terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Uma história de Natal, diferente e real

Não, não é um conto de ficção. É uma história real, acontecida em casa e cujos resultados engrandecem a alma, proporcionando-nos a alegria de compartilhar e apoiar aos mais necessitados. Dois episódios cujas ações e efeitos marcaram a família para sempre. Manhã de 15 de novembro de 1999, no feriado nacional que comemorava os 110 anos da Proclamação da República, desembarcou em nossa casa um tio de minha esposa que até então morava em São Paulo. Veio acompanhado por dois sobrinhos, um de Belo Horizonte e a outra de Penedo-RJ.  Os primos explicaram que havia uns três meses transferiram o tio Orlando, por motivos de saúde, para a bucólica e turística cidade de Penedo. Idoso, não se adaptou ao local e foi levado para a casa de sua irmã em Belo Horizonte. Não ficou uma semana sequer e declarou que queria ir para Brasília, para a casa de sua sobrinha querida. Aqui chegou nessas condições e sob cuidados dos sobrinhos, pois em São Paulo o porteiro reportara algumas vezes que o Sr Orlando, morador solitário, por mais de 50 anos no mesmo prédio, começava a apresentar, esporadicamente, lapsos de memória. Decidimos acolhê-lo em definitivo. Em poucos meses seu estado de saúde se agravou com o Alzheimer se instalando e debilitando suas funções vitais. Depois de muito tempo sob nossos cuidados o Senhor o levou para o descanso eterno. 

Ainda naquele ano de sua chegada, duas semanas depois, nos deparamos com uma matéria em jornal, de grande circulação da capital federal, dando conta que um missionário chegara do Piauí e trouxera uma menina de 10 anos, cega e com dificuldade de locomoção. Entramos em contato com o missionário e o convidamos para vir à nossa casa para que pudéssemos leva-la à clínica oftalmológica de um médico amigo e vizinho de longos anos. Dia seguinte ao chegar para o almoço encontrei a família em alvoroço e comoção com uma criança no colo. Embora tivesse estatura própria dos dez anos de idade, mas muito magra, deixando transparecer subnutrição, a ponto de não se sustentar de pé, se comportava como um bebê de apenas dois anos. No colo ficava a abraçar a gente, passando a mão pelo nosso rosto como se quisesse identificar a pessoa. Deliciava-se com as guloseimas, especialmente os chocolates. Verdadeiro bebezinho que diante da situação nos levava, a todos, às lágrimas. Um ser totalmente dependente, carente de amor, do simples toque, um abraço apenas. Tinha dificuldade na fala e além da total deficiência visual estava muito debilitada. Logo em seguida a levamos ao médico. Entretanto este nos disse que nada poderia ser feito para a recuperação de sua visão. Havia lesões internas irreparáveis, agravadas pelo extremo grau de subnutrição. Uma pena. Ficamos todos comovidos e esperançosos de que a superalimentação oferecida pelo pastor e os cuidados médicos pudessem recuperá-la e voltar para a sua casa.

O missionário arrecadava doações para celebrar o natal daquelas crianças paupérrimas, do distante município de Santa Luz, no estado do Piauí. Foi então que decidimos, toda a família, arrecadar fundos para a compra de brinquedos, roupas e artigos de primeira necessidade. Surpreendentemente, o Sr. Orlando sacou uma vultosa quantia de dinheiro e disse que também queria ajudar no natal daquelas crianças carentes, cuja coleguinha estivera em nossa casa e a todos comovera. Compramos muitos, mas muitos brinquedos, roupas, calçados e ainda arrecadamos mais. Embalamos cada pacote de presente contendo brinquedos, guloseimas, roupas e enfeites alusivos ao natal. Ao final o missionário alugou um caminhão baú e partiu para o sertão do Piauí alguns dias antes do natal, abarrotado de doações que conseguira. Deu-me uma vontade enorme de acompanha-lo, juntamente com os equipamentos de irrigação que faziam parte da carga natalina e orientar a produção agrícola que seria possível desenvolver a partir de então. Mas, as obrigações do trabalho no Ministério da Educação não me permitiam ausentar do trabalho e por aqui não temos o ano sabático, como nos EUA, onde os profissionais podem se ausentar para outras atividades.

Encomendamos ao missionário que nos trouxesse fotos das festas natalinas e o nome de uma família, da zona rural, à qual pudéssemos contribuir com uma bolsa alimentação. E assim o fizemos por mais de uma década. Mas, das fotos e dos casos contados pelo missionário que voltou à Brasília, o mais interessante, além do sucesso do caminhão do Papai Noel que chegou abarrotado de presentes à pequena comunidade e fez a alegria de todos, foi o caso de um menino que estava doente e não pode comparecer à distribuição dos presentes de natal. Os organizadores tiveram o cuidado de guardar um dos pacotes preparados em nossa casa. E eis que, logo que pode, correu em busca do prometido e tão esperado presente. Mas, ele veio acompanhado de um amiguinho, de longe, e que também não estivera ali no dia da festa.  O que fazer se só havia um pacotinho de resto? Por sorte, em cada pacotinho destinado aos meninos, minha família havia colocado dois lindos caminhõezinhos, além das guloseimas e outros mimos. Assim, as organizadoras locais não tiveram dúvidas. Abriram o pacote e o dividiram ao meio. Cada qual saiu todo alegre com seu bonito caminhãozinho... Essa foi a parte que mais nos tocou e muito nos gratificou. Lógico, durante os anos seguintes repetimos a ação. Mas, já no ano seguinte o Sr Orlando, grande colaborador dessa obra, não podia mais participar, indo às compras dos presentes para as crianças. Ele também se tornara uma criança que exigia 24 horas de cuidados. Viveu em nossa casa, cercado de atenção e carinho, por mais oito anos. E essa, a experiência de cuidar de um idoso, foi também a mais emocionante lição de vida que aprendemos. Encheu-nos de humildade e compreensão de que é preciso plantar para colher. Nada mais fizemos do que retribuir-lhe o amor que dedicara à sua sobrinha querida e mais tarde aos nossos filhos, crianças amadas por ele desde que nasceram em São Paulo, estado que ele adotara desde que foi admitido na Secretaria da Fazenda de MG, na representação do Escritório de Exportação de Café.

Criança é uma joia que Deus coloca em nossas mãos. E o idoso é como uma criança, disse o poeta e filósofo Rubem Alves. Nossos natais, desde então, nunca mais foram  os mesmos. Aquela criança, de apenas de 10 anos e profundamente carente em todos os sentidos e o idoso, solitário, tal qual uma criança carente e que buscou abrigo e aconchego em nossa casa, tocaram fundo nossos corações. Agora é época de ligar para o missionário, receber notícias e confirmar a chegada dos presentinhos. 

Façamos uma criança Feliz neste Natal. 

Boas Festas

Brasília, 22 de dezembro de 2015


Paulo das Lavras



Poinséttia, ou bico de papagaio, com suas cores vermelha e verde, símbolos do Natal 


 
De volta para o Piaui... Em 2008, Marta, uma dos sete filhos da família que
adotamos, veio nos visitar.  Foi muito bom recebe-la e ouvir os progressos da
humilde família da castigada zona rural do município de Santa Luz



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