricultura propriamente dita. Bem, mas nem só as técnicas agronômicas encantaram o menino. Levou de volta para a casa a paixão gostosa de uma meiga e jovem adolescente que, ainda hoje, a tem em boa reminiscência, pois morava no bairro de Santo Amaro, próximo ao autódromo de Interlagos onde se hospedara. Fabíola, era seu nome, mas o destino quis que ela partisse para sempre, prematuramente.

 

            No período de faculdade, nas Lavras do Funil, houve excursões técnicas pelo estado de São Paulo, no Instituto Butantã, onde se produziam vacinas, passando pelo Instituto Agronômico de Campinas-IAC, ESALQ-USP-Piracicaba, Ibec Research Institute - IRI/Matão com pesquisas de gado de corte e Fazenda Canchim/São Carlos. Tomar contato com os expoentes da pesquisa científica e os avanços da tecnologia agrícola naquelas instituições foi, sem dúvida alguma, um acréscimo considerável à sua bagagem técnico-científica. Embora o curso superior de Agronomia se localizasse em Minas, num centro de excelência, recebia, ainda, muita influência paulista, quer no treinamento pós-graduado dos professores ou mesmo através da bibliografia técnica, quase toda produzida pela ESALQ-USP e IAC-Campinas. Mas, ainda na faculdade, o garoto voltou a São Paulo para, em nome da turma de formandos, contratar uma orquestra para abrilhantar o baile de formatura. O chique naquela época, em Minas, era buscar orquestras famosas em São Paulo. Lá se foi o menino, “o jovem empresário de eventos”, a serviço dos colegas de faculdade. Contratamos uma boa orquestra, o conjunto Super Som T.A. que agradou bastante no baile de formatura da ESAL/UFLA, naquele ano de 1967. E assim se fechou o ciclo. Anos e anos de aculturação paulista através dos ancestrais, da família, rádio, TV e finalmente da academia com os estágios técnicos. Daí, a nota em epígrafe, referindo-se ao autor. Mas, ainda não é tudo.

 

            Recém-formado, onde trabalhar? Tendo sido selecionado por uma grande corporação multinacional do ramo de fertilizantes, com sede no cruzamento das Avenidas Ipiranga e São João, para trabalhar em marketing/vendas/extensão rural, recebeu, também, convite e indicação para trabalhar no ramo de planejamento agroflorestal e paisagismo, em outro local, na capital mineira, optou, por questão de perfil profissional, para as atividades de planejamento. Mas, mesmo nesse emprego nas Gerais, não tardou muito e, logo em seguida, aterrizava em Congonhas a bordo do Super Viscount da VASP, de prefixo PP-SRD, para executar sua primeira tarefa profissional na capital paulista. Inenarrável foi a emoção daquele menino dos rincões das alterosas contemplando, do alto, toda a grandiosidade e majestade da metrópole paulista. Ao retornar, no dia seguinte, e contemplando novamente da janela do avião aquele cenário grandioso do Tietê serpenteando o vale e o aglomerado de arranha-céus, sentiu uma ponta de orgulho profissional e pessoal, por ter obtido sucesso na missão que ali acabara de desempenhar. Tudo que fez, viveu e aprendeu tinha muito a ver com isso e agora, deixara ali o primeiro resultado, o primeiro produto de anos e anos de sonhos e dedicação aos estudos. Sentiu-se realizado. Mas, a vida profissional do menino que se tornara engenheiro estava apenas começando. Se por um lado era imensamente grato a seus pais que lhe propiciaram os estudos e aos mestres que lhe ensinaram, não podia deixar de ser grato aquela metrópole, aos paulistas, pelos laços atávicos e pela cultura técnico-científica ali adquirida ao longo de toda sua vida. E tudo isso passou-lhe pela cabeça ao sobrevoar a cidade numa doce e grata despedida.

 

            Na década de 1970, já como professor da Universidade Federal de Lavras, o menino-engenheiro empreendeu muitas viagens a São Paulo para equipar laboratórios, bibliotecas ou mesmo para visitas de intercâmbio na USP. Mais tarde frequentou o curso de pós-graduação de Engenharia Hidráulica e Saneamento, na Escola de Engenharia de São Carlos, da USP, com várias incursões nas estações de tratamento de águas e efluentes da cidade de São Paulo, no bairro de Pinheiros. De São Carlos trouxe, de volta à Minas, além do diploma de pós-graduação da USP, duas filhas que nasceram no mesmo dia, de um frio inverno que teve a noite mais longa do ano, segundo a manchete do jornal Folha de São Paulo, recortada e guardada como lembrança do maior presente que São Paulo lhe dera.

 

            Os laços com São Paulo não são apenas atávicos, culturais e científicos. Há sempre um enorme prazer em ali chegar, seja num voo panorâmico de helicóptero ou nos mais de 300 pousos e decolagens nos aeroportos de Guarulhos e de Congonhas para missões oficiais nas áreas da educação superior, pelo MEC e também na supervisão do exercício da profissão da Engenharia, Arquitetura e Agronomia, como Conselheiro Federal do CONFEA A passeio o prazer é igual e para quem pense o contrário, São Paulo é dos melhores lugares para uma semana de férias, pois ali estão os maiores museus culturais, casas de espetáculos, shoppings e exposições nacionais e internacionais. Em qualquer época do ano sempre haverá atrações para todos os gostos. No trabalho, pelas atávicas raízes culturais, o menino sente um gosto diferente, nunca uma obrigação, sempre um prazer renovado estar no meio da gente laboriosa, progressista e pioneira de quase 450 anos de história.

 

 São Paulo/Brasília, 06 de dezembro de 1996

     

Paulo das Lavras

                                    (publicada em 29/04/2023)



 São Paulo, Parque do Ibirapuera,  visto da janela do avião pousando em Congonhas 
Foto do autor – abril 2023


 Naquela gelada madrugada da mais longa noite de inverno, de 21 de junho de 1972, chegaram minhas lindas gêmeas. A manchete daquele dia, do jornal Folha de São Paulo, aí está, mas nem percebi o frio, tal o grau de aquecimento da alma. Meus laços com São Paulo aumentaram, tornando-se indeléveis.


 De São Paulo para Lavras com duas lindas gêmeas que lá nasceram. 
Foto do autor- Lavras 1974

 









 Terra-mãe de minhas filhas gêmeas. Sempre que ali vou, busco as tradições portuguesas 
Foto do autor- abril 2023


 Museu do Ipiranga – São Paulo 
Foto: Internet

 




 

 











 










                                                                                                                       

                                                                       

                                                                                                                                                                                                                   

                                                                   


Nenhum comentário:

Postar um comentário