terça-feira, 2 de outubro de 2018

Um Fotógrafo de primeira viagem


 
Com uma câmera bem antiga, de marca Kapsa, produzida no Brasil pela D.F. Vasconcelos, na década de 1950 e emprestada por João Sampaio, proprietário de um estúdio fotográfico, o Foto Guimarães, situado à Rua Santana, em Lavras, o menino de 12 anos partiu para a fazenda do pai a fim de fazer algumas poses com cavalos e paisagens do bucólico Retiro dos Ipês. Garoto curioso e sem nenhum conhecimento sobre fotografia quis saber como era o interior da máquina. Abriu-a, verificou o filme ali colocado, enrolado nas bobinas, mostrou para a mãe, fechou-a novamente e partiu para a esperada ação.

Fotografias naquela década de 1950 eram raras, pois quase ninguém possuía uma máquina fotográfica, principalmente nas pequenas cidades do interior mineiro. Fotografar era um processo complicado e, por isso mesmo, as fotos se resumiam às tradicionais 3x4 para documentos ou então às de festas como 1ª comunhão, casamentos, bodas de ouro e as solenes formaturas desde o curso primário (sim, havia festa para essa formatura) à faculdade, com a mais pomposa das festas. Esta, sim, era o maior evento na vida de um garoto dos anos 1950/60. Nem mesmo aniversários ou batizados eram fotografados, pois isto implicava na contratação de um fotógrafo profissional. Assim, nada mais justo do que as pretensões do garoto que queria ter suas próprias fotos na bonita fazenda, para guarda-las de recordação ou, quem sabe, para exibir aos colegas de escola.

Inúmeras poses foram encenadas em frente à bonita casa da fazenda ou desfilando com a sua bela égua Mangalarga, totalmente negra e de elevado porte. Bonitas e diferentes paisagens também foram fotografadas com aquele filme de 24 poses em preto e branco. Um luxo para a época. Assim, retornou ao estúdio fotográfico para a revelação do filme. Empolgado, foi busca-las no dia aprazado. Decepção total. O filme fora inteiramente velado. Também...,  quem mandou abrir a câmera e escancarar o filme contra a luz? Coisa de fotógrafo de primeira viagem, ou melhor, de menino curioso que nada sabia sobre a sensibilidade dos filmes fotográficos.... Lição nunca mais esquecida e não revelada a ninguém, tamanha a decepção pelo erro cometido, nem mesmo ao incrédulo João Sampaio que não viu defeito algum na Kapsa e tampouco imaginara o que se passou.

Aliás, só estou rememorando esse episódio por causa do passamento desse fotógrafo que marcou época em Lavras. Esteve presente em todos os acontecimentos sociais da comunidade e ao comentar, numa rede social, sobre o ilustre fotógrafo e narrar esse episódio, uma amiga, da família Melo, contou toda contente que ainda possui uma Kapsa, que pertencera a seus pais. Reliquia que deve ser guardada com carinho.

Boas recordações da infância e juventude, naquele final da dácada de 1950, na cidade de Lavras, Terra dos Ipês e das Escolas. O amigo e fotógrafo, João Sampaio, deixou registradas não somente as milhares de fotos de nossa cidade e sua gente, mas também registros indeléveis em nossa memória. Um pedaço de nós que se vai, para sempre.


Brasília, 11 de dezembro de 2012

Paulo das Lavras

(Crônica escrita em 2012, dedicada à memória do fotógrafo João Sampaio, falecido naquele ano)



 
Rua Santana-Lavras: à esquerda Foto Guimarães (de João Sampaio) e onde trabalhou, mais tarde, o fotógrafo Antônio Oliveira. Logo acima, o Salão e Barbearia Planche, pai de José Alves de Andrade.
À direita , o casarão de Ângelo Alberto de Moura Delphim
Foto: Acervo de Renato Libeck


O fotógrafoJoão Sampaio,  em 1967
Foto: Acervo de Renato Libeck


O garoto Antônio Oliveira, que também trabalhava no foto Guimarães
e sua máquina de ponta, uma  Rolleiflex e flash Braun.
Eles só emprestavam aqueles caixotes, como eram chamadas as Kapsas.
Foto: arquivos de Antônio de Oliveira


Máquina fotográfica Kapsa, anos 1950, apelidada de “caixote”
Foto: Internet



João Sampaio, em 2012
Foto: Acervo de Renato Libeck





O menino (1967), em foto tomada pelo saudoso fotógrafo João Sampaio,
 na Praça do Colégio de Lourdes.  Ele também usava uma Vespa,  toda equipada, 
tal qual a  "pretinha" que o menino usava para ir à faculdade.
Ao fundo a casa de Miralda Bueno
Foto: João Sampaio – arquivo do autor








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