quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Saudade mata?


Dizem que sim. Saudade mata! Não sei, mas que dói, dói..., e muito. Mas, também acho que depende do modo de vida, a vida que você levou ao longo de todo o tempo. Quando criança brincava muito, vida livre em grande chácara, onde tudo era permitido até mesmo caçar passarinhos, rãs, preás e pescar lambaris. Assim foi minha vida de criança nos idos da década de 1950. Mais tarde, já no curso ginasial e colegial, tomei gosto pelos estudos e com os destaques nas notas esse gosto aumentou e ao final, a ponto obtive a melhor classificação no vestibular da velha e famosa Esal/Ufla. Passada a fase de estudante veio a vida profissional e novamente abracei com afinco e muita dedicação a nova profissão.  E aqui vale aquele ditado, escolha a profissão que você goste e ao final, não parecerá que você tenha trabalhado, mas sim amado a vida como resultado de sua dedicação, pois tudo terá sido prazeroso. E hoje, mais de 50 anos depois da formatura profissional, olho para o passado e sinto-me orgulhoso daquilo que tive ou pratiquei na infância, juventude, vida familiar e social e no trabalho profissional. 

Mas, porém, todavia, entretanto, contudo, não obstante, ainda assim e embora adore olhar, relembrar o doce passado, isso traz e nos obriga a carregar uma enorme carga de sentimento e, por isso mesmo entra a saudade matadeira. Mas, tudo é muito relativo, depende muito do que você gostava de fazer e sobretudo quem você carrega no coração. Dizem os especialistas que a saudade em vez de matar, pode trazer a cura, fazendo a vida valer a pena. E é mesmo! Minhas saudades são reminiscências das passagens mais gostosas da vida, aí incluindo-se não só os fatos e eventos que marcaram minha alma, mas principalmente as pessoas queridas que, por longo tempo com elas convivi e aprendi a viver e escolher uma profissão. E esse tipo de saudade não passa nunca, pois sempre há algo ou alguém, dos quais estamos sentindo falta. E quase sempre dói e dói muito. Um exemplo, quando passo de avião a dez mil metros de altura sobre a cidade natal e a vejo aninhada entre a serra da Bocaina e o Rio Grande. Os quinze ou vinte minutos restantes do voo, para a chegada ao aeroporto do Rio de Janeiro, passam num piscar de olhos, tal a intensidade da imersão da mente que destrava o subconsciente e faz rolar um longo filme das melhores e saudosas recordações da infância e juventude ali vividas. Interessante notar que quanto maior a distância no tempo e espaço – vivo a 1.000 km e há 44 anos distantes da terra natal – maior o sentimento de se reviver todo o passado que se descortina ali, na sua mente, destravado e desencadeado que foi com a visão real do local onde se viveu. Mas, esse dourado exílio em distantes terras dá ferroadas implacáveis com doloridas reminiscências, que somente são aplacadas com as lambidas no doce da vida. E há, por ventura, melhor “doce” do que rever a terra natal? Ah..., nem preciso aqui invocar os poemas de Olavo Bilac, Guilherme de Almeida ou Gonçalves Dias para se comprovar isso. Os poetas têm razão. Quer ver? Sei medir as montanhas, apenas com uma visada, melhor que as planuras de Brasília, embora nestas tenha residido a maior parte da vida. 

Mas, afinal, a saudade mata? Repito, não sei, depende..., mas que dói, dói..., e muito. E muito mais pelos entes queridos, daqueles que já se foram, principalamente a quem não pudemos dar ou receber um último adeus, como minha mãe, meu pai e por último um dileto amigo, colega de magistério na universidade. Dói, dói fundo na alma a falta daqueles que amamos. Saudade não passa nunca..., e então o bicho pega prara valer. Mas, há ainda um consolo como bem expressou o poeta, "A distancia é intrigante. Tem quem fique distante ao nosso lado e quem continue ao nosso lado mesmo distante". A saudade, a solidão, são apenas companheiras de viagem. Diz a sabedoria que, às vezes, a ausência de luz é necessária para que a valorizemos. É na escuridão, no vazio do pensamento, que residem as melhores reflexões que nos conduzem à valorização do amor, das amizades às pessoas, com a certeza de que nunca estamos sós, pois embora distantes, sabemos que podemos voltar para a casa, nosso lar, refúgio e fortaleza. Assim é a infância, nosso passado. Ela é, por essência, a nossa casa. Nela podemos adentrar pelos escaninhos da alma, a qualquer instante. 


Rever o passado e suas imagens é como explicam os psicólogos, lembrar-se exatamente do local e eventos onde estivera muito tempo antes. É uma característica de nossa mente que “grava” com maior intensidade aquilo que foi marcante em nossa vida. É a chamada memória cintilante. Agora, potencializada com a emoção de rever, presencialmente, os espaços físicos daquela época, muitos ainda preservados no original. Revê-los é como disparar, destravar o subconsciente que tudo gravou..., pura alegria, doce sentimento! E nesse sentido a saudade é o amor que fica, para sempre. E se está conosco, então posso afirmar que a saudade não mata, a saudade é Vida e ter saudade da infância é ser feliz!

Que venham as saudades, pois são sinais de que fomos e somos felizes no amor que fica em nossa alma!

Brasília, 28 de fevereiro de 2019

Paulo das Lavras. 





 A saudade pode se transformar em fonte de cura que faz a vida valer a pena.
Assim dizem os especialistas. E rever as montanhas de Minas, de fato é um remédio
 para quem vive distante da terra natal.
Foto: Ronaldo Leonardo Renoir - cidade de Lavras e serra da Bocaina - 2019





Sei medir as montanhas, apenas com uma visada, melhor que as planuras de Brasília,
embora nestas tenha residido a maior parte da vida.
Foto do autor – Serra de Igarapé, caminho da terra natal


A antiga Escola Superior de Agricultura de Lavras- Esal, estudante de 1964/67, hoje Ufla
Foto: arquivos de Renato Libeck


50 anos depois, comemorando a formatura.
Foto: Gilnei Duarte – setembro 2017


Paul McCartney, autor de Penny Lane, letra que canta a saudade de sua rua,  diria para essa foto: essa foi uma “lambida” sensacional no doce da vida. E foi mesmo!
Senti até o cheiro da viagem de Lavras à Itaúna, na maria-fumaça que soltava fagulhas de carvão e impregnava os vagões de passageiros com o cheiro característico. Eram 16 horas de longo percurso, saindo  da Estação Costa Pinto, às 17:00h para só chegar no dia seguinte às 9:00h da manhã,
 em 507 km de ferrovia. O internato no Seminário esperava pelo menino e foi um longo ano...

Foto do autor – São Lourenço/MG – 2014








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