Cinco de
agosto de 1975 e hoje, em 2025 o mesmo 05/08. Chorei..., naquele distante dia,
tal qual o mesmo menino de 12 anos que
deixava a casa dos pais ao embarcar para
o internato, no Seminário de Itaúna, bem longe, a 16 horas de trem
maria-fumaça. A cinquenta anos atrás, em 1975, a data era o dia 05 de agosto,
quando chegava à Brasília, no escuro das cinco
horas daquela fria madrugada de inverno. Dirigindo o próprio carro, um Chevrolet-Opala/GM,
quatro portas, novinho, silencioso e os dois passageiros dormiam tranquilos,
Anizinho, meu irmão, com o qual revezava ao volante nas 12 horas de viagem (960
Km) e o Sr José, radiotelegrafista da ESAL/UFLA. Sim, radiotelegrafista,
responsável pelas comunicações entre o MEC e as instituições de ensino
federais, espalhadas por todo o Brasil. Era o canal direto do Ministério da
Educação com seus dirigentes nas universidades, pois a telefonia interurbana era
incipiente e ainda não existia a Internet que só apareceu 20 anos depois. Ele
vinha visitar seu filho João Chocolate e
o amigo José Marcio de Carvalho, o “Tenório” ex-aluno do Gammon e chefe da Rede
de Telecomunicações do MEC – RETEMEC. Viajamos a noite inteira, passando por
Perdões, Campo Belo, Formiga, Bambui, São Gotardo, Patos de Minas, Paracatu e
finalmente Brasília. Sozinho, com meus pensamentos, dirigindo calmamente pela
madrugada e meditando sobre a importante guinada que dera em minha vida
profissional, deixando a Universidade Federal de Lavras para desempenhar
funções no Ministério da Educação. Deixava tudo, casa, fazenda, parentes
próximos, amigos e as atividades de professor e Pró-reitor de Pós-graduação, O
que me esperava aqui? Como seria esse futuro diferente. A família que chegaria
de avião, logo mais ao meio-dia, procedente de Belo Horizonte, terra de minha
mulher, iria gostar da cidade e se adaptariam ao novo e desconhecido ambiente?
Mineiros gostam de viver em meio aos parentes e amigos e agora, ali, na cidade
grande, capital política do país, como seria? De repente, deslumbra-se à
frente, ainda na rodovia BR-040, um cenário maravilhoso. Do alto da região da
cidade satélite do Gama, aparece Brasília, lá embaixo, fulgurante, deslumbrante, com seu
formato inconfundível de asas de avião, toda iluminada com luz amarela de vapor
de sódio. Um amarelo citrino, brilhante e cintilando na madrugada escura e
límpida, do clima seco do mês de agosto.
Chorei..., mas
não foi apenas naquela fria madrugada, com a bela vista da cidade a uns 10 km
de distância. O dia anterior também foi duro para os sentimentos. Segunda feira
04 de agosto, foi o dia da aula inaugural do segundo programa de mestrado da
ESAL/UFLA, o curso de Administração Rural, pioneiro no Brasil, destinado a
estudar a gestão do agronegócio. Não existiam professores especialista no país
e tivemos que buscar alguns no exterior. Me lembro do Prof. José Cal Vidal,
pois, fui buscá-lo na Califórnia/Santa Clara, ao sul de San Francisco e assim
obtivemos a aprovação da Capes/MEC. Aula Magna, autoridades, convidados, discursos
enaltecendo a iniciativa pioneira da universidade que certamente teria grandes
impactos na agronegócio brasileiro, que já despontava no mundo, até mesmo com
elogios de Norman Borlaug, o Nobel da Paz, na área da Agricultura com sua
chamada “Revolução Verde” e que aqui esteve a convite do Ministro Alysson
Paolinelli. Quase ao final da cerimônia, uma aluna do curso de mestrado de
Fitotecnia, iniciado em março, cinco meses antes, como o primeiro mestrado da
ESAL/UFLA, foi convidada à mesa da solenidade. Leu uma carta dirigida a mim, de
agradecimento e despedida dos alunos daquele curso de mestrado. Foram as
palavras mais carinhosas que recebi até então. Emocionado pelo reconhecimento
ao trabalho que ali desenvolvemos para o progresso do ciência e do ensino
agrícola superior, segurei as lágrimas, mas, poucos minutos depois, e após encerramento da solenidade, deixei o
local e em despedida fui até o estacionamento, ao lado do prédio da reitoria,
estacionei o carrão sob uma árvore que ainda hoje lá está, contemplei o
belíssimo cenário da cidade com a Serra da Bocaina emoldurando os seus
arredores, tendo atrás de mim, o novo campus universitário de apenas cinco anos
de existência, o qual ajudei a construir, desde a locação da principal avenida
aos primeiros 10 prédios que serviram de início para suas atividades em 1970. E
agora ali estava, pronto para partir, deixar aquela que ajudamos a construir e
nela implantamos os primeiros cursos de pós-graduação, como parte de um plano
maior de transformar aquela Escola em Universidade, o que aliás, se concretizou
pouco tempo depois. E então, deixar tudo e enfrentar o desconhecido na distante
Brasília, onde novos desafios nos esperavam. Abri a carta recebida na
cerimônia, com a assinatura de todos os alunos do mestrado de Fitotecnia. Li,
reli, desabei em choro, ali no silêncio de meu carro, tendo pela frente a
majestosa Serra da Bocaina e a cidade, berço onde nasci e atrás, a poucos
metros o primeiro prédio do campus, sede da administração da Escola, construído em 1969 e com nossa participação.
Ah... emoção demais. Não consegui segurar as lágrimas. Seis horas depois, já no
final da tarde, dei partida no carro e ganhamos a estrada, para uma longa e
demorada viagem para o novo destino, mas estava com a alma e os sentimentos
divididos. Na chegada, ao avistar a fulgurante Brasília naquela madrugada de um
dia como o de hoje, 05 de agosto, foi como um bálsamo para alma, um sentimento
de “terra prometida” e que Deus estava no comando, presenteando-me com aquela
bela visão de um cenário sem igual. E estava, Ele esteve comigo o tempo todo
nesses 50 anos que aqui estou residindo!
Sozinho em
meus pensamentos, reduzi a velocidade do carro, quase parando na rodovia ainda
com pouco movimento e me extasiei com aquela bela e silenciosa visão quase
fantasmagórica em meio à escuridão do cerrado do Planalto Central. Nunca havia
visto aquele cenário dourado-luminoso, pois as viagens anteriores , sempre de
avião, aconteceram durante o dia. Exclamei para mim mesmo: Eis a minha terra
prometida. Que o Senhor abençoe minha vida aqui, ainda que fique por pouco
tempo. Aqui cheguei com as bênçãos de Deus e hoje, no dia em que comemoro os 50
anos de estada em Brasília, acordei quase às mesmas cinco horas da matina, abri
a janela, respirei o ar puro, um pouquinho frio e contemplei as luzes da cidade
que, embora tenham sido trocadas há poucos meses pela cor branca do led,
aposentando as luzes neon amarelas de sódio, ainda assim relembrei aquele dia
05 de agosto de 1975, a visão repentina e deslumbrante das luzes de neon
dourado e os sonhos que então
imaginei..., como seriam meus dias por aqui, pedindo a Deus que abençoasse a
mim e minha família naquela nova jornada que ora se iniciava. Sonhos de um
jovem menino de trinta anos e hoje sou mais que grato a Deus
por tudo que aqui vivi. Pois bem, chegando ao novo e amplo aparta
Chegamos com a
família ao Bloco I da SQS 308, a superquadra mais charmosa de Brasília,
considerada quadra-modelo, com obras de arte de Niemeyer, Athos Bulcão e jardins
de Burle Marx, um luxo. Ali estavam,
dentre outras, a belíssima e histórica
Igrejinha de Fátima, em forma de chapéu de freira, mandada construir por dona
Sarah Kubistchek e inaugurada em 1958,
em promessa pela cura de tuberculose de sua filhinha, ainda no Rio de Janeiro,
antiga capital federal. Ali também havia o Clube Vizinhança, a Escola Parque –
modelo, e a Escola Classe onde as filhas gêmeas, de apenas três anos de idade,
frequentaram. Uma Escolinha diferente, que até recebeu a visita da Rainha
Elizabeth II, da Inglaterra. Nunca tínhamos visto tanto conforto na vida
comunitária, com jardins caprichados e muito bem arborizada. Um paraíso para a
família e em especial para as crianças. Foi dali, da janela daquele imenso
apartamento que também pude ver o
féretro de JK, exato um ano depois daquela atenciosa saudação que dele recebi à
chegada, no aeroporto. Esta foi uma das poucas tristezas que passei em Brasília,
a despedida de Jk, que faleceu tragicamente em acidente de carro na via Dutra, em agosto de 1976.
Os primeiros
dias e semanas em Brasília foram de outras e constantes explorações de seus
amplos e ajardinados espaços. Muito diferentes de tudo que conhecíamos como
cidades. Árvores em todos os lugares, ao
redor dos prédios bem espaçados, e enormes canteiros ao lado de avenidas. Aliás,
ruas e avenidas sem nome. Sim, estranho para nós acostumados ao padrão
brasileiro de suas cidades. Aqui, os
endereços são classificados pela orientação dos pontos cardeais, norte, sul,
leste e oeste, sudoeste, noroeste, e outras designações em função da
utilização, como Setor Habitacional, Setor Comercial, Bancário, Autarquias, Militar,
Indústria, Ministérios, Três Poderes, Residencial
e tantas outras e sempre acompanhados da especificação local sul ou norte,
sudoeste e noroeste. Apenas alguma avenidas são nominadas como a W3 (oeste 3) a
L2 (leste 2) e diferenciadas com a localização sul ou norte. Mas e as ruas próximas
aos prédio? Simplesmente não têm nomes. Aqui quem é denominado é o quarteirão,
que se chama Superquadra. Estas são numeradas de 01 a 16 sul ou norte e se
estiver do lado leste (L) seria 202, 402, 203, 403 e assim por diante até o numeral
16. Se a Superquadra estiver localizada do lado oeste (W) a numeração é 102,
302, 103, 303... E qual seria a linha divisória do L (leste) e do W (oeste)? É
a linha que corresponde à nervura central da asa do avião que é uma enorme
avenida de três faixas em cada sentido e uma faixa de metros de largura ao
meio, chamada faixa presidencial. Asa de avião? Sim, a cidade foi projetada em
forma de avião e temos aas asas Sul e norte, a parte dianteira do avião é a
Esplanada dos Ministérios e a cabine do piloto seria o Palácio da Alvorada.
Difícil entender e se locomover nesse labirinto sem nome de rua. A cabeça do
motorista recém-chegado dá um nó, pois estava acostumado aos quarteirões e ruas
retilíneas formando quadriculados, cheios de esquinas (Belo Horizonte tem uma
esquina a cada 20 metros nas
confluências com a Avenida Afondo Pena). Aqui, não! Só linhas curvas e o pior de tudo..., não há esquinas.... Sim
não há esquinas, pois os cruzamentos são em forma de trevo de rodovia, com
viaduto e tudo e são chamados de “tesourinhas”. Meu Deus,
é confuso demais para quem chega. Gatei mais de um mês para aprender a andar de
carro próprio por aqui. Os domingos eram reservados para flanar de carro, errar
muito os caminhos, manobrar e retornar, pois e entrarmos numa Superquadra...
adeus, tem que manobrar e voltar pela mesma e única entrada. Privacidade, disse
Lúcio Costa, só entram os moradores e não é caminho para ninguém. Quem ali
entra tem que voltar pelo mesmo caminho, semelhante a um condomínio fechado.
Mas, confesso, em pouco tempo me rendi, aprendi e sou, até hoje, um admirador
da malha viária de Brasília, com pistas de 30, 60 e 80km/h e ainda conta com o
Metrô. Apesar dos mais de 2 milhões de veículos em circulação, incluindo
carros, motos, caminhões e ônibus, com índice de 1,3 habitantes por veículo, o
maior do Brasil, ainda assim o trânsito flui bem, sem engarrafamentos e com razoável
velocidade. Aqui ainda não se pode falar que chegamos atrasado a um compromisso
por causa de engarrafamentos. Interessante notar que hoje a cidade conta com mais
de três milhões de habitantes e quando aqui cheguei , havia apenas 600 mil
habitantes e 120 mil veículos. Os jornais diziam à época, orgulhosamente, que
em caso de catástrofe e necessidade de evacuação da cidade, todos os habitantes
caberiam na sua frota de veículos. Coisas de Brasília, única no país, onde as
pessoas têm cabeça, tronco e ... rodas.
Brasília ,
hoje, é uma cidade-parque, com mais de 6 milhões de árvores, muitas das quais
são fruteiras que atraem pássaros e outros animais como saruês e micos. As
Superquadras são verdadeiras quadras-parque, cercada de árvores em lindas
alamedas, nas quais o pedestre pode caminhar sob sol a pino, porém desfrutando
de passarelas e ciclovias sob sombras, protegido do sol, a qualquer hora do
dia. Amo as caminhadas entre quero-quero,
curicacas, gaviões carcarás, maritacas sabiás e pasmem: araras canindé e
tucanos. Verdadeiro paraíso da natureza. Nenhuma cidade do mundo tem essa
qualidade de vida. Trabalhei em grande parte do mundo. Nova York, se quisermos caminhar
temos que ir em busca do Central Park , Londres idem e em Paris tem que se
pegar o metrô. Vancouver, Lisboa, Madrid e outras capitais europeias também não
dispõem de áreas verdes como aqui. De meu prédio, na Asa Sul, ando apenas uns
10 ou 15 passos e já estou na alameda com passarelas para pedestres e sob
sombra de árvores frondosas de 50 ou 60 anos de idade. Ar puro, flores e
pássaros alegram a caminhada.
Sinceramente, além do sucesso profissional, que é outra história a ser
contada, minha permanência em Brasília por esse longo tempo se deve, também, a
esses fatores de qualidade de vida para a família, especialmente os filhos que
aqui chegaram ainda no colo e encontraram espaço e excelentes condições de vida
escolar e social.
Brasília...,
vim para passar apenas três ou no máximo cinco anos, enquanto durasse aquele
governo que me convidou para aqui estar e administrar um grande programa
internacional para desenvolvimento da educação agrícola superior. Convites
reiterados, com a concordância de minha Universidade Federal de Lavras, acabei
sendo seduzido por essa cidade sui generis, planejada, ótima para se criar os
filhos e campo de trabalho ímpar no Ministério da Educação. Os filhos
cresceram, chegaram os netos..., agora é colher os frutos desse longo cultivo.
Valeu, Brasília...,
50 anos de convivência, completamos hoje. Amém!
Brasília, 05 de agosto de 2025
Paulo das Lavras
P.S. O menino
só não fala da saudade da terra natal. No entanto, ela está tão impregnada na alma quanto no
pseudônimo de cronista, que gosta de contar as coisas da infância e da
juventude ali vividas com muito amor, carinho, cultura e formação profissional,
sem falar da Universidade que ajudou a
construir, auxiliando seu grande arquiteto Alysson Paolinelli. Mas estas são
outras histórias, algumas já contadas neste blog.
