sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Meus começos e meu fim – uma vida secreta

 

Natal, época de congraçamento e oportunidade para presentear os entes queridos. E tome livros..., presentes não faltaram e a estante está abastecida por um bom tempo. Mas, o que tem a ver isso com o título desta crônica? Com esse título acima, o jornalista e escritor Nirlando Beirão, falecido em abril deste ano de 2020, aos 71 anos, vitimado por doença degenerativa, a Esclerose Lateral Amiotrófica- ELA, escreveu parte de sua própria história. Mês seguinte a imprensa divulgou seus livros. Em tempos de pandemia e quarentena de reclusão em casa, a leitura é o melhor remédio. Logo adquiri esse livro recomendado, e tão bom, o reli nessa semana. Nele, o autor conta a saga de seu avô, um jovem ex-padre português, Antônio Beirão, que veio para o interior de Minas Gerais, cuidar das almas na pacata cidade de Oliveira, bem próximo à minha cidade natal. Nem tanto cuidou das almas, pois logo se apaixonou por uma bela donzela, cuja casa frequentava para almoços dominicais. A jovem, Esméria Miranda, futura avó do autor do livro, “se encantou pelo padre de batina preta e trocou o amor divino pela paixão terrena”, desafiando a própria fé, conforme descrito no livro de seu neto, curioso que pesquisou toda a sua vida. Belíssima história de amor que venceu preconceitos, mas custou elevado preço social a toda a família. O casal fugiu para o Rio Grande Sul, deixando para trás sua história, um segredo que pairaria como uma sombra sobre as futuras gerações informa-nos o prefaciador da obra. Assim, o autor já nos últimos anos de sua vida com finitude já determinada pela cruel doença degenerativa, nos conta com detalhes aquela bela história com incursões sobre o próprio passado, suas dúvidas e o pesado silêncio imposto pela família em relação aos avós. Contou também de sua relação com a doença e suas percepções sobre a vida, ainda que num momento muito doloroso do estágio degenerativo do insidioso mal que minou sua saúde e o colheu prematuramente. De fato, uma bela história para ser lida e relida, o que, aliás, fiz agora, apenas seis meses depois da primeira leitura do livro “Meus começos e meu fim”.

Se por um lado a história dos avós é bonita e emocionante, por ter sido vivida no início do século passado, refletindo muita coragem resiliência e imenso amor, não menos interessantes são as conclusões do autor em meio a tantos conflitos sobre o segredo de família. Termina o livro com um capítulo intitulado “Uma última mentira” e o abre com as palavras de Clarice Lispector:

“Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece.”

Nirlando Beirão explica que as palavras acima contêm um silêncio. Ele próprio buscou frases que fizessem sentido à narrativa de fatos que aconteceram com seus avós, mas foram apenas sussurrados em murmúrios de mistérios, porém foram reais e ainda há testemunhas. Prossegue o autor..., “contei mentiras ao longo da vida...”, e mais adiante explica que essas mentiras encobrem, entre o trapaceiro e o trapaceado, uma coisa chamada Amor! E continua: “Mentiras, eu disse, mas, assim como vovó e vovô se preveniram, escondendo a verdade de seus atos, também me alberguei no abismo dos silêncios e no labirinto do subentendido”. Às vezes pensamos que enganamos os amigos, ainda que em nome do amor, na ânsia de preservar-lhes um dissabor ou decepção, mas, não, eles nos conhecem. Os amigos do Beirão lhe disseram: “ah..., você não vai revelar nada de sua vida (no livro), você vai é se esconder atrás da história de seus avós”. Humildemente ele reconhece que seus silêncios foram premeditados, lacunas de covardia, omissões às vezes ignominiosas, mas, por outro lado e com magnanimidade na alma, atribui às mentiras de seus avós, que chamou de silêncio ardiloso, o aval das circunstâncias. E num gesto de plena e amorosa reconciliação consigo mesmo, explica que eles, os seus avós, acuados pela verdade criada pelos outros, criaram, portanto, a sua própria verdade – íntima, segredada, com certeza doída, difícil de compartilhar, impossível de explicar, pois infringia os costumes, “as verdades da época”, pois foi construída ao calor de cada dia no improviso do amor.

             E como a responder aos amigos que lhe criticaram, dizendo-lhe que esconderia as verdades de sua vida atrás da bela história de seus avós, ele respondeu que iniciou o livro com a euforia de deslindar o mistério de sua família, mas terminou-o com a frustração cabisbaixa de quem encontrou, na angústia de um grito seco, seu limite humano e existencial. “Sou o que está aqui (escrito e vivido), nada além disso. Romper com a asfixia do silêncio foi o que tentei. Era o máximo que conseguiria fazer”. Mas, Beirão fez muito mais. Foi um guerreiro que lutou contra a E.L.A por quatro anos e nos últimos dois anos escreveu e legou-nos o livro com essa maravilhosa história de amor. Acho, sinceramente, que os amigos que o interpelaram a respeito das verdades sobre sua vida, devem estar encantados com a reposta que ele nos deixou.  

            Lendo uma história assim, com profundas imersões nos conceitos filosóficos da vida e crueza no tratamento literário de sua insidiosa doença, o autor nos leva a acreditar que quando estamos acuados pelas “verdades dos outros”, resta-nos agir com a mesma arma. Criar a nossa própria verdade que, nas pessoas de bem, está sempre estribada no amor. Desde muito aprendi que o homem é produto do meio – frase do filósofo Jean-Jacques Rousseau, um dos maiores expoentes do iluminismo, que se baseou no princípio de que a natureza humana é boa.  Sim, nascemos puros, mas nos tornamos escravos do nosso tempo, de seus costumes e circunstâncias, cheios de hipocrisias, onde nem sempre as versões daqueles costumes de época refletem a verdade, mas apenas uma convenção local. 

Certamente deve ser por isso que há tantos segredos de família, como esse do casamento de um padre, verdadeiro tabu, sobretudo entre os imigrados de Portugal, último reduto europeu da associação entre a Igreja e o Estado. Assuntos constrangedores, os ditos “Segredos de Estado”, por exemplo, têm sua divulgação proibida por cinquenta anos, tempo suficiente para que se sucedam gerações e os protagonistas já tenham nos deixado para sempre. No âmbito familiar a demora pode ser um pouco maior. Eu mesmo só vim a descobrir pequenos segredos de família aos 70 anos, quando iniciei pesquisas genealógicas, chequei datas e entrevistei anciãos de mais de noventa anos de idade. E com que prazer nos contaram histórias cabeludas, como a desatar um nó atravessado na garganta, um segredo guardado consigo mesmo até as quase finitude de seus dias. Mas não só os nonagenários gostam de nos contar os causos e causos, pois os amigos de infância e juventude, também já calejados pelo status quo que insiste em viver na hipocrisia, sabedores de nosso projeto de escrever sobre as figuras e fatos de nossa terra, enchem nos ouvidos com as mais estranhas e inesperadas histórias de até então insuspeitos cidadãos e cidadãs. Parentes ou simples conhecidos com inúmeras histórias de amor, disputas por heranças e até mesmo, nesse campo, com pequenas trapaças de quem mais tarde passou a impressão de cidadão mais probo do mundo. Pura hipocrisia. É compreensível, pois faz parte da natureza humana.

O autor Nirlando Beirão acertou ao dizer que o melhor caminho, quando se está acuado pelas “verdades dos outros”, é agir com a mesma arma, criando a sua própria verdade que, nas pessoas de bem, está sempre estribada no amor. Assim são os segredos de família. E devem ser respeitados. Dar tempo ao tempo ainda é o melhor remédio nesses casos. Mas, há um limite e no caso da história dos avós, descoberta e pesquisada com afinco pelo autor do livro e já passados cem anos ele se viu premido pelas circunstâncias de seu precário estado de saúde. Assim que recebeu o terrível diagnostico da insidiosa doença, tratou logo de escrever a “sua” história, sua versão para publicá-la, desvendando de vez o tão guardado segredo familiar – filhos e netos de padre. Ainda pôde ver seu livro sair do prelo e receber a crítica elogiosa do publico e colegas das letras. Atitude corajosa, pois a maioria prefere deixar recomendação expressa aos parentes para só publicarem suas memórias post mortem. E quando alguém mais afoito se atreve a publicar uma biografia não autorizada, principalmente quando o protagonista ainda em pleno gozo da vida, o processo judicial é certeiro, seja por parte do protagonista principal ou mesmo de alguém citado no enredo, nem sempre muito santo, ou melhor, quase sempre. Pois bem, este Menino das Lavras tem registros de sobra, desde criança, nas mãos do Dr Jacintho Scorza, que o operou e salvou de uma gravíssima pleurite, aos dois anos de idade. Até os anos atuais de 2020, lá se vão mais de setenta anos contados em crônicas (umas 200 já publicadas em blog e outras 300 aguardando a vez..., e quem sabe, talvez esperar mais uns 20 anos após o post mortem, especialmente os casos de espionagens estrangeiras na área de recursos da fauna e flora amazônica, quando expulsamos de nosso país um espião travestido de executivo universitário).

À parte os casos pitorescos, quanto mais recentes, mais interessante se torna a história, pois, à moda de Rubem Alves e do próprio Beirão, muitas delas incluem em cada etapa da vida, reflexões que derivam de ligeiros ensaios sobre literatura, filosofia e história, sempre com o foco na Vida. É interessante notar que muitos autores e em especial o filósofo Rubem Alves, nos levam a concluir que a alma dos velhos e das crianças brincam no mesmo tempo. As crianças ainda sabem aquilo que os velhos esqueceram e têm de aprender de novo: que a vida é brinquedo que para nada serve, a não ser para a alegria! Não à toa, quando distantes de sua terra, dos doces anos da infância, todo velho almeja voltar para lá, ainda que em forma de cinzas a serem semeadas sobre o solo natal. Não permita Deus que eu morra sem que eu volte para lá, cantou em prosa e versos o poeta Gonçalves Dias, em sua belíssima Canção do Exílio. É a vida, e escrever sobre o delicioso passado é o elixir que nutre nossa alma.

Assim você poderá ir longe na vida, muito além do horizonte, batalhar, conquistar seu espaço, mesmo que em algum desses lugares o céu não brilhe tanto para você e pareça escuro. Mas, diz a sabedoria que às vezes a ausência de luz é necessária para que a valorizemos. É na escuridão, no vazio do pensamento, que residem as melhores reflexões que nos conduzem à valorização do amor, das amizades às pessoas. Na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo e não a partir do outro. Ao perceber isto, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um. O certo é que nunca estamos sós.  Embora distantes, sabemos que podemos voltar para a casa. E sempre podemos voltar de onde quer que estejamos, para junto dos entes queridos que, embora ausentes fisicamente, estão permanentemente em nossos corações. Não há solidão quando se tem família e amigos. A boa companhia de um livro também faz bem à alma. E agora, Natal, é época de celebrações e em meio à atual pandemia, nada melhor que o seio da família, com os filhos, netos e agregados. Tim-tim... à vida. Saúde..., e bons livros para enlevar a alma.

Um abraço para os amigos e...

Feliz Natal!

 

Brasília, 25 de dezembro de 2020

Paulo das Lavras


 
Boa leitura..., recomendo aos amigos que gostem e apreciam uma boa história de vida. 


 
Em época de quarentena obrigatória, por conta do Covid-19, nada melhor que a leitura de bons livros. Devorei 21, sendo que dois foram relidos, incluindo este descrito na crônica. Apenas um desses deixou a desejar em matéria de conteúdo.


 Aonde tiver lançamento de livros..., vale a pena ir, conversar e atualizar-se na literatura. Aqui, nesta foto, por ocasião do lançamento do livro “JK – Momentos decisivos”, em Brasília, com a presença de outro lavrense, Paulo Octavio, patrocinador da obra.


 
Uma escritora, de Perdões, aos 96 anos (2017), Prof.ª Alba de Rezende Bastos, contando sua história de educadora e da sua cidade. Em breve (março de 2021) ela estará completando 100 anos de vida. 
Foto: arquivo da família Rezende Bastos


 Assim como há escritoras aos 100 anos, há também escritores-mirins, de apenas 10 anos de idade, escrevendo, em inglês, sobre a pobreza nas ruas.


 ... incentivados que foram a revelar suas habilidades desde os seis anos de idade. O homem é produto do meio... e o menino seguirá no caminho que lhe for ensinado..., diz o Provérbio bíblico

 ... da mesma forma, a netinha de sete anos, adora a leitura e agora, aos 13 a leitura em inglês


 
... e o avô foi, voando..., a 1.000km de casa, assistir ao lançamento de um livro no Hotel Vitória, em Lavras, sua terra natal.


 
 ...outro lançamento, de coleção de livros infantis, da escritora Miriam Leitão, no Ministério da Educação e Cultura. Ali trabalhei por 35 anos em meio a livros e mais livros e seus autores. Um grande privilégio participar de lançamentos e discutir, presencialmente com os autores, em todas as áreas do conhecimento, da literatura, medicina, engenharias e demais áreas do saber. 


 
 O escritor Augusto Curi fez palestra e autografou seus livros, em Brasília.  Livros riquíssimos em conteúdos humanísticos. Sim, com certeza os livros são nossos companheiros inseparáveis, especialmente em tempos de reclusão com distanciamento social obrigatório.


 Em meio a tantos livros,  minha terra, a Terra dos Ipês e das Escolas, também tem vários sobre a sua própria história. 


 
Com a grande escritora gaúcha, Martha Medeiros e seu livro “Feliz por nada”. Bienal do Livro, em Brasília.

Vamos embora, lá, pegar um livro...? Aproveite o isolamento em casa, o melhor lugar para se ler. Não tem ainda o livro desejado? As compras on line estão bastante ágeis, com entregas em até três dias.  

 



 



 







 


 




 



 



 





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