Há
dois dias, em 16 de junho, celebrou-se o Dia Internacional dos Trabalhadores
Domésticos, cuja data coincide com a assinatura, no ano de 2011, da Convenção
189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Foi um ato de notável
relevância, assinado por grande maioria
dos representantes de governos, empregadores e trabalhadores, recomendando medidas para que o trabalho
doméstico seja um trabalho digno e valorizado. O Brasil ratificou a referida
Convenção, embora não tenhamos visto nenhuma comemoração oficial. Isto, Talvez,
se deva à tradição católica brasileira que considera a data de 27 de abril como
o dia da empregada doméstica. Esta data foi escolhida pelo Papa Pio XII, nos
anos 40, proclamando Santa Zita como a padroeira das empregadas domésticas.
Argumentava a igreja que Santa Zita foi empregada doméstica desde os 12 anos de idade, criança, ainda. Era muito
humilde, caridosa e se contentava em trabalhar em troca de comida, roupa e um
local para dormir. Não é de se estranhar, portanto, que na cultura brasileira,
originada no estilo do colonizador português, a empregada doméstica tenha sido
uma constante nos lares das famílias mais abastadas, desde os tempos da
escravidão, como bem retratou o pintor francês Jean-Batiste Debret que aqui esteve
por 14 anos. Quanto ao estereótipo adotado pela igreja católica, em relação aos empregados domésticos, é
preciso, antes, entender que ela sempre ignorou a escravidão, ao contrário, até
mesmo estimulou essa prática quando o papa Nicolau V, em 1452, baixou uma bula
papal concedendo a Portugal o direito de capturar e escravizar os negros da
África, reduzindo-os à submissão perpétua, com o único o argumento de que não
eram cristãos. À parte os atavismos e maus costumes de desrespeito à vida
humana, fiquemos com os dias atuais que embora melhores, ainda temos muito a
fazer.
Até há pouco
tempo, era costume a empregada doméstica residir na casa dos patrões, sendo
tratada quase que em regime de escravidão, com longas jornadas que se estendiam
até à noite e sem nenhum direito trabalhista. Em minha cidade natal, no sul de
Minas, berço das minerações de ouro e com grande número de escravos, as figuras
de uma , duas e até três empregadas domésticas na casa grande era comum, até o
final dos anos 70 do século passado. Vivi, convivi e presenciei essas situações
muito comuns à época. Mas, história à parte, tratemos da importância do
trabalhador doméstico, seja ele ou ela o responsável pela limpeza da casa,
cozinha de forno e fogão, governanta, cuidador de idosos, babás, lavadeiras,
motoristas particulares, caseiros jardineiros, vigias e empregados
mensalistas, conforme são chamados hoje em dia. Representam um contingente
de mais de 6 milhões de profissionais no país, conforme a Pesquisa
Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad) de 2023. Cerca de 91% dos
trabalhadores domésticos são mulheres e estas ainda não contam com creches
suficientes para seus filhos, deixando-os em casa aos cuidados de terceiros, geralmente
os filhos mais velhos, crianças ainda, ou então com vizinhos. A taxa de
informalidade beira os 75%, sem nenhum direito trabalhista, a começar pelo
acesso à seguridade social, jornadas justas, férias e outros benefícios.
Por outro
lado, essa situação injusta tem melhorado e recentemente o Ministério do
Trabalho e Emprego lançou a Campanha Nacional pelo Trabalho Doméstico Decente, com
o tema “O controle da jornada das trabalhadoras domésticas como direito
essencial ao trabalho decente”. Aquele
regime de semi-escravidão, que perdurou
até os anos 70, é raro, pois, nos últimos 50 anos mudou-se o regime social
brasileiro. Raramente há a “casa grande”, prevalecendo a moradia em
apartamentos de cidades com mais de vinte mil habitantes. O quarto de empregada
(um cubículo de 2 x 1,50m) nem existe mais nos prédios construídos nos últimos
anos. Cresceu, por outro lado, o número de diaristas e babás, mas, com jornadas
de trabalho dentro da lei e salários regulados com direito a vale transporte e
outros benefícios. Houve, de fato, progressos sociais na profissão de
trabalhador doméstico no Brasil. Afinal, reveste-se de grande importância e é
reconhecido como “trabalho de cuidados”, envolvendo todas as atividades do lar,
da casa, da cozinha aos cuidados com
crianças e idosos. Trabalho de cuidados essenciais para as famílias, a
sociedade enfim. Mas, não tem recebido
atenção que merece e quase sempre há outros fatores que impedem seu
justo reconhecimento . É um trabalho invisível e se torna mais injusto ainda quando
envolve o sentimento, o afeto de quem se dedica, por exemplo aos cuidados com
as crianças e idosos da família. Portanto, falar de sua importância não é
difícil, pois seu trabalho possibilita que os membros da família tenham mais
tempo para se dedicar a outras atividades e, muitas vezes, esses trabalhadores tornam-se
verdadeiros membros da família, com laços afetivos duradouros. Esta é
uma das principais características do trabalho doméstico e não à toa 91% das
pessoas que o realizam são mulheres, que se destacam na dedicação, amor e afeto
à casa, ao lar.
Cuidador... ? Todos
nós cuidamos e seremos cuidados ao longo de nossas vidas. Hoje, cuidamos de
nossos entes queridos e das crianças e idosos que merecem atenção. Amanhã
seremos nós que vamos merecer cuidados. Por
isso, nesse dia dedicado aos trabalhadores domésticos, devemos refletir sobre o
seu trabalho e dedicar-lhes mais valor e respeito a seus direitos. É uma ótima
oportunidade para a reflexão, reconhecer seus direitos, valorizá-los e respeita-los, dando-lhes um ambiente de
trabalho justo e digno para aqueles que cuidam de nosso lar com zelo, carinho e
dedicação. Muitas vezes somos traídos pelo costume e não nos lembramos
desta importante e necessária valorização. Num país com raízes escravocratas,
onde tivemos a presença constante da ama-de-leite, da babá, do (a) menino(a) de
companhia, cozinheira, lavadeira, quitandeira e quantos mais títulos houver na
lida doméstica, nos acostumamos a esse atavismo e nem nos lembramos de
valorizá-los hoje em dia. Agora, mais do que nunca, os empregados domésticos
são mais que importantes, pois com a ascensão social da mulher, que busca seu
lugar no mercado de trabalho, levou-a a se ausentar do lar e, portanto, entra a
figura, a presença da empregada doméstica que passou a ser a gestora da casa,
além de cuidar das crianças, em especial.
A empregada doméstica é, hoje, figura mais que importante na vida das
famílias brasileiras. E já se foi o tempo em que eram tratadas em regime de
semi-escravidão.
E por falar em
passado escravocrata, outro dia assisti na TV um show deprimente, condenável,
de um senador da República destratando uma mulher negra, humilde, porém,
educada, ocupando cargo de Ministra de Estado. Ela foi firme contra os ataques
misógino e racista, resquícios, segundo a crítica de um intelectual, o
ex-senador Cristovam Buarque, da cultura atávica escravocrata que, a qualquer
motivo gritava para os escravos: “ponha-se no seu lugar”, tal qual aquele outro
senador atacara a ilustre Ministra, ali, ao vivo em audiência pública no Senado
Federal. Deprimente e condenável, pois se ali no Senado Federal, não se
respeita a humilde origem de trabalhadora rural e a cor de sua pele, imagine em meio à sociedade com seus cidadãos comuns. Outro
cidadão, indignado com esses tratamentos, veio à imprensa e se manifestou
dizendo que o Brasil não aboliu a escravidão: terceirizou-a e casos como os das
empregadas domésticas que cuidam de sua casa, virou racismo de estimação,
concluiu o autor. Aquele senador que gritou, publicamente, “ponha-se no seu
lugar”, como a perpetuar o pensamento da cultura escravocrata sobre alguém de
cor negra e de humilde origem rural, não teria gritado assim com seus colegas,
concluiu Cristovam Buarque, em recente artigo de jornal.
Mas, apesar
desses percalços, o Brasil progrediu e continuará nessa linha de progresso
social. Leis existem, a sociedade tem consciência do valor do trabalhador
doméstico e todos lutamos por melhor educação e assistência a todos os
brasileiros. Somente por meio da Educação e consequente conscientização de
todos, atingiremos os níveis necessários para o respeito e valorização da
profissão do trabalho doméstico.
Brasília, 18
de junho de 2025
