quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Minas, montanhas e dois abraços diferentes



Em 20 de julho de 2018 desembarquei em B.H e enquanto aguardava o reembarque para Lavras, onde iria assistir às solenidades do sesquicentenário da cidade natal, fui abordado por duas sorridentes garotas que logo me mostraram um cartaz de cartolina: “Abraço Grátis!!!”. Antes de qualquer reação de minha parte anunciaram, com largo sorriso, que queriam me abraçar. Mais que depressa fechei a pagina do whatsapp (ôohh, vício... rsrs) e corri para o abraço. Afinal, não é sempre que recebemos abraços..., de graça! Explicaram-me que era o Dia do Amigo e por isso estavam distribuindo amor fraternal. Sem dúvida, o abraço é considerado uma prova de afeto, de carinho, de amor ao próximo e estabelece uma ligação saudável entre as pessoas. Naquele dia foi um abraço efusivo, de alegria, de energia, pura empatia. Embarquei para a viagem e sinceramente, estava mais leve, me sentindo melhor, amado e encantado com o gesto anônimo de um grupo de jovens “amigos voluntários”. Só mesmo nas Minas Gerais, montanhosa, essas coisas acontecem. Receber um abraço anônimo, alegre, contagiante, sem mais nem menos e pelo puro prazer de se fazer o bem.

Poucos de nós nos damos conta do valor de um abraço. Ele afasta o medo e até a dor, como aconteceu recentemente com o netinho de dez anos que teve o antebraço fraturado, quando da defesa de um potente chute de bola ao gol. Atordoado por forte dor e lágrimas já escorrendo pela face, correu para o abraço do vovô. Um abraço tão forte quanto à dor que sentia e enquanto caminhávamos em busca do socorro, abracei-o fortemente e o choro cessou, até porque, antes, gritei, dissimuladamente, para os garotos que tinham parado o jogo e olhavam espantados..., “não foi nada..., só uma luxação e vou leva-lo para colocar compressa de gelo”. Um abraço apertado, as palavras de apoio diante dos coleguinhas, o carinho repassado ao menino o reconfortaram e amenizaram a dor física e muito mais da alma, com a certeza de que estava amparado pelo abraço. E assim, pôde sair de campo orgulhoso, fortalecido, porque defendera o gol, embora estivesse se desmanchando em dores (no hospital, constatou-se fratura no terço distal e engessou-se o braço). Nem mesmo eu havia imaginado, antes, o poder de um abraço. Aliás, já havia aprendido, menos de um ano atrás, que até mesmo um anônimo abraço aumenta a nossa alegria e autoestima e agora, com o netinho, pude comprovar o valor do segundo tipo de abraço que conforta e até cura a dor.

Ao ler os jornais, comoveu-me a histórias de um pai e filha, Laura e Juliano Colombini, que saíram de sua casa, em Nova Lima e foram a Brumadinho, a mais de 70 km, unicamente para abraçar as pessoas necessitadas, vítimas daquele monstruoso desastre humanitário, do rompimento de barragem de rejeitos da mineração de ferro que ceifou centenas de vidas. Ao ler a comovente história, veio-me a mente, além do recente caso do netinho, o episódio acontecido comigo, em BH, naquele 20 de julho passado. Pensei comigo..., então esse gesto, de oferecer um abraço, é mesmo próprio dos conterrâneos mineiros. Quanto vale um abraço..., seja na alegria ou na dor? E os mineiros, com fama de introspectivos, criados entre montanhas, são mestres na arte de bem receber, de distribuir abraços, conduzir as visitas para o aconchego e a intimidade de sua cozinha e ali, ao sabor de um cafezinho com pão de queijo assado na hora, passar horas e horas contando casos e causos, com a participação de toda a família ali reunida, em homenagem e carinho ao visitante. E até na hora ir-se embora o mineiro é diferente. E digo isto porque conheço todos os estados de nosso país, visitando as mais de cinquenta universidades federais. Diferentes n despedida? Sim são os únicos a nos despedirem sem dizer a palavra “adeus”. Mineiro diz, compungido, emocionado..., vai com Deus, como a dizer se cuide e volte sempre. Coisas de Minas que nos tocam profundamente. Oh, Minas Gerais! A gente nasce mineiro e morre mineiro e não adianta estar quarenta e cinco anos fora das montanhas de Minas, pois o sentimento é o mesmo, apesar da distância.


Estamos todos irmanados na dor desse desastre humanitário de Brumadinho. Não vamos aqui procurar culpados, mas apenas nos unir às famílias, quase quatro centenas delas, que perderam ou estão em busca dos parentes desparecidos. E tem sido assim, por todo o tempo. O abraço e a mão amiga estão presentes, sempre. Outra voluntária, Simone Esteves, que consolava espiritualmente uma das famílias, contou à repórter de um jornal que “num momento desses, eles estão entregues a um abraço, a uma palavra de conforto, oração a Deus. Eles querem apenas abraçar e chorar, desabar em lágrimas”. E sabem que os abraços, a ajuda, a solidariedade não têm faltado, daqui e até do exterior. Que Deus continue confortando a todos eles. E é de se perguntar, como alguém já o fez: “Quantas lágrimas cabem numa barragem? Quanto vale um rio de lágrimas?” vale citar os versos de Carlos Drummond de Andrade, como a nos lembrar que governantes e empresários gananciosos transformaram Minas em mortes, dor e lama e, pior, eles próprios estão limpinhos e ricos, usufruindo dos lucros sobre a vida de pessoas, com dinheiro sujo, mais sujo e podre que a lama que ceifou vidas humanas, dilacerou famílias e devastou a natureza ao longo de matas, córregos e rios abaixo, por centenas de quilômetros. Disse o poeta Drummond:
“O Rio? É Doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse mais leve a carga.
Entre Estatais e multinacionais, quantos ais! A dívida interna, a dívida externa.    
A dívida eterna.
Quantas toneladas de exportações de ferro? Quantas lágrimas disfarçadas sem    
 berro?”.

Desta vez, na segunda catástrofe, a sociedade está desobedecendo ao poeta, pois agora é com berro. E não é apenas com o berro daquele boi branco, da raça nelore, atolado, ilhado e alimentado pelos heroicos bombeiros, ali em meio à lama. Fiquemos, pois, atentos e aguardemos as providências de quem de direito e se não forem a contento, berremos todos. Mas antes do berro vamos fazer a nossa parte. Que tal nossa universidade colaborar com a recomposição ambiental, tal qual faz em Lavras, onde já plantou mais de 100 mil árvores, formando um cinturão verde ao redor da cidade, como nos informa o Jornal de Lavras? Vamos “berrar” como sugeriu o poeta, mas antes, vamos colaborar nesse esforço humanitário. Queria estar lá e retribuir o abraço recebido dos mineiros, solidários, sempre!

Brasília, 31 de janeiro de 2019

Paulo das Lavras 





 
O desastre do rompimento barragem de rejeitos de minérios, em Brumadinho,
 deixou centenas de mortos e desparecidos. Força devastadora do mar de lama
e rejeitos sólidos de mineração. Grande extensão atingida com danos incalculáveis.

Foto: Isac Nobrega – domínio público



A força da avalanche de lama, detritos e rejeitos sólidos das mineradoras
arrancou tudo pela frente, morro abaixo. Dois pilares da ferrovia foram levados.
Centenas de vidas ceifadas.

Foto: Voz Ativa



Minas, terra dos abraços, gente hospitaleira, solidária. Assim fui recebido em BH, em 2018
Foto: autor, BH, 20/07/2018


 
O poder, a força do abraço que ampara, acarinha
Foto: autor, dezembro 2016



Abraço de conforto a quem precisa, com braço enfaixado,
até mesmo no primeiro dia de aula
Foto: autor, jan.2019



Quer abraço mais reconfortante que esse,
depois de longo tempo na guerra do Iraque?
Foto: internet



Na data de hoje, 31/01/19, já foram resgatados 100 corpos e cerca de 260 ainda
estão desaparecidos. Mais de 300 outras pessoas já foram localizadas e
cadastradas. Tragédia que atingiu diretamente a mais de 700 pessoas entre
mortos, desparecidos e outras já localizadas.
Foto: internet



Sobrevivente da lama da catástrofe de Brumadinho, o boi nelore,
batizado de “resistente” pelos Bombeiros, foi por eles alimentado
enquanto não pôde ser resgatado.
Foto: Alexandre Guzanshe/EM D.A Press



Não foi só salvar pessoas e animais na lama, pois havia também os que ajudavam
 a salvar vidas, ou localizar corpos.
Foto: Adriano Machado



Reflorestar, regenerar a vegetação na terra devastada. Grande tarefa pela frente.
Gostaria de lá estar e contribuir, como naquele ano de 1968, quando trabalhei para a
 Mannesman, Barreiro/Cidade Industrial/BH, plantando milhões de eucaliptos nas encostas
da Serra do Rola Moça. Do outro lado estavam os municípios de Ibirité e Brumadinho.
Foto: Jornal de Lavras –  cinturão verde de Lavras:






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