sábado, 6 de abril de 2013

Longínquo e inesquecível Sete de Setembro em um Colégio de Lavras
 
Pe. Raimundo desfilando com os meninos em 7 de Setembro de 1957


 

O menino das Lavras adorava os desfiles do Dia da Pátria. Acostumado desde cedo a ouvir os acordes do Hino Nacional e os toques protocolares dos militares do 8º Batalhão de Infantaria, alimentava o sonho de um dia também desfilar. Nos ensaios da tropa, com banda militar, a desfilar pelas ruas vizinhas, lá estava com sua turma a marchar logo atrás dos garbosos soldados. Não perdia os desfiles solenes de Sete de Setembro admirando os militares e os meninos dos dois únicos colégios existentes na cidade – o Gammon e o Aparecida, impecavelmente uniformizados com calça (comprida...!) azul marinho e camisetas brancas. A empolgação era grande ao ver a ordem unida da tropa do Tiro de Guerra 0264, unidade do Exército na cidade. O tintilar dos fuzis nas manobras dos atiradores e o barulho característico das coronhas batendo, simultaneamente no paralelepípedo ao comando de “descansar arma” fazia o menino vibrar com o estrondo metálico que ressonava longe.

Seu sonho se realizou ao completar 12 anos. Concluiu o curso primário e matriculou-se no curso compacto, de férias, do Curso de Admissão ao Ginásio, do Colégio N.S. Aparecida. Em março de 1957 já estava cursando a primeira série de curso ginasial e em breve realizaria seu sonho de infância: desfilar com uniforme do colégio no Sete de Setembro. Para isso muito contribuiu um dos dirigentes e professor do colégio, o querido e admirado pela sua simpatia, Padre Raimundo Weilherman. Além de suas boas e atrativas aulas de religião em que nos ensinava as passagens bíblicas como ninguém, ele gostava de nos levar – os novatos - para ensaiar o desfile. Era uma alegria constante, sermos dispensados da última hora de aula para, capitaneados pela fanfarra e acompanhados por ele, ensaiar o desfile cívico. Incansável e sempre com um sorriso, lá estava ele a nos ensinar o compasso da marcha com seu refrão: esquerdo... direito... esquerdo...direito e também como corrigir o passo errado, dando uma rápida quicada no calcanhar de modo a quebrar o descompasso. Era ele que nos incentiva a “marchar bonito” para brilhar em primeiro lugar no desfile. Na verdade a concorrência entre os colégios era apenas uma forma de se incentivar um melhor desfile, sobretudo entre as fanfarras concorrentes. Sempre achávamos que a nossa fanfarra era a melhor, pois não cansávamos de ouvir elogios aos seus integrantes, com destaques para os tarolistas que se desempenhavam com muita habilidade.

Tempos memoráveis aqueles e graças ao trabalho de garimpagem iconográfica de um amigo historiador e profundo pesquisador da história de nossa terra e nossa gente, o Prof. Renato Libeck, o menino pôde encontrar e recuperar preciosas fotos. A primeira foi justamente a do primeiro desfile, em Sete de Setembro de 1957, onde aparece ao lado, logo atrás do saudoso instrutor e incentivador Pe. Raimundo. O uniforme era o de gala, calça azul marinho e blusa de malha, branca, com o nome do colégio. A segunda foto recuperada foi a do último desfile, em 1963, quando estava no 3º ano do Curso Científico que corresponde ao último ano do curso de 2º grau atual. Nessa foto o menino das Lavras aparece ao lado de um fusca que conduzia a imagem da santa que empresta o nome ao colégio e o traje, mais aprimorado incluía camisa social e gravata e não o usual uniforme, imprimindo mais imponência e garbo no desfile.

Nessas reminiscências que passam pela tropa do Tiro de Guerra e pelo colégio, destaca-se um professor muito característico e querido pelos alunos, o Padre Luiz Tings. Com forte sotaque alemão, tinha certa dificuldade em dominar o nosso idioma e os meninos se aproveitavam disso para provoca-lo. Mas ele não se incomodava com isso e até achava graça quando era imitado. Porém, havia uma situação que o deixava extremamente irritado. Era quando, na primeira aula, às sete horas em ponto iniciava a chamada de presença dos alunos. Os alunos que frequentavam o serviço obrigatório militar, o Tiro de Guerra-TG, só chegavam meia hora depois, com autorização e portanto sem que lhes fossem registradas as faltas naquele primeiro horário. Quando algum deles, obviamente, não respondia à chamada, a turma inteira respondia em altos brados e batendo o pé com força no assoalho de tábua: “Tiro...Tiro”. O Pe Luiz olhava sério para turma e quando pensava que a disciplina havia sido imposta... surgia outro nome de alguém que estava no TG e a resposta e bate-pés, coletivamente, ecoavam novamente... Então o Pe Luiz, extremamente nervoso, com a face vermelha, arregalando os pequenos olhos azuis, gritava várias vezes “oh... vôs tem paciência..., vôs tem paciência”. Silencio total, mas era só ele baixar as vistas sobre a lista de chamada e os risos contidos escapavam furtivamente. Não raras vezes ele flagrava alguns rindo e eram expulsos da sala. Nesse dia ninguém mais se atrevia a gritar o refrão dos ausentes.

O sonho do menino, embalado pelos acordes das fanfarras militares e dos colégios, se realizou como desejado e repetiu-se por muitos anos. Porém, o que mais o  marcou foram as lições dos mestres que não se cansavam na contínua tarefa de moldar o caráter daqueles pequenos, transformando-os em verdadeiros cidadãos com amor à pátria, às ciências e às letras. A eles, os metres, devemos o que somos. Ainda hoje recordamos com  nostalgia aquelas lições de civismo e as repassamos aos filhos e netos. Levar os netos nessas solenidades comemorativas e de reverência à Pátria é um prazer redobrado. É como se revivêssemos aquelas lições ministradas com amor e carinho pelos nossos mestres. E o mais interessante, surpreendente mesmo, é que parece que o tempo não passou... ao olhar aquela antiga foto e hoje ao assistir a um desfile cívico ou show da Esquadrilha da Fumaça sente hoje, 56 anos depois, a mesma emoção, prazer e alegria do menino de 12 anos, o mesmo menino, aquele último da fila na foto do longínquo Sete de Setembro de 1957.

Brasília. 05 de abril de 2013

Paulo das Lavras
Sete de Setembro de 1963 - O menino, 2º da primeira fila
 
Fanfarra colegial e os taroleiros

                                         
                                                    Colégio Aparecida a esquerda  - década de 1950
                                      
Brasão do Colégio

                                                                                                              
Hasteamento da Bandeira - 7 Setembro 2012

                                                                                 
Banda Militar - 8º Batalhão,2012. A inspiração na infância

                                      
Tropa do Tiro de Guerra - 2012

                                    
O "sonho" dos meninos. Desfile de 7 de Setembro 2012
 
 
 
 
 

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