sábado, 13 de abril de 2013


O   vovô vai morrer?

(Série “Criança  tem cada uma”- Pedro Henrique)
 

Pedro Henrique é um netinho para lá de peralta. Ativo, arguto e perspicaz como ninguém de sua idade. Com pouco mais de um ano e mal sabendo falar já surpreendia a todos com suas traquinagens e depois com perguntas embaraçosas. A propósito de filhos, netos e o prazer que eles nos proporcionam, li numa crônica chamada “O preço de um filho” que o custo financeiro estaria estimado em algo no valor de 300 mil reais, ou 150 mil dólares, incluindo todos os cuidados desde o nascimento até a conclusão da faculdade. O cronista destacou que, embora os custos fossem altos, as recompensas superavam muito além do que se supunha imaginar. Listavam-se o sorriso da criança, a alegria das descobertas, as brincadeiras de esconde-esconde, os primeiros garranchos e várias outras. Realmente, posso afirmar pelo que me foi dado em recompensa em curto espaço de tempo, criança não tem preço. Tudo que se investe nela tem retorno imediato.

A primeira peça que Pedro Henrique pregou no vovô foi a estratégia para conseguir a caneta que ficava sempre no bolso da camisa. Gostava de “dee...enhar” rabiscando folhas retiradas da bandeja da impressora localizada no escritório. As folhas eram fáceis de conseguir, mas a caneta à vezes era dificultada. Assim, um dia ao chegar do trabalho e antes mesmo de colocar a pasta sobre a mesa, surge correndo o pirralhinho de um e meio aninhos e grita balbuciando: vovô... “dee..eenhá”...., vovô... “de..eenhá”...., e ato contínuo aponta para o bolso da camisa onde está a caneta. Nesse instante a mamãe intervém dizendo: não..., primeiro tome a benção do vovô, ao que ele responde rapidamente, Não!... e repete o pedido: vovô... de..eenhá...., vovô... de...eenhá... . O vovô entra no coro da mamãe e repete a ordem, mas o petiz demonstra sua contrariedade e corre para o sofá onde mergulha a cara e faz gestos de desgosto e frustração pelo cerceamento de sua vontade. Ele volta à presença do vovô e repete o pedido e todos os presentes, aí incluindo a vovó e a tia além dos protagonistas, fazem coro e repetem a ordem inicial numa última tentativa de educar o menino.

           Pedrinho, aparentemente, desiste afastando-se para os fundos da sala. Mas, em seguida dá meia volta, corre para o vovô e com a carinha mais angelical, implorativa, dengoso, diz: Vovô... colinho... , colinho, vovô... . O vovô saca logo a jogada... com certeza seria apenas um jogo de cena do pequaeno que já revelava toda sua inteligência e argúcia para ludibriar e vencer seus opositores. Sim, era isso mesmo. Imaginei que o estratagema seria que, ao ser içado ao colo, a caneta ficaria ao seu alcance. Pisquei para os demais e custei a conter o riso de tão inusitada situação para uma criança daquela idade. Incrível o seu desenvolvimento mental, pois ainda mal pronuncia as primeiras palavras. Mas, como resistir àquela situação?  Não restava alternativa senão esquecer as ordens anteriores e dar a vez ao comandante do momento que pulou para o colo e antes mesmo de se aboletar, rapidamente alcançou a almejada caneta no bolso da camisa. Todos caímos na gargalhada diante da esperteza e senso estratégico. Vitorioso, mostrou seu largo e angelical sorriso, conferiu o troféu e, pasmem... constatou que a caneta não serviria ao seu objetivo/meta - desenhar, porque a ponta estava recolhida. Mas, não se logrou e completou: Vovô... abre, abre..., dee..enhá, dee.. enhá.... . Que coisa mais linda o universo infantil, a sua inocência, o seu desenvolvimento físico e mental e sobretudo o amor que irradia e contagia a todos. É algo divino, maravilhoso... uma dádiva de Deus e que nós os adultos temos a responsabilidade total de conduzi-los.

A crônica sobre o custo de um filho está mesmo recheada de sabedoria. Nada importa, sejam os custos financeiros ou as noites mal dormidas. Nada, nada mesmo, se compara às recompensas que recebemos dessas criaturinhas, filhos, netos, sobrinhos ou simplesmente “crianças”. Que Deus continue as abençoando e nos recompense dessa maneira, a maior dádiva do mundo: receber o amor das crianças. Deve ser por isso que Deus nos despoja, depois de certo tempo, das ambições menores justamente para sobrar lugar e energia para nos dedicarmos a esses anjinhos que caíram do céu para alegrar e completar nossas vidas.

                                                  xxx
 

(crônica escrita em 12/05/2010, dia em que Pedro Henrique completava um ano e meio de vida. Vovô, corujando a bordo de um Airbus A-320, cruzando a linha do equador na rota Macapá/Belém/Brasília)

 

 Episódio 2 – Por favor, bicho....

            Era véspera de Natal de 2010. Pedro Henrique com dois anos de vida, falante como ele só, brincava no tapete da sala, próximo à árvore de Natal toda enfeitada e iluminada. De repente ele apanha alguma coisa estranha no chão e põe na boca. Logo a vó gritou: Pedro Henrique, o que foi que você pôs na boca? Cara desconfiada, boca fechada imóvel, olhava para a vó e nada dizia. Esta, mais do que depressa, disse: Isto que você pôs na boca é um bicho (inseto) e ele vai comer sua língua. O menino pensou, pensou, arregalou os olhos, assustado cuspiu fora o objeto e disse; “Bicho, por favor, não come a minha língua, não”.

 
Episódio 3 – O medo da castração...

 Com apenas três anos e meio, Pedro Henrique contou, na sala, a seguinte história:

“Vó, você sabe que o médico cortou a coxa da minha mãe e me tirou da barriga dela? Eu chorei muito porque fiquei com medo do médico se distrair e cortar o meu bibiu”.

          Todos acharam muita graça, mas contivemos as gargalhadas e procuramos salvar a situação dizendo que ninguém pode cortar o bibiu de ninguém.  Na verdade a mãe depois explicou que ele tinha visto alguns dias antes o vídeo de seu parto, cesariana. Naturalmente a filmagem mostrava, de perfil, parte da coxa e o bebê sendo retirado com o cordão umbilical que foi cortado em seguida, deixando aparecer algum vestígio de sangue. Logo em seguida aparece a cena em que ele dá o primeiro choro e certamente ele confundiu cordão “bilical” com bibiu..., aí sim, longe dele caímos na gargalhada e ficamos admirados com o seu vocabulário, especialmente o uso coerente do verbo “distrair”. Criança tem cada uma...

 
Episódio 4 – Pelados no céu...

          Na noite de Natal de 2012 estávamos reunidos na sala e o noticiário da TV mostrava cenas do velório de Dona Canô, na Bahia. Após longa reportagem sobre sua vida, filhos famosos e a morte propriamente dita, o netinho Pedro Henrique, então com quatro anos de idade, pergunta:

“Mamãe, as pessoas quando morrem vão peladas para o céu”?

           A mãe, um tanto surpresa respondeu: “não sei, filho. Só sei que quando você veio do céu, você veio pelado”.

         Nada mais se disse e todos contiveram o riso..., além, lógico, da surpresa geral e o encantamento com as ideias do menino.

 

Episódio 5 – O vovô vai morrer agora, mamãe?....

 O menino das Lavras é apaixonado por aviões desde a infância. Frequentava o campo de aviação de sua cidade para ver os “enormes” DC-3 que ali pousavam depois de passarem por sobre sua casa a 2 km da cabeceira da pista. Praticava aeromodelismo na juventude e mais tarde os voos em ultraleves, apreciando também as aeronaves de suas quase três mil viagens. Ainda hoje, vovô sessentão, cultiva o gosto pelas máquinas voadoras. Foi assim que presenteou o netinho com um aeromodelo de helicóptero, pilotado por controle remoto. É a paixão de Pedro Henrique, de quatro anos de idade, que faz questão de colocar uma almofada retangular no centro da área de pilotagem, representando um heliporto, para ver a destreza do piloto em acertar a aterrisagem no ponto que ele determina. A cada erro desastrado na aterrisagem ou então sucesso, uma reação diferente, porém carregada de emoção. Outra alegria é colocar o helicóptero em sua palma da mão e com o braço esticado, assistir e sentir a decolagem com os motores e hélices rugindo a toda carga, elevando-se aos céus como um pássaro que alça voo apressadamente. É notável a reação de prazer e excitação na face e gestos do menino de cabelos esvoaçantes ao vento das pás girando em alta velocidade. É uma alegria que se repete a cada vez que vai à casa ou à chácara do vovô. Para isso há dois aeromodelos à sua disposição, um em sua casa e outro na do vovô coruja que faz questão de ainda praticar o esporte. Agora com prazer redobrado, pois há os aprendizes que adoram as manobras radicais e até os “acidentes” eventuais como aquele da perda de controle, levado por uma forte rajada de vento, ultrapassando os limites da chácara e caindo na propriedade vizinha, com difícil resgate do helicóptero sobre uma árvore que amorteceu sua queda e não o danificou. Adrenalina pura para as crianças...

 Na escola Pedro Henrique tem dois dias em que não há atividades integrais, sendo dispensado ao meio dia. Às vezes o vovô vai buscá-lo para passar a tarde na casa da vovó. Nesse dia o nível de adrenalina começa cedo, quando pergunta à mãe quem vai busca-lo no colégio. Ao saber que será o vovô a exultação é tamanha que começa a propalar aos quatro ventos a novidade. O primeiro a saber é o porteiro do prédio, depois o recepcionista da escola e nesta, desde a professora a todos os coleguinhas ele anuncia        “hoje o vovô vem me buscar...”.

 São dois episódios que servem para mostrar o quão é prazeroso lidar com as crianças. Elas têm um amor puro e quanto mais fazemos em prol delas mais elas se apegam a nós. Assim, após esse preâmbulo, ficará mais fácil entender e compreender o caso a seguir e que dá título a esse episódio.

 Levei Pedro Henrique e seus pais ao aeroporto para uma viagem de férias de uma semana em Natal-RN, logo nos primeiros dias de abril de 2013. Ainda brinquei que queria ir com ele, dentro da mala, no porão do avião. Ele achou que não seria uma boa ideia, pois não caberia ali, além do que me sufocaria e sugeriu que deveríamos ir para a Costa do Sauipe, na Bahia, depois que ele voltasse de Natal. Despedimo-nos e lá se foi ele, não sem antes ouvir a minha recomendação para visitar e fotografar a cabine do piloto do Airbus grandão. Como eu não estava me sentindo bem os deixei rapidamente no setor apropriado e retornei logo, sem fotografa-lo ou esperar o embarque. Pouco depois estava eu no hospital “curtindo” dores abdominais intensas nunca antes experimentadas. Tomografias, exames... e lá estava o diagnóstico: colecistite ou traduzindo, pedra na vesícula, com recomendação de cirurgia. Triste e apreensivo ali naquele túnel com os motores disparando barulho de metralhadora mapeando os órgãos, passava pela cabeça um filme tenebroso. O que seria essa dor aguda? Verei os netos e brincarei com eles ainda? Sim, com certeza, nada que uma cirurgia minimamente invasiva não possa resolver, mas... adeus picanha, vinhos e queijos especiais, gouda, vermeer e outras delicias holandesas...

Pois bem, a noticia da suposta gravidade do caso chegou ao conhecimento de Pedro Henrique na distante cidade de Natal. À noite recebi um telefonema. Mal atendi a ligação ouvi: deixa “eu” falar com o vovô, mamãe. Ato contínuo disparou: “vovô, você está muito mal?”. Tranquilizei-o, mas ainda assim emendou: E o buraco nas suas costas sarou? Isto em alusão à enorme cicatriz decorrente de cirurgia a que fui submetido aos dois anos de idade e que levou pedaços de duas costelas. No seu imaginário o meu “mal” seria decorrente disso. Expliquei a ele que o buraco já sarou há muito tempo. Mas ele já (se) fechou? Perguntou ele. Expliquei que ele não fecharia mais do que aquilo que ele já tinha visto antes. Tranquilizou-se. Depois sua mãe contou-me que durante todo o dia ele se preocupara e perguntou-lhe:

“O vovô vai morrer agora, mamãe?... e quem vai pilotar helicóptero comigo?... e quem vai me buscar quando não tiver dia integral na escolinha?...”.

  Amor de criança é infinitamente maior do que aquele que lhe dedicamos. A crônica de autor desconhecido está inteiramente certa. As recompensas que elas nos proporcionam ultrapassam muito além do esperado. Para mim isto não tem preço, pois Deus é sábio, colocou essas maravilhas em nossas mãos para nossa felicidade. Sempre! Nossa responsabilidade fica maior ainda depois de uma declaração dessa. Resta-me busca-lo no aeroporto, em seu retorno neste domingo.

 
Brasília, 14 de abril de 2013

Paulo das Lavras


 
                                              Bicho, por favor, não come a minha língua, não!

                                         Vovô, fiquei com medo do médico se distrair e cortar o bibiu

                                            Mamãe, a gente vai pelado para o céu quando morre?

                                                      Apaixonado por aviões

2 comentários:

  1. Netos são nossas maiores bênçãos, você tem razão. Alegria grande.

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  2. Obrigado, Fátima. E são mesmo assim, vindos do céu para prolongar nossos dias aqui.

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