quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

JK em Lavras


 

JK em Lavras
 

Corria o ano de 1954. O menino das Lavras do Funil, cidade de 25.000 habitantes, muitos de origem rural, sempre procurava um atalho para a escola. A pé ou cavalgando um tordilho voltava alegre da escola, ou mais precisamente, do Grupo Escolar Firmino Costa. Em dez ou quinze minutos fazia o percurso, passando pela trilha onde se localizaria mais tarde o prolongamento da Av. JK, chegando ao cruzamento com a Rua Otacílio Negrão nas imediações do túnel. Para chegar à sua casa, numa chácara situada a trezentos metros da Estação Costa Pinto, entrava pela estrada de ligação Lavras/Serrinha/Carmo da Cachoeira/Três Corações. Não havia ruas adjacentes à chácara de mais de 20 hectares, apenas a referida estrada que a cortava ao meio em suave curva de nível por quase 2 km de extensão. Os trilhos da Rede Mineira de Viação-RMV contornavam toda a divisa sudeste da propriedade no sentido Costa Pinto/Três Corações.

Aluno do 2º ano do curso primário tinha como professora a saudosa Dona Margarida Pedrotti Mássimo. Suas aulas começavam às sete da manhã e encerravam às onze. Seu irmão chegava logo em seguida para o turno da tarde que inciava às doze horas. Algumas vezes ele chegava a cavalo e o menino retornava no tordilho. Não era sempre que usavam o cavalo como meio de transporte, até porque a mãe começou a proibir quando soube do tombo do cavalo com o menino e tudo. Era mês de estiagem e o cavalo em marcha acelerada, rua abaixo, escorregou a pata dianteira na grama seca de uma rampa lateral. O pequeno cavaleiro, que montava em pelo, sem o arreio, foi atirado à frente, por cima do pescoço do animal que, desequilibrado, instintivamente o abaixou e... o cavaleiro mirim saiu voando por cima, pasta escolar espalhando livros, cadernos e o estojo de lápis. A rampa causadora do acidente nada mais era do que o entroncamento em diagonal da Rua Tomás Antônio Gonzaga com a Av. JK. Mães que conversavam no portão de uma das casas socorreram imediatamente o menino que nada sofrera, mas chorava muito e implorava para que segurassem seu cavalo que levantara ligeiro e ameaçava disparar rua afora. A falta do arreio com estribo facilitou o voo do menino, cujo tombo foi amortecido no pescoço do cavalo e pela grama seca. Talvez se estivesse usando estribo poderia ter sua perna esmagada sob o peso do animal ali estatelado. Algum tempo depois o menino descobriu, em visita à casa de seu querido e saudoso Professor Russaulière Mattos, que a anfitriã, sua querida mãe, fora uma das senhoras que o socorreram naquele acidente, bem ali ao lado, duas casas adiante.

Aquele era o caminho preferido, pois o acesso ao Firmino Costa, ou simplesmente FC, situado no centro da cidade, era feito em percurso bem mais longo, começando no túnel, na atual Rua Otacílio Negrão, depois a Melo Viana e a “Rua Direita”, chamada de Francisco Sales, com lojas comerciais em toda a extensão. O atalho, onde existia apenas a trilha de pedestre em meio à extensa pastagem, embora mais curto, tinha um obstáculo. Na parte mais baixa havia um córrego, cuja nascente se localizava num bananal em meio ao “buracão” existente atrás da rua direita, bem nos fundos da “Distribuidora”, a garage dos bondes. Esse ponto, o buracão, era o final da Rua Misseno de Pádua, bem ao lado da casa dos Lacerda Boari, logo depois da esquina com a Rua Álvaro Botelho. Só foi aterrado e a rua estendida até o encontro com a Otacílio Negrão algum tempo depois, por volta de 1957.

A fotografia aérea anexa mostra como era exatamente aquela região no ano de 1955, antes do prolongamento da Av. JK. Nela o menino viu, acompanhou e admirou diariamente a construção de uma rede elétrica de alta tensão, numa reta por sobre aquela trilha de pedestre e que mais tarde viria ser a continuidade da Avenida JK. Aquela rede elétrica foi construída pelo Governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitscheck de Oliveira e se destinava à transmissão de energia elétrica produzida pela recém inaugurada Usina Hidrelétrica de Itutinga. No ano seguinte, 1955, houve eleições para presidente da república e JK foi a Lavras em campanha política. A chegada da energia elétrica era o ponto forte de sua campanha. Porém alguns opositores duvidavam que isso pudesse se tornar realidade, embora a rede elétrica já estivesse quase concluída e a usina em funcionamento. Para esses não importava a baixa qualidade da antiga luzinha vagalume vinda da usina municipal do Cervo e a da Fabril Mineira gerada ali na Fábrica Velha (Dr Jorge). Ignoravam as vantagens da energia farta e constante. O menino via, ouvia e nada entendia sobre as discussões fanáticas entre o avô, o coronel Anísio Gaspar, vereador pelo PSD, partido de JK e outro parente, da UDN, que fazia oposição ferrenha. Só sabia que o avô tinha razão, pois viu e acompanhou a construção daquela rede de energia elétrica, bem ali no seu caminho/atalho para a escola. Além disso estava acostumado às visitas do líder maior do partido em Lavras, Dr Sílvio Menicucci e a quem o Governador e depois Presidente da República sempre prestigiava com visitas à cidade. Nessas visitas de campanha política, quase sempre era acompanhado pelo inseparável correligionário, amigo e deputado federal, Tancredo Neves e seu secretário particular, o ex-deputado Carlos Murilo Felício dos Santos.

Embora JK tenha feito várias visitas à Lavras quando governador e nas campanhas políticas, não são dessas viagens que queremos falar, mas de três outras muito importantes. A primeira foi por ocasião das comemorações do Centenário de Lavras, em 1968. Amigo do então Deputado Estadual Silvio Menicucci e recém chegado do exílio, JK fez questão de estar presente nas comemorações do centenário da cidade. Em traje de gala compareceu ao Baile do Século, assim chamado o grande evento de comemoração do centenário do município. Fez-se acompanhar pelos deputados Renato Azeredo e Carlos Murilo Felício dos Santos, secretário particular da Presidência da República (foto anexa). Foi a maior recepção que Lavras já viu. A casa do Dr Sílvio ficou pequena para tanta gente que queria ver e cumprimentar JK, o mesmo acontecendo nas dependências do Clube de Lavras onde o assédio foi constante e ele, JK, sempre sorridente. Infelizmente esta foi sua última visita à Lavras, pois no ano seguinte, 1969, foi impedido. Ele quis voltar à cidade mas foi dissuadido a não fazê-lo. Queria dar um abraço no amigo e correligionário que teve o mandato de deputado estadual covardemente cassado pelo AI-5. Uma semana antes da cassação Dr Silvio Menicucci foi recepcionar JK em Juiz de Fora. Lá, sede de uma unidade do Exército, o prefeito Itamar Franco fora proibido de conceder a palavra a JK e então o deputado Silvio Menicucci o conduziu à sede da Associação Médica de Juiz de Fora, onde havia mais de 5.000 pessoas que queriam cumprimentar e ouvir o ex-presidente chegado do exílio. Uma semana depois veio o decreto de cassação do Deputado Silvio Menicucci.

Dessa vez JK não pode ir pessoalmente à Lavras visitar o dileto amigo e a compungida comunidade lavrense, nela se inserindo o menino sonhador que já se tornara engenheiro e trabalhava em Belo Horizonte onde, orgulhosamente, acompanhava a brilhante atuação do deputado conterrâneo. Duro golpe, não só para os lavrenses, mas para toda Minas Gerais. O amor que JK nutria por Lavras e seus cidadãos não permitia que ele deixasse de nos visitar. Embora impedido de ali comparecer, chamou outro mineiro, querido de Lavras, de Minas e de toda a Nação, Tancredo Neves e entregou-lhe uma carta, carregada de sentimentos, para ser entregue em mãos do Dr Sílvio. Essa carta, de conteúdo memorável, o menino a copiou dos arquivos de um historiador, o conterrâneo Professor Renato Libeck e aqui a reproduz para que se tenha a exata noção da grandeza dessa penúltima“viagem/visita” que JK fez a Lavras (foto anexa).

Quis o destino que o menino das Lavras se transferisse para Brasília e aqui encontrasse JK por duas vezes. A primeira, no dia 3 de agosto de 1975, no saguão de desembarque do aeroporto da capital federal e que, hoje, merecidamente leva seu nome, Aeroporto Internacional Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Ele caminhava apressado em direção ao veículo que o aguardava no setor de desembarque. Deu de cara com o menino engenheiro e o irmão que o acompanhava. Cumprimentou-nos atenciosamente e o menino só teve tempo de dizer-lhe: “Aí, Presidente, veio visitar sua filha querida... a cidade de Brasília? Obrigado, por nos dar essa maravilha de cidade”. Com um largo sorriso e acenando com a cabeça e a mão, agradeceu, embarcou e o carro desapareceu rapidamente naquela manhã de agosto, pois ele era proibido de visita-la e aparecer em qualquer ato público. Na segunda vez o encontro foi de tristeza e consternação e o menino não conseguiu segurar as lágrimas. Cerca de 20.000 pessoas desfilavam em frente à sua janela, às 8 horas da noite, conduzindo o féretro e cantando a sua paixão seresteira, o Peixe-Vivo, pela Avenida W3 Sul em direção à sua morada final, no Campo da Esperança. Pois bem, aquele JK, amigo de Lavras e que povoou a mente do menino desde a infância e que acompanhou a sua obra, a rede elétrica que abriu caminho e melhorou a sua trilha para a escola, iluminou e trouxe o progresso para a cidade natal, passou novamente, ali à sua frente pela última vez, naquele aziago mês de agosto de 1976.

Mas, falta ainda falar sobre a última viagem de JK a Lavras. Aliás, está por se realizar brevemente e tudo começou no dia 13 de junho de 2012 quando o menino das Lavras foi convidado para o lançamento de uma grande obra literária, histórica, o livro “Momentos decisivos: JK contra o golpismo”, de autoria do ex-deputado e ex-secretário particular de JK, Carlos Murilo Felício dos Santos. O evento se realizou no Memorial JK e o menino aproveitou para registrar em foto o imponente monumento, justamente na hora do crepúsculo de uma bela tarde, conferindo matizes multicores ao mármore e ao azul do céu. O contraste produziu um belo efeito sobre a estátua de bronze do estadista que parece dar um adeus à cidade que ele fundou e inaugurou apenas 15 anos antes de sua partida final.

A simpatia do autor do livro de memórias cativou o menino e foram relembradas suas visitas à Lavras na companhia de JK. Autógrafos concedidos, poses para fotos, incluindo a simpaticíssima Presidente do Memorial JK, Srª Anna Christina Kubitscheck Pereira, esposa de outro lavrense, Paulo Otávio Pereira, empresário da construção civil em Brasília. Ali mesmo, durante o coquetel, o menino se aventurou a convidar o Dr Carlos Murilo e a Presidente do Memorial JK para uma visita sentimental à terra dos Ipês e das Escolas, tão querida por JK e lá realizar o lançamento de seu livro que é uma ode àquele estadista, o mais patriota de todos e que dedicou toda a sua vida ao progresso da nação. De pronto o convite foi aceito com alegria e entusiasmo. Agora depende apenas de agenda de ambas as partes, convidado e anfitriões.

Lavras aguarda mais essa visita de JK, ainda que sob a forma de livro escrito e por alguém que o acompanhou a vida toda, inclusive nas viagens a Lavras. Receber o Dr Carlos Murilo e os familiares de JK, em Lavras, é o mesmo que tê-lo de alma presente, com profundo significado pelo amor que se encerra em nossos corações à sua memorável vida. O menino que no passado contemplava sua obra e campanhas em Lavras e que agora usufrui, diariamente, das belezas da cidade de Brasília que ele fundou, agradece por mais essa oportunidade que se descortina para recebermos JK em nossa terra natal que também ele tanto amou.

Brasília, 27 de fevereiro de 2013

Paulo das Lavras do Funil

 
 

                                                   O mapa do paraíso e seus atalhos para se chegar à escola, em 1954/55

 


 

                                         Muro azul do Grupo Escolar Firmino Costa, servia de “escada” para o menino
      montar em seu cavalo que, de vez em quando, o levaria de volta à casa após a aula

 

                                                         JK em 1955. Governador de MG, eleito Presidente

 


 

          JK no Baile do Século, em Lavras, 1968. Presentes também os Deputados Renato Azeredo e Carlos Murilo


 

                                                 Baile do Século- Lavras. Jk com Judy Macieira e Silvio Menicucci



Crepúsculo no Memorial onde descansa JK 
 

                                                    Presidenta do Memorial JK, Anna Christina   Kubitscheck Pereira


 
Autor do livro Carlos Murilo e Paulo Roberto
 

                                                       
 

 

4 comentários:

  1. Um relato impressionante. Parabéns, Paulo!

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  2. Amigo Paulo, quantos detalhes, que memória e intelig~encia nata. Parabéns. Grande abraço.

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    1. Obrigado, Dalva Sueli. Aventuras assim,vividas com emoção, na infância ou juventude a gente nuca esquece e tudo aflora gostosamente para deleite da alma. Um abraço

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