terça-feira, 21 de abril de 2020

Terra prometida – Brasília, 60 anos


Tive a sorte de viver em duas cidades que mais tarde foram consideradas como a “Terra Prometida”, um lugar melhor, em clara alusão à Terra de Canaã, onde brotava o leite o mel, prometida, por Deus, a Abraão para que seu povo ali vivesse em meio à abundância.  Tanto em Lavras, como em Brasília, ao contrário de Abraão que chegou à terra de Canaã e ali enfrentou dificuldades que perduraram por mais de 400 anos, fui privilegiado com as vantagens de ambas as cidades. A primeira, onde nasci, Lavras, no sul de Minas, se constituiu na terra prometida ao pastor e grande missionário norte-americano, Samuel Rhea Gammon, que ali chegando, jovem de 24 anos, construiu escolas e igrejas presbiterianas que ali prosperam.

Brasília, aonde cheguei, por livre escolha, também foi a terra prometida, revelada a Dom Bosco, no longínquo ano de 1883. Entre os paralelos 15° e 20°, viu um local especial, onde, nas palavras de um anjo que o acompanhava em sua visão, apareceria a terra prometida, ao lado de um grande lago e que seria uma riqueza inconcebível. Dom Bosco assim descreveu seu sonho:
  "Entre os graus 15 e 20, aí havia uma enseada bastante extensa e bastante larga, que partia de um ponto onde se formava um lago. Nesse momento disse uma voz repetidamente: - Quando se vierem a escavar as minas escondidas em meio a estes montes, aparecerá aqui a terra prometida, onde correrá leite e mel. Será uma riqueza inconcebível.

 JK se incumbiu de realizar aquele sonho do missionário, construindo e inaugurando a nova capital – Brasília, em 21 de abril de 1960 e não se esqueceu de represar as abundantes águas, formando o grande Lago do Paranoá. Aqui estive, em maio de 1966, em visita juntamente com os colegas do terceiro ano do curso de agronomia. Com apenas seis anos de vida a cidade já se mostrava bonita, diferente, com a sua magnífica Esplanada dos Ministérios, os palácios e alguns viadutos ainda em construção, como aquele do final da Asa Sul e fazendo a ligação da avenida que leva ao aeroporto.

Na primeira visita, embora “diferente” a cidade não empolgou o muito o menino que sequer pensou em um dia vir ali residir e trabalhar no Ministério da Agricultura. Este, aliás, incendiou-se naquele dia e dele vimos, do alto da plataforma da rodoviária, negros rolos de fumo do fogo que o consumia. Soubemos depois que fora um incêndio criminoso, localizado num setor que abrigava os arquivos de inquéritos administrativos o Serviço de Proteção ao Índio, hoje Funai. A partir de 1973, como pró-reitor de pós- graduação da Esal/Ufla, passei a frequentar o Ministério da Educação-MEC e em seguida surgiu o convite para ficar. Em 05 de agosto de 1975 recebi a família no aeroporto, prontos para permanecer dois ou três anos apenas. Naquele dia, ali no aeroporto, desembarcou no mesmo voo, por feliz coincidência, o pai da cidade, o grande estadista Juscelino Kubitschek. Antes de entrar no carro, que o aguardava na área de desembarque, acenou e nos cumprimentou com largo sorriso. Retribuí saudando-o: “então, Presidente, veio visitar a filha querida, Brasília. Obrigado por tê-la construído”. Essa foi a única vez que eu e meu irmão, que me acompanhava, o encontramos, embora quando crianças nos lembrássemos de suas constantes visitas à Lavras, nossa cidade natal.

Pois bem, a cidade nos acolheu de forma surpreendente, a começar pelas boas vindas de JK que, infelizmente morreu em acidente de carro um ano depois. A cidade com amplas avenidas, arborização, parques e belos jardins de Burle Marx e a maior novidade do mundo..., as Superquadras residenciais, onde havia de tudo à mão, sem necessidade de se deslocar de carro. Escolas ao lado, comercio local, agencias bancárias, igreja, correio, clube social, chamado de Clube Vizinhança, com quadras esportivas, piscina, salão de festas e saraus... tudo, tudo mesmo, ao lado dos prédios residenciais. Paraiso para as mães que da janela controlavam as crianças entrando e saindo da escola, clubes, parquinhos de diversão..., paraíso para as crianças e tranquilidade para os pais. Mas, não era só isso e hoje mais ainda, os amplos e belíssimos paisagismos nas superquadras estão a cada dia mais aprimorados. O verde é imenso e nos proporciona extraordinário conforto. Árvores frondosas, floríferas e ainda diversas frutíferas que nos dão o gostinho especial de colher a fruta diretamente da árvore.

Esse imenso parque, que é a própria cidade, enfeita e enfeitiça nossos olhares diariamente. Aqui cada estação do ano marca nossas emoções com olhares distintos sobre as belezas das floradas multicoloridas, ora os ipês, depois as quaresmeiras, buganvílias, cambuís amarelos, paineiras de cores variegadas, sapucaias totalmente revestidas de intenso colorido vermelho e assim por diante. E o que dizer do abissal céu, verdadeiro mar azul, horizonte infinito que beija o verde dos parques com imensos gramados? Uma cidade-parque, sem dúvida, com seus enormes espaços verdes que nos convidam à reflexão, ao devaneio da alma que se enleva e nos torna mais felizes, leves e soltos. Lúcio Costa escreveu no memorial descritivo de seu plano urbanístico que, ao contrário das demais cidades, que se conformam e se ajustam a um paisagismo, como os rios e montanhas, aqui a cidade “criava a paisagem” em meio ao deserto do cerrado e do céu azul como um mar. Verdade! Não foi a toa que a cidade foi tombada, poucos anos depois, como Patrimônio da Humanidade. A beleza de Brasília, com seus amplos espaços verdes e floridos, funciona como um colírio para os olhos e relaxa o stress da vida enlevando nossa alma. Verdadeira cidade-parque que não tem similar no mundo. E eu percorri o mundo, portanto, posso afirmar isto, pois procurei, fiz comparações até mesmo nos aspectos de arquitetura e urbanismo. Nenhuma cidade, nenhum lugar tinha as qualidades planejadas pelo urbanista Lúcio Costa e a beleza das obras de Niemeyer e Burle Marx.

Ah..., tudo isso e ainda nem falamos do trabalho que aqui desenvolvemos ao longo desses 45 anos de morada. Mas essa é outra história, do sucesso profissional no campo da educação superior. Também na profissão os horizontes se alargaram, com atuações desde a capital, Brasília, à todos os rincões do país e a 15 outros países nas três Américas e Europa. Trabalhei no que gostava, a paixão pela Educação. Desenvolvi atividades e projetos de governo no âmbito do planejamento e avaliação da educação superior, aqui e acolá. Plantei e hoje, algum tempo depois, a colheita tem sido farta

Obrigado JK, que pessoalmente deu-me as boas vindas à sua bela cidade que escolhi para morar. Obrigado, Lúcio Costa. Obrigado, Niemeyer e Burle Marx. Seus sonhos e arrojos, com ideias criativas de uma cidade-parque, ajudaram a moldar a vida de nossa família, os filhos que aqui foram criados e hoje todos eles nos proporcionam muitas alegrias. Longe dos estereótipos das baixezas políticas, Brasília pode até ser vista como cidade igual a outras, mas, não é. É uma cidade diferente, já tem sua identidade, um jeito diferente, traçado impecável e uma miscelânea de culturas, do norte ao sul, de todos os brasileiros. Sua arquitetura é inconfundível, limpa, espaçosa, futurista.
Parabéns, Brasília pelos seus 60 anos! Cidade que escolhi e que me acolheu há tanto tempo. Obrigado!

Brasília, 21 de abril de 2020

Paulo das Lavras




Minha primeira visita a Brasília, o 4º, em pé, da esquerda para a direita, Vinte colegas, dentre os trinta
da turma de Agronomia da Esal: Arnaldo, Enivanis, Manoel, Agnelo,João Júlio, Gilvan, José Getúlio, 
Fernado Faria, Augusto e José Lessa. Em pe: Antônio Ernesto, Nilton KPTA, Gilnei, Paulo Roberto, 
Afonso, Djalma, Antonio Carlos, João Marcos, Fernado Santa Cecília, João Virgílio e José Maria Vilela. O último é o Sr Antônio Mazaroppi, motorista da velha jardineira ano 1951 que nos levou à Brasilia.
Foto: maio de 1966 - arquivos do autor



E hoje... a mesma beleza da Esplanada dos Ministérios, com a Catedral que pode ser vista no retrovisor do carro. Belíssimo cenário que eu contemplava duas vezes ao dia, durante 35 anos
 de trabalho, bem ali, no MEC.
Foto do autor



Catetinho, palácio de tábuas, onde Jk se hospedava
 durante a construção de Brasília
Foto: arquivos do IGHB


A chagada da família, mãe, três filhinhas (duas gêmeas)  e duas babás
Foto do autor – aeroporto de Brasília, 05/08/1975


Explorando a cidade, logo na chegada, em agosto de 1975. Palácio do Itamaraty,
a beleza arquitetônica de Oscar Niemeyer aliada à genialidade urbanística
de Lúcio Costa. Cidade sem igual !
Foto do autor


Bloco I, da SQS 308, a primeira moradia, paraíso para as crianças recém-chegadas,
na Quadra-Modelo de Brasília, com a Igrejinha de Fátima, escolas em tempo integral, clube de unidade de vizinhança e paisagismo de Burle Marx
Foto do autor - 1975


O sonho do visionário JK, que se transformou em realidade. Sempre que passo pela 
Praça dos Três Poderes, paro, leio, medito e admiro o Homem que construiu Brasília.
Foto do autor


Surpreendendo JK numa esquina de seu Memorial
Foto do autor


A exuberância do bosque da Superquadra, nova morada a partir do segundo ano após a chegada. Prédios mergulhados em meio às árvores que compõem refinado paisagismo
Foto: internet


Os parques e jardins de Brasília são tão bonitos e atraentes que nem Sir Paul McCartney resistiu. Pegou uma bicicleta no hotel, onde se hospedara para um magnífico show, e foi pedalar.
Foto: Correio Brazilense


A cidade-parque, Brasília, de puro e belo paisagismo, que inclui contêineres de lixo reciclável em cada condomínio, também acolhe os desvalidos catadores de lixo. Nesse dia, nem bem saí da garage, logo pela manhã, para mais um dia de trabalho e eis que me deparo com a cena que foi registrada em foto. Tratei-a com muito respeito e a ajudei naquele dia, recomendando-lhe, ainda que comprasse um pouco de milho para o seu cavalo. Foi um dia feliz para o menino, ouvir a história sofrida de Dona Severina, batalhadora que veio do Piauí e vive na invasão do setor de clubes sul, bem  próximo à Ponte JK.  Brasília é democrática, acolheu a todos.
Foto do autor


Mãos elevadas aos céus, é o que simboliza esse monumento,
a Catedral Metropolitana de Brasília. Mãos que oferecem flores de ipê roxo
Foto do autor


E o menino gostou de contemplar a Esplanada dos Ministérios,
em maio de 1966.


...e  voltou a conferi-la em 2016, exatos 50 anos depois


... e conferiu o lago sonhado por Dom Bosco há 137 anos e construído por Jk.
A belíssima ponte em arcos leva o seu nome


... e levou os netos ao Planetário de Brasília, 40 anos depois da chegada à cidade


... e numa rpasseata de 2018 com a filha que aqui chegou aos três anos, 









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