Uma missão de
empresários percorria imensa plantação de soja na região do cerrado do norte de
Minas. Alguém, maravilhado com a quele mar verde, disse: “... e pensar que essa
maravilha verde, que revolucionou o cerrado, teve como maestro o então ministro
Alysson Paolinelli...”. Este, que estava no banco de trás do veículo, reagiu
pronta e humildemente: “Nada disso, eu fui apenas o sanfoneiro dessa
orquestra”. O jornalista Silvestre Gorgulho conta-nos essa história, em
artigo de jornal de grande circulação em Brasília, demonstrando o caráter
humilde e de extrema competência daquela figura que marcou o desenvolvimento
tecnológico da agricultura nacional, especialmente na conquista do cerrado,
tornando seu solo produtivo, triplicando a produção nacional de grãos com
aproveitamento e melhoria dos solos do
cerrado, sem necessidade de desmatamentos na Amazônia, principalmente.
Na qualidade de diretor do ensino agrícola superior, no Ministério da Educação-MEC, intrigava-me o fato de que, em tendo o Ensino Agrícola Superior sido transferido para o MEC em 1961, por que foi rejeitado, recusado a ser acolhido na sua estrutura educacional por tanto tempo? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 4.024/61) repassou para o MEC toda a responsabilidade pela administração do ensino superior. Este, o ensino agrícola superior, era até então, administrado pelo Ministério da Agricultura (Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário-SEAV, Decreto nº 16.826, de 13 de Outubro de 1944). Somente em 1973, onze anos depois, foi definitivamente instalado no MEC uma coordenação nacional daquele. Por que tanto tempo e tamanha resistência? Saímos a campo em busca de uma resposta satisfatória. No final dos anos 90, paramentado com luvas, óculos e máscaras especiais, equipamentos de proteção pessoal até então quase desconhecidos no país, pois seu uso só se tornou obrigatório em 2020, quando por aqui apareceu a pandemia do COVID, entramos no imenso prédio de arquivos do MEC e em meio às toneladas de pastas e caixas de documentos da antiga SEAV/M.A., algumas intocadas por quase 60 anos, desde que foram transferidas para o MEC. Ali encontramos os registros dos embates travados com a burocracia do Ministério da Educação. A análise daqueles documentos revelou o que já sabíamos por relatos orais do próprio Paolinelli e seus colegas Salim Simão e Almiro Blumenschein da ESALQ/USP e Fausto Aita Gai, da antiga Escola Nacional de Agronomia- ENA, hoje Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Travara-se uma longa batalha, com 12 anos de duração, entre os dirigentes de Escolas de Agronomia e Veterinária e o Ministério da Educação que se recusava acolher o ensino agrícola, despejado do Ministério da Agricultura, conforme disposto na LDB de 1961. Se Alysson Paolinelli foi o maestro da obra do desenvolvimento agrícola, como dito até mesmo pelo Nobel da Paz Norman Borlaug, também o foi na liderança e comando da “virada” do Ensino Agrícola Superior no Brasil. E não foi apenas um humilde sanfoneiro daquela orquestra do Agro, como ele próprio rebateu o elogio do gringo especialista em soja. Não, ali no MEC ele foi um refinado , insistente e persistente Maestro da Ciência e da Educação. Soube, com maestria convencer os especialistas educacionais do MEC sobre a importância de ali acolher o Ensino Agrícola Superior, que, nos padrões modernos se sustentava na pesquisa de produtos e criação de animais adaptados às condições de país continental de clima tropical, sem igual no mundo.
Longa batalha no MEC, ou
melhor, longo tempo no figurado
“Conservatório de Música”, diria ele que também amava ensinar em sala de aula.
Esse “maestro” levou 12 anos de seu trabalho, junto ao MEC e ali afinou os
ouvidos dos “músicos” , dirigentes e assessores da Educação nacional. Venceu após 12 anos, quando o MEC,
finalmente se rendeu e criou diretorias para o Ensino Agrícola. A ser assim,
figuradamente, como maestro ou instrumentista, poderíamos dizer que desta vez
ele não tocou a “sanfona da orquestra do cerrado”, pois ali no MEC, para os
afinados especialistas, formados nas melhores universidades europeias e que
dirigiam a Educação no Brasil, ele certamente buscou tocar outro instrumento, de
orquestra sinfônica, talvez a flauta, de doce melodia tal qual o flautista de
Hamelin encantou as crianças da cidade e todas elas o acompanharam. No MEC, os
especialistas se encantaram e dobraram-se ao encanto da melodia do ensino
agrícola superior com sua trilogia oriunda dos Land Grants Colleges americanos,
implantada pela primeira vez no Brasil justamente na sua Escola Superior de
Agricultura de Lavras, em 1908, e transformada em Universidade Federal de Lavras
em dezembro de 1994. Ali, em Lavras se praticava a tríade que associa o ensino à pesquisa e à extensão
rural, para a formação de profissionais com qualidade adequada ao
desenvolvimento agrícola de país tropical. Não se podia importar uma vaca dos
EUA ou da Holanda, esperando que aqui produzisse os mesmos 50 kg de leite ao
dia, pois seria atacada pelo calor, carrapato e outras pragas e doenças
tropicais e não produziria 10 kg de leite e morreria em meses, com a dura
alimentação de capins secos, difíceis de serem digeridos e muito diferentes de
sua doce alfafa do hemisfério norte. Da mesma forma a soja importada nada
produziria aqui, sob as condições de solos ácidos, pobres em nutrientes e calor
de 40 graus. Tinha que haver pesquisas e experimentos para a adaptação à nossas
condições de clima e solo. Paolinelli era um expert nesses assuntos.
Um ano e meio antes da
aprovação da LDB/1961 já se falava da transferência do ensino agrícola para o
MEC e os diretores dessas escolas, em número de 20 (agronomia e veterinária),
decidiram criar uma associação para melhor representá-los junto ao governo e à
sociedade. Assim, em 1960, reunidos em Piracicaba, foi criada, com a
participação e liderança de Alysson Paolinelli, a Associação Brasileira de
Educação Agrícola Superior- ABEAS. Por meio dela passaram a influenciar o MEC, que
se recusava a aceitar a transferência do ensino agrícola para aquele Ministério.
Foi uma luta pessoal de Paolinelli, que à época era o vice-diretor da antiga
Escola Superior de Agricultura de Lavras, hoje Universidade Federal de Lavras-
UFLA. Somente em 1967 o MEC capitulou e aceitou o ensino agrícola nos moldes
dos Land Grant Colleges, com a trilogia Ensino, Pesquisa e Extensão. Era caro demais, dizia o MEC, pagar
professores em tempo integral, manter fazendas de produção e ainda ir às
propriedades ensinar os agricultores... Caro, sim, pois até então O MEC adotava
o sistema francês, de ensino academista, sem aquelas despesas adicionais.
Diante dos entraves impostos
pelo MEC e ainda sob a alegação de que não dispunha de pessoal qualificado para
gerir o ensino agrícola, foi aprovada em 1968 a criação, por decreto
presidencial, a Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências Agrárias- CECA,
que seria responsável pela implantação, no MEC, das medidas necessárias à
administração do ensino agrícola superior. Surpreendentemente o MEC novamente
reagiu, alegando não haver condições para implantar o ensino agrícola nos
moldes dos Land Grant Colleges americanos, que exigiam enormes despesas,
transferências ou aquisição de fazendas, gado, benfeitorias, máquinas agrícolas
e pessoal em tempo integral (na ocasião, os professores de universidades
vinculadas ao MEC eram contratados em regime de hora/aula). O impasse perdurou
por mais cinco anos até que, finalmente, em 1973 foi implantada a CECA que,
felizmente iniciou rapidamente estudos aprofundados de diagnóstico das demandas
no campo do ensino agrícola superior.
Alysson Paolinelli esteve à
frente de toda essa luta de bastidores no Ministério da Educação e que durou
cerca de 12 anos (1961/73). Enfrentou, em um jeep Willys, as péssimas estradas
da montanhosa Minas Gerais até o Rio de Janeiro e Brasília, onde funcionavam
repartições do MEC. O Brasil deve mais essa a Alysson Paolinelli, a implantação
do ensino superior agrícola com a trilogia Ensino/Pesquisa/Extensão, numa luta sem
trégua por longo tempo e que hoje resultou no melhor ensino agrícola superior,
que tem formado técnicos com competência para nos alçar à condição de maior e
melhor produtor de alimentos do mundo. Nada acontece por acaso. Não bastou
Paolinelli ter sido Ministro da Agricultura, foi também o grande mentor do
ensino agrícola superior brasileiro nos moldes hoje adotado pelas universidades.
O Brasil muito deve a esse benfeitor da paz alimentar mundial e da excelência
do ensino agrícola superior, mundialmente reconhecida.
De fato, além de “tocar uma
sanfona” na orquestra da conquista do cerrado brasileiro, Paolinelli também foi
um maestro, ou na sua sempre humilde interpretação, apenas um violinista ou
pianista no sofisticado “ Concerto das
Sinfonias” de ideias que antes eram contrárias à aceitação do ensino agrícola
no MEC. Sanfoneiro, de ritmo mais acelerado que desperta movimentos rápidos na
dança ou um virtuoso pianista ou mesmo violinista de acordes mais sincronizados
e melodiosos que incitam a meditação, Paolinelli, foi não apenas um
instrumentista, foi de fato um grande Maestro no MEC, onde ensinou e afinou a música do ensino
agrícola superior, formando técnicos que ensejaram ao país a condição de
potência mundial na produção de alimentos. Passei mais de 30 anos como diretor
no MEC e a figura de Alysson Paolinelli sempre foi ali lembrada com respeito,
tanto por ministros como dirigentes do ensino superior. Um grande Maestro!
Brasília, 30de setembro de
2025
Paulo das Lavras
