terça-feira, 30 de setembro de 2025

Paolinelli..., um sanfoneiro no MEC

 
Paolinelli, à direita, com o Chefe do Departamento, Carlos Eduardo Volpato e este autor, 
 comemorando o Cinquentenário do Departamento de Engenharia Rural, da UFLA, que 
ele fundou em 1966, quando ainda era professor de Mecanização e Máquinas  Agrícolas. 
Foto, do autor – UFLA, maio de 2016


           Uma missão de empresários percorria imensa plantação de soja na região do cerrado do norte de Minas. Alguém, maravilhado com a quele mar verde, disse: “... e pensar que essa maravilha verde, que revolucionou o cerrado, teve como maestro o então ministro Alysson Paolinelli...”. Este, que estava no banco de trás do veículo, reagiu pronta e humildemente: “Nada disso, eu fui apenas o sanfoneiro dessa orquestra”. O jornalista Silvestre Gorgulho conta-nos essa história, em artigo de jornal de grande circulação em Brasília, demonstrando o caráter humilde e de extrema competência daquela figura que marcou o desenvolvimento tecnológico da agricultura nacional, especialmente na conquista do cerrado, tornando seu solo produtivo, triplicando a produção nacional de grãos com aproveitamento  e melhoria dos solos do cerrado, sem necessidade de desmatamentos na Amazônia, principalmente.

            Na qualidade de diretor do ensino agrícola superior, no Ministério da Educação-MEC, intrigava-me o fato de que, em tendo o Ensino Agrícola Superior sido transferido para o MEC em 1961, por que foi rejeitado, recusado a ser acolhido na sua estrutura educacional por tanto tempo? A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 4.024/61) repassou para o MEC toda a responsabilidade pela administração do ensino superior. Este, o ensino agrícola superior, era até então, administrado pelo Ministério da Agricultura (Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário-SEAV, Decreto nº 16.826, de 13 de Outubro de 1944). Somente em 1973, onze anos depois, foi definitivamente instalado no MEC uma coordenação nacional daquele. Por que tanto tempo e tamanha resistência? Saímos a campo em busca de uma resposta satisfatória. No final dos anos 90, paramentado com luvas, óculos e máscaras especiais, equipamentos de proteção pessoal até então quase desconhecidos no país, pois seu uso só se tornou obrigatório em 2020, quando por aqui apareceu a pandemia do COVID, entramos no imenso prédio de arquivos do MEC e em meio às toneladas de pastas e caixas de documentos da antiga SEAV/M.A., algumas intocadas por quase 60 anos, desde que foram transferidas para o MEC. Ali encontramos os registros dos embates travados com a burocracia do Ministério da Educação. A análise daqueles documentos revelou o que já sabíamos por relatos orais do próprio Paolinelli e seus colegas Salim Simão e Almiro Blumenschein da ESALQ/USP e Fausto Aita Gai, da antiga Escola Nacional de Agronomia- ENA, hoje Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Travara-se uma longa batalha, com 12 anos de duração, entre os dirigentes de Escolas de Agronomia e Veterinária e o Ministério da Educação que se recusava acolher o ensino agrícola, despejado do Ministério da Agricultura, conforme disposto na LDB de 1961. Se Alysson Paolinelli foi o maestro da obra do desenvolvimento agrícola, como dito até mesmo pelo Nobel da Paz Norman Borlaug, também o foi na liderança e comando da “virada” do Ensino Agrícola Superior no Brasil. E não foi apenas um humilde sanfoneiro daquela orquestra do Agro, como ele próprio rebateu o elogio do gringo especialista em soja. Não, ali no MEC ele foi um refinado , insistente e persistente Maestro da Ciência e da Educação. Soube, com maestria convencer os especialistas educacionais do MEC sobre a importância de ali acolher o Ensino Agrícola Superior,  que, nos padrões modernos se sustentava na pesquisa de produtos e criação de animais adaptados às condições de país continental de clima tropical, sem igual no mundo.

Longa batalha no MEC, ou melhor, longo tempo  no figurado “Conservatório de Música”, diria ele que também amava ensinar em sala de aula. Esse “maestro” levou 12 anos de seu trabalho, junto ao MEC e ali afinou os ouvidos dos “músicos” , dirigentes e assessores da Educação  nacional. Venceu após 12 anos, quando o MEC, finalmente se rendeu e criou diretorias para o Ensino Agrícola. A ser assim, figuradamente, como maestro ou instrumentista, poderíamos dizer que desta vez ele não tocou a “sanfona da orquestra do cerrado”, pois ali no MEC, para os afinados especialistas, formados nas melhores universidades europeias e que dirigiam a Educação no Brasil, ele certamente buscou tocar outro instrumento, de orquestra sinfônica, talvez a flauta, de doce melodia tal qual o flautista de Hamelin encantou as crianças da cidade e todas elas o acompanharam. No MEC, os especialistas se encantaram e dobraram-se ao encanto da melodia do ensino agrícola superior com sua trilogia oriunda dos Land Grants Colleges americanos, implantada pela primeira vez no Brasil justamente na sua Escola Superior de Agricultura de Lavras, em 1908, e transformada em Universidade Federal de Lavras em dezembro de 1994. Ali, em Lavras se praticava a tríade que  associa o ensino à pesquisa e à extensão rural, para a formação de profissionais com qualidade adequada ao desenvolvimento agrícola de país tropical. Não se podia importar uma vaca dos EUA ou da Holanda, esperando que aqui produzisse os mesmos 50 kg de leite ao dia, pois seria atacada pelo calor, carrapato e outras pragas e doenças tropicais e não produziria 10 kg de leite e morreria em meses, com a dura alimentação de capins secos, difíceis de serem digeridos e muito diferentes de sua doce alfafa do hemisfério norte. Da mesma forma a soja importada nada produziria aqui, sob as condições de solos ácidos, pobres em nutrientes e calor de 40 graus. Tinha que haver pesquisas e experimentos para a adaptação à nossas condições de clima e solo. Paolinelli era um expert nesses assuntos.

Um ano e meio antes da aprovação da LDB/1961 já se falava da transferência do ensino agrícola para o MEC e os diretores dessas escolas, em número de 20 (agronomia e veterinária), decidiram criar uma associação para melhor representá-los junto ao governo e à sociedade. Assim, em 1960, reunidos em Piracicaba, foi criada, com a participação e liderança de Alysson Paolinelli, a Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS. Por meio dela passaram a influenciar o MEC, que se recusava a aceitar a transferência do ensino agrícola para aquele Ministério. Foi uma luta pessoal de Paolinelli, que à época era o vice-diretor da antiga Escola Superior de Agricultura de Lavras, hoje Universidade Federal de Lavras- UFLA. Somente em 1967 o MEC capitulou e aceitou o ensino agrícola nos moldes dos Land Grant Colleges, com a trilogia Ensino, Pesquisa e Extensão.  Era caro demais, dizia o MEC, pagar professores em tempo integral, manter fazendas de produção e ainda ir às propriedades ensinar os agricultores... Caro, sim, pois até então O MEC adotava o sistema francês, de ensino academista, sem aquelas despesas adicionais.

Diante dos entraves impostos pelo MEC e ainda sob a alegação de que não dispunha de pessoal qualificado para gerir o ensino agrícola, foi aprovada em 1968 a criação, por decreto presidencial, a Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências Agrárias- CECA, que seria responsável pela implantação, no MEC, das medidas necessárias à administração do ensino agrícola superior. Surpreendentemente o MEC novamente reagiu, alegando não haver condições para implantar o ensino agrícola nos moldes dos Land Grant Colleges americanos, que exigiam enormes despesas, transferências ou aquisição de fazendas, gado, benfeitorias, máquinas agrícolas e pessoal em tempo integral (na ocasião, os professores de universidades vinculadas ao MEC eram contratados em regime de hora/aula). O impasse perdurou por mais cinco anos até que, finalmente, em 1973 foi implantada a CECA que, felizmente iniciou rapidamente estudos aprofundados de diagnóstico das demandas no campo do ensino agrícola superior.

Alysson Paolinelli esteve à frente de toda essa luta de bastidores no Ministério da Educação e que durou cerca de 12 anos (1961/73). Enfrentou, em um jeep Willys, as péssimas estradas da montanhosa Minas Gerais até o Rio de Janeiro e Brasília, onde funcionavam repartições do MEC. O Brasil deve mais essa a Alysson Paolinelli, a implantação do ensino superior agrícola com a trilogia Ensino/Pesquisa/Extensão, numa luta sem trégua por longo tempo e que hoje resultou no melhor ensino agrícola superior, que tem formado técnicos com competência para nos alçar à condição de maior e melhor produtor de alimentos do mundo. Nada acontece por acaso. Não bastou Paolinelli ter sido Ministro da Agricultura, foi também o grande mentor do ensino agrícola superior brasileiro nos moldes hoje adotado pelas universidades. O Brasil muito deve a esse benfeitor da paz alimentar mundial e da excelência do ensino agrícola superior, mundialmente reconhecida.

De fato, além de “tocar uma sanfona” na orquestra da conquista do cerrado brasileiro, Paolinelli também foi um maestro, ou na sua sempre humilde interpretação, apenas um violinista ou pianista  no sofisticado “ Concerto das Sinfonias” de ideias que antes eram contrárias à aceitação do ensino agrícola no MEC. Sanfoneiro, de ritmo mais acelerado que desperta movimentos rápidos na dança ou um virtuoso pianista ou mesmo violinista de acordes mais sincronizados e melodiosos que incitam a meditação, Paolinelli, foi não apenas um instrumentista, foi de fato um grande Maestro no  MEC, onde ensinou e afinou a música do ensino agrícola superior, formando técnicos que ensejaram ao país a condição de potência mundial na produção de alimentos. Passei mais de 30 anos como diretor no MEC e a figura de Alysson Paolinelli sempre foi ali lembrada com respeito, tanto por ministros como dirigentes do ensino superior.  Um grande Maestro!

 

Brasília, 30de setembro de 2025

      Paulo das Lavras