terça-feira, 27 de maio de 2025

Uma palestra na UNB e os sonhos da juventude

 
                                                                                                                                                         UnB- 13/05/2025 


 

Voltei à Universidade de Brasília-UNB, instituição que marcou minha vida profissional na capital de nosso país, quando diretor no Ministério da Educação. Os constantes contatos, na gestão de programas de melhoria do ensino superior, com reitores e professores como o saudoso diretor da  Agronomia, Prof. Roberto Meirelles de Miranda, carioca, atuante no ensino e na pesquisa, oriundo da antiga Escola Nacional de Agronomia-ENA, hoje UFRRJ e do Instituto de Pesquisas Agrícolas do Ministério da Agricultura. Nossos programas de desenvolvimento do ensino agrícola superior, sob nossa coordenação no MEC, proporcionaram à UNB, um desenvolvimento destacado na melhoria de seus cursos de graduação e pós-graduação da área agrícola. Foram anos de convívio e mais tarde, antes da virada do século, ali frequentamos o curso de pós-graduação de Planejamento e Avaliação Institucional de Universidades e da Educação Superior, patrocinado pela Unesco, onde travamos conhecimento com as inovações mundiais e renomados autores e pesquisadores internacionais daquela nascente e importantíssima área que, logo em seguida gerou no Brasil o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES (Lei nº 10.861/ 2004). Ali retornamos algumas vezes para eventos técnico-científicos ou mesmo para  proferir palestras. E hoje, voltamos para mais um contato com os alunos, para falar sobre a carreira da Agronomia e o exercício da profissão.

Palestrar é uma das atividades mais prazerosas  para um professor, qualquer que seja o público. Tenho proferido palestras em diversos e distintos locais e ambientes ao longo de mais de 50 anos de carreira profissional, seja para estudantes, profissionais das ciências agrárias e executivos. Palestras, simpósios e congressos nas universidades e conselhos profissionais foram os locais mais frequentes, no país e no exterior. Por força de ofício no desempenho do cargo de diretor do Ensino Agrícola Superior, e na diretoria de Avaliação das Universidades e da Educação Superior, no Ministério da Educação, visitamos e palestramos em todas as 53 universidades federais  existentes no país, até o ano de 2005 e depois em outras tantas novas universidades criadas no período de 2003 a 2010. No exterior, além de universidades, predominavam as palestras em órgãos de governo, sempre interessados em estabelecer convênios de cooperação com seus pares brasileiros. Foi assim nos Estados Unidos, em mais de uma dezena de universidades (onde treinamos 250 – duzentos e cinquenta- PhDs) e ainda no Departamento de Estado, na USAID e na Associação Nacional de Universidades Estaduais e Land Grant Colleges, onde tivemos oportunidade de falar sobre a educação agrícola superior no Brasil e assinar convênios de cooperação. Da mesma forma palestramos na  França, em Paris, Nancy e Montpellier e em Centros de Pesquisas Agrícolas.  Nas Américas ministramos palestras em quase todos os países, da Argentina  ao Canadá. Era incrível o interesse desses países em estabelecer convênios com as universidades brasileiras. Nossa Agricultura Tropical era única e gerava tecnologias que despertavam interesse mundial.  Mas, a palestra que mais nos empolga é aquela dirigida aos alunos dos cursos da área de Ciências Agrárias. Incentivar, estimular a carreira da engenharia agronômica, mostrando-lhes o potencial da profissão neste imenso país, celeiro do mundo e ao mesmo tempo falar dos desafios e caminhos que eles devem seguir, é por demais gratificante.

Foi assim, recentemente, na Universidade de Brasília-UNB, com os alunos da série inicial do curso de Agronomia-2025. Falamos sobre a carreira de engenheiro agrônomo, suas características, campo de trabalho e responsabilidade social. Antes de iniciar o tema técnico propriamente dito, focamos a atenção na vida estudantil, suas responsabilidades, liderança e desempenho acadêmico. Mas, antes de adentrar nas questões da formação do Engenheiro Agrônomo, falamos da importância da Agronomia, chamando a atenção para o fato de que, desde os primórdios da humanidade, a relação entre o ser humano e a terra sempre foi de respeito e dependência. A agricultura, como atividade essencial, moldou civilizações, sustentou populações e inspirou inovações ao longo dos séculos. É na interação com o solo que encontramos não apenas sustento, mas também um profundo aprendizado sobre equilíbrio, perseverança e gratidão, e agora, ao chegar ao final de minha carreira profissional, de Engenheiro Agrônomo,  posso dizer com absoluta convicção as seguintes afirmações:

           1 - Não existe profissão mais digna que a Agricultura, pois dela o homem colhe e se     

                alimenta do produto que semeou e cultivou

 

   2- A Agricultura é a primeira das artes. Após a colheita seguem-se as demais como a   

         indústria, o comércio e os serviços.

 

  3- Nunca faltarão atividades profissionais no ramo  da produção de alimentos..., a       

     Engenharia Agronômica

 

  4- O Homem não interfere no Clima Global e sim apenas no microclima

(Luiz Carlos Molon - Climatologista)

 

 5- Sejamos gratos ao Solo. Ele e nos alimenta na vida e nos acolhe na morte

 

 

Passando para a área técnica, discorremos sobre a  origem e evolução da Ciência e do Ensino da Agronomia no mundo e no Brasil, a história antiga e moderna da Educação Agrícola Superior em nosso país, os programas e ações de destaque do MEC e ainda a nossa atividade no Ministério da Educação, na Diretoria de Ensino de Ciências Agrárias. Abordamos a questão do surgimentos das novas carreiras profissionais (Florestas, Eng. Agrícola, Pesca e outras), a evolução e distribuição da oferta de cursos no país, as reformas curriculares a partir de 1961 e as mudanças e inovações na formação  profissional para o Século XXIOutra questão que levanta muitas dúvidas e abordada na palestra, foi a Educação à Distância na Agronomia, pois o MEC está prestes a aprovar novas regras para esta modalidade de ensino. A Educação à Distância não pode ser aplicada integralmente à Engenharia Agronômica. Admitimos um máximo de 20 a 30%  de ministração de conteúdos nessa modalidade e com provas presenciais.Abordamos também sobre as Associações Classe e a regulamentação da profissão, com destaques para os papeis do CREA, CONFEA e Mútua de Assistência, bem como as leis, regras e ética no exercício profissional. Finalmente focamos atenção sobre as questões afetas ao mercado de trabalho no campo da Agronomia. 

Ao final, na parte reservada aos debates, um aluno perguntou: “Professor, o que é preciso para se ter sucesso na profissão da Agronomia?”. Respondi-lhe secamente, de alto e em bom tom: Sorte!... Muita sorte... Seguiu-se um silêncio proposital de minha parte. Olhares desconfiados dos alunos... e, após alguns instantes prossegui. Não é aquela “sorte” aleatória de se ganhar na loteria ou ser premiado com a companhia da moça mais bonita da festa. Não! A sorte à qual me refiro são as boas escolhas na vida, a “dedicação e fazer diferença”.  Não basta ser inteligente. Muitos também são assim dotados. A principal condição para se alcançar o sucesso é, simplesmente, fazer diferença! Seja diferente! Dedique-se aos estudos, pois este é o mais importante quesito para se alcançar o sucesso profissional. Leia muito, tudo aquilo que se refira ao tema em estudo. Seja questionador em sala de aula e lembre-se, os mais inteligentes não são aqueles que sabem todas as respostas e tiram 10 nas provas, mas sim, os que fazem perguntas instigantes e para as quais talvez ainda não haja respostas. É fácil decorar respostas, mas o melhor é ter espírito crítico, observador e questionador para todas as coisas da ciência. Aprenda a ser crítico, analítico, pois é assim que funciona na prática do mercado de trabalho. Pesquise as fontes de consultas, busque respostas para as questões, proponha soluções. Por outro lado, se seu colega tiver dificuldade, ajude-o, ensine-o, pois o ato de ensinar reforça e consolida o saber. Até mesmo os poetas confirmam essa verdade. A poetisa Cora Coralina escreveu: “Feliz aquele que transfere o que  sabe e aprende o que ensina”

Nessa linha do “fazer diferença”, na dedicação aos estudos, há um outro fator de relevância e que poucos alunos se dão conta de sua importância: aproxime-se dos bons professores. Eles adoram tutorar seus alunos. Tive três professores excepcionais no saber e competência profissional, na didática e no trato com os alunos. Me agarrei a eles, os professores Alfredo Scheid Lopes (o pai do Cerrado, que assessorou o ministro da Agricultura Alysson Paolinelli a conseguir desbravar esse tipo de solo), Paulo de Souza, da área de Fitopatologia,  mas nos iniciou na arte do cultivo do café e da pesquisa agrícola, pois acumulava a função de diretor da Estação Experimental Agrícola do M. Agricultura e o Professor Alysson Paolinelli, da área mecanização agrícola, diretor da ESAL/UFLA e foi o ministro que revolucionou a agricultura brasileira. Eles tinham o dom de cativar e influenciar os alunos, incentivando-os na futura profissão, levando-os a participar de congressos, exposições e dia-de-campo. Faziam diferença. Portanto, este é um fator importantíssimo na formação do futuro profissional. Identifique esses professores e se aproximem deles. Eles vão adorar essa missão adicional de tutorar seus pupilos. A maior alegria de um mestre é ver seu pupilo ultrapassá-lo e alcançar o sucesso.

Bem, o sucesso profissional, vocês querem saber como alcançá-lo? Já falamos algum requisitos e aqui vai outro, muito importante: seja ético e cumpridor de suas obrigações, pois todos estão de olho em você, especialmente os professores. Eles sabem identificar talentosos e desinteressados... Lembre-se que  talvez um único deslize  de sua parte possa lhe fechar as portas, ainda na faculdade. Melhor fazer diferença pelo lado positivo. Todos notarão sua assiduidade, dedicação, interesse e competência  no trato das questões profissionais. Como se vê, o sucesso não vem por acaso... e ironicamente podemos dizer que depende de muita sorte..., a sorte nas escolhas certas e muita ralação. Ralei muito, horas e horas de estudos, sem futebol, noitadas, jogo de sinuca (era um vício nos tempos de estudante) e aproveitava o tempo para estudar. Não importavam os apelidos de Caxias, cdf e outros tantos (hoje se chama bullying) que só eram compensados (vingados, melhor dizendo...) em dia de prova, pelo assédio de passar-lhes “cola”. Era divertido, pois nesse dia de prova, deixávamos para ser o último a entrar em sala. Olhava e via os  gestos de “seu lugar está reservado aqui- venha para cá, ao meu lado...”, quase sempre lá no fundão. Cumprimentava o professor, que já estava de olho nos “arranjos” e... me assentava na primeira fileira, quase vazia...

 Posso dizer que tive muita “sorte”, fiz as escolhas certas e trilhei caminhos certos. Estudei muito mais que os colegas, brinquei menos do que podia, sempre andava com pessoas mais velhas e com eles aprendia mais, dormia menos tempo que os colegas, passava boa parte das noites não em farras e diversões, mas ouvindo o enorme rádio de válvulas, com chiados, sintonizado na BBC de Londres, na Voice of América de Washington/EUA, na Radio France, RAI- Itália, Deutsche Welle/Alemanha e a Belgrano de Buenos Aires, pois, seis ou sete décadas atrás não havia os recursos de hoje para se aprender idiomas, sequer cursinhos de línguas. Mais tarde, já no exercício da profissão, enfrentava com disposição as constantes intempéries, nos altos das montanhas de Minas Gerais, as salas de aula e a vida de executivo da educação superior com 200 dias de viagens por ano em todo o país, literalmente, e por várias partes do mundo. Não esmorecia nunca, noites sem dormir, fusos horários que interferiam no metabolismo do corpo, palestras e debates em diferentes idiomas, que exauriam o cérebro em velocidade vertiginosa (tradutores simultâneos trabalham apenas quarenta minutos e descansam uma hora, devido ao esgotamento mental).  Mesmo assim, o entusiasmo e o gosto pela profissão predominavam, como a confirmar quele velho adágio: ... “escolha uma profissão que goste e sinta-se como se nunca tivesse trabalhado um dia sequer”. Façam o mesmo. Façam as escolhas certas, dediquem-se e sejam felizes nos estudos e principalmente nessa maravilhosa profissão de Engenheiro Agrônomo, pois esse tipo de  “sorte” não falha nunca. É o caminho certo e seguro para o sucesso!

Nessa fase de estudante, apeguem-se aos mestre enquanto podem. Reverencie-os, pois neles está a sabedoria que não se encontra nos livros, a convivência na escuta de seus problemas, suas dúvidas,  na partilha das experiências acumuladas, onde o saber não é apenas  técnica, mas também a ética que é a narrativa do sentido real da vida. A vida é maior que tudo e o saber é, antes de mais nada é um cuidado, um afeto para a alma inquieta que tudo quer saber, quer aprender. O saber é também um cuidado com a natureza - a vida! E isto é próprio da Agronomia – a Vida, a água, o solo a planta, os animais e os alimentos que nutrem a vida humana. E neste contexto, nossos bons mestres, nos inspiram, apontam caminhos possíveis entre o conhecimento, o saber e a técnica, confrontando-os com a  ética e o respeito humano. A eles, ainda hoje, sou eternamente grato e devedor pelos ensinamentos e dedicação recebidos.

Sejam felizes, realizem seus sonhos nesta mais bela e digna profissão, que cuida do solo e produz alimentos para o corpo, cuidando da VIDA. A vida animal, incluindo nós mesmos, a vida vegetal e vida do Solo.  Aliás, sempre começo minhas palestras para estudantes e profissionais da Agronomia, com os seguintes dizeres:

Sejamos gratos ao Solo, pois ele nos alimenta na vida e nos acolhe na morte.

 Finalmente,  ao olhar para trás, vejo uma agricultura moderna, que abastece nosso país e o mundo. Vejo os cuidados com a natureza, o solo-mãe de nossos alimentos, nossos rios e a pureza do ar. Dou Graças a Deus pela dádiva da Vida e pela mais bela e digna de todas a atividades – a Agricultura. A primeira, a maior e mais importante escolha vocês acabaram de fazer: a  profissão de Engenheiro Agrônomo. Outras escolhas virão, como por exemplo, qual a especialidade a seguir? Qualquer que seja a especialidade no campo da Agronomia, vocês certamente chegarão ao sucesso. Sonhem alto, mas com os pés no chão, o mesmo chão que lhes sustentará.

Sucesso sempre!

 Brasília, 27 de maio de 2025 

  Paulo das Lavras


 
Com o Prof. Felipe/UNB, da disciplina 
“Legislação e Ética Profissional”


 
O uso de drones na Agricultura tem aumentado bastante, pois seus resultados 
 têm se destacado como fator de melhoria na produção e com forte apelo na Agronomia 
Foto: internet

 








 

domingo, 18 de maio de 2025

A vida é breve..., dizem!

 
A vida não é breve, não! Veja..., o médico obstetra que trouxe à luz a 
minha filha,  de amarelo, agora curte os netos, 30 anos depois


Não, não é, a vida nunca foi breve! Pelo menos para quem a viveu intensamente, e para mim, as lembranças estão gravadas na memória desde a tenra idade de dois anos. A vida tem o tempo certo, dividida em fases, a infância, puberdade e a adulta, a mais longa.  Se você teve infância feliz, certamente será um adulto feliz, dizem os especialistas e com os quais concordo. Por outro lado, é sabido que o nosso cérebro tem a capacidade de gravar, memorizar os momentos marcantes, bem ali no fundo dos escaninhos da alma. É lá que estão as minhas mais preciosas memórias... , de longo tempo. A vida não é breve...  Poucos têm o privilégio de relembrar as boas lembranças, principalmente aquelas dos primeiros anos de vida. Aconteceu um fato relevante na minha infância e que moldou minha  vida para sempre. Sim, muito criança ainda, convalescente de grande e delicada cirurgia torácica, fiquei com uma sonda torácica durante nove meses, os quais passei a maior parte do tempo no colo de familiares e agregados, tratado com muito carinho e amor. Me lembro que ao cair da noite, meu pai me colocava de bruços sobre seu ombro e tentava fazer com que eu dormisse. Contava casos de bichos da floresta e cantarolava uma cantiga de ninar que ainda hoje me lembro da letra: “o babão passou aqui, chegou na cidade pousou...” . Quando ele já estava quase chegando aos 100 anos sim, cem anos, perguntei-lhe se ainda se lembrava daquela cantiga de ninar e ele confirmou, na presença de outros familiares.

Ora, cheguei aos 80 e ao olhar para trás, nas dobras do tempo, tenho que concordar que a vida não é breve. Passaram-se dias e dias, muitos mesmo, e a vida foi intensa, desde aquele primeiro drible na morte aos dois anos, representada por aguda pleurite, “fatal” como disse o médico à minha mãe, como a prepará-la para um possível e previsível desenlace, incerto, temido pelo próprio cirurgião. Felizmente deu tudo certo e o efeito “colateral” mais surpreendente dessa passagem de minha vida foi que, durante aquele enorme tempo carregado no colo, recebi atenção redobrada e com isso desenvolvi habilidades acima da média das crianças. Foi justamente na fase de formação e desenvolvimento dos neurônios e de atiçada curiosidade da criança. Campo fértil para os estímulos da imaginação, gerando sonhos maravilhosos que mais tarde se tornaram realidade, pois tudo que  brotava das respostas a todos questionamentos pueris ou ainda das instigantes provocações dos adultos, se acumularam na memória do menino. Doces tempos que provocaram o desenvolvimento sadio, que deixava a criança com a sensação de que era muito amada e feliz. Hoje, depressão alguma é capaz de me derrubar, pois meu escape é galopar para dentro. Para dentro de mim, o meu interior a minha essência, a alma. Nela estão armazenadas as mais doces recordações.

Foi assim que venci a primeira batalha, seguindo-se outras seis, até que completasse os 35 anos de idade, incluindo três desastres aéreos em aviões de carreira, sendo os dois primeiros num curto espaço de apenas 15 dias, nos Estados Unidos, quando lá trabalhava. O outro acidente, anos depois, aconteceu em BH e foi mais grave. Venci a corrida contra aquela asquerosa Senhora, com cara de caveira, vestida de preto, carregando uma foice (alfange) às costas. Meu placar de vitórias está alto, 7x0. Hoje, quando olho para trás, vejo o quão tem sido longa a minha vida. E à  medida  que o tempo passa, vejo, sinto que tanto faz medi-lo pelo número de anos ou pelas realizações. Tive uma vida intensa, agitada, viajava 200 (duzentos) dias ao ano, percorrendo os quatro continentes em missões de trabalho. Não havia um único dia com repetição de atividades. Dias desafiadores, próprios para mentes inquietas. 

 Todos aqueles acontecimentos me empurram para um lado mais reflexivo, introvertido, faceta que hoje muitos classificam como espectro autista. Mas, nem tanto ao mar  ou à terra. Poderíamos dizer que tal comportamento encerra apenas traços de autismo que ao deixar de lado atividades sociais de reuniões, bailinhos , esportes , a sinuca (vício dos estudantes de minha época) bebidas e farras outras, concentrou-se na leitura e estudos colegiais, faculdade e idiomas estrangeiros. Aliás, o termo autista nem existia. Éramos taxados pelos colegas de Caxias ou cdf, mas sempre assediados em dias de provas escolares para lhe repassarmos a famosa “cola”. Em casa éramos classificados com adjetivos mais suaves: introvertido, concentrado ou na pior das hipóteses, “entupido” (pouco conversava, calado, só estudava ...). Mas, esse comportamento pessoal, por outro lado, contribuía para o crescimento da alma, aprimorou o gosto pela leitura, aguçou a curiosidade do aprendizado e do saber, criando no menino o hábito do hiperfoco, como decorrência da hiperatividade mental, felizmente diferente e melhor do que a hiperatividade física, que é a mais comum nos casos conhecidos por TDAH. O menino de mente inquieta..., muito mesmo, fervilhante demais, e ainda hoje, até chega a “doer” o cérebro, que se concentra em problemas ou temas pouco explorados e busca uma solução, com hiperconcentração que prejudica até mesmo o sono. Há períodos de profundo cansaço mental, verdadeira exaustão físico-mental que as vezes nos fazem cochilar mesmo diante de um interlocutor. Segundo os especialistas, mentes assim não descansam nem durante o sono. Muitas vezes acordava de madrugada com a solução, pronta, de determinado problema que chegava em forma de sonho onírico. Sempre deixava papel e lápis na cabeceira da cama e ao acordar daquele estado hipnagógico, com a mente ainda flutuando, como a rodar um filme colorido, nítido, anotava a resolução daquilo que me afligia, pois caso contrário não mais me lembraria. Hoje nem é preciso papel e caneta, pois o celular com aplicativos e  memórias gigantescas se prestam para tais anotações. Foi assim que surgiu o hábito de escrever, teses, textos diversos e vários assuntos e principalmente crônicas, as reminiscências da infância e juventude. Escrever crônicas é como imergir nos escaninhos da alma, reviver os episódios da vida. Vivida ou aprendida com outros e sempre recheadas de amor.

Finalmente, cabe lembrar que esse comportamento, moldado desde a infância, também desenvolveu no menino a resiliência, a capacidade da alma de lidar com as dificuldades da vida, sem entrar em depressões, tão comuns hoje em dia. Aos 12 anos decidi, por conta própria que queria ser padre e fui,  com a devida autorização dos pais, estudar num distante Seminário. Voltei um ano depois da clausura de 24 horas ao dia, sete dias na semana... Mas, hoje, passados os anos  e quase sempre, a morte de um colega, ou amigo de infância nos leva a essas reflexões sobre valores da vida. É breve?..., pergunto-me sempre. Recentemente perdi três colegas, todos na faixa dos 80/84 anos, lá se foram Agnelo, Ângelo e João Júlio e isto nos faz avaliar a nossa própria vida. O fato de ultrapassar a marca dos 80  já traz, por si só, a reflexão sobre esses valores. São indagações recorrentes sobre o que fiz e o que merece ser notado, ou então, o que ainda posso fazer? 

Antigamente dizia-se que uma pessoa para se sentir realizada tinha que ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro. Tenho filhos, netos maravilhosos (estes últimos são dádivas de Deus que prolongam nossos dias na terra), plantei mais de dois milhões de árvores nas serras do Cipó, Ouro Preto, Mariana, Caraça, do Curral/BH, Rola Moça, Lavras, Campo Belo, Três Marias e Brasília. Livros? Já escrevi  mais de uma dezena e  outro igual tanto em fase de conclusão, além uma centena de artigos técnicos. Mas, nem por isso acho que devo  me considerar uma pessoa plenamente realizada. Aliás, esqueceram de incluir uma outra atividade muito importante, senão a maior realização, ser professor. Repassar ensinamentos... É nesse campo que devemos refletir sobre uma das nossas maiores contribuições. Na solidão do preparo de uma aula ou ainda na tomada de decisão sobre o que falar e ensinar,  reside a essência da realização humana. Repassar o saber com amor é, verdadeiramente, a essência da vida.  Na solidão da aquisição e do repassar o saber, aprendemos a galopar para o nosso interior, para dentro de nós mesmos. E às vezes, esse mesmo cavalo no qual galopamos para o interior da alma, salta bruscamente para fora. É quando caminhando pela rua, ou em lojas e shoppings ou mais frequentemente em eventos técnicos, somos surpreendidos por ex-alunos: Professor, lembra-se de mim? Agora sou empresário, ou diretor na empresa tal..., obrigado pelo incentivo e ensinamentos...”. Nessa hora, aquele galopar para o interior da introspecção pessoal explode no peito e pula para fora na forma de um abraço afetuoso, de orgulho pela missão cumprida. Ali está o resultado! Vida que valeu a pena e devemos agradecer a Deus por isso.

Tudo tem seu tempo, tempo de plantar e tempo de colher, diz a sabedoria, Há pessoas que teimam em esticar o tempo, querem viver mais e mais. Outros, no entanto, aprofundam a vida, a sua existência. Sempre que parte um amigo, como aqueles mencionados, me ponho a refletir e galopo para dentro de mim mesmo. Este galope é uma estratégia para não cair em depressão, pois sempre chego à conclusão de que a vida pode ser curta (o tempo), mas pode ser intensa, cheia de realizações, significados  que serão lembrados por aqueles que ficam. Basta sermos como as crianças, que vivem com alegria e então semear sabedoria e amor aprendidos ao longo da vida. Esta é a maior das realizações, o melhor legado que podemos deixar. Viva intensamente e lembre-se: A vida não é breve, nunca foi! Pelo menos para quem a viveu intensamente.

Boa semana!

Brasília, 18 de maio de 2025   

  Paulo das Lavras.

 

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Enquanto eu voava só, você criou raízes

 

Vovô viajava muito, mas agora tem mais tempo para os netos. 
Lazer e companheirismo, criando raizes 


           Eu partia, deixava você. Você ficou em casa, levei apenas meus sonhos profissionais, meus projetos de trabalho na Educação Superior e constantes viagens às universidades de todo o Brasil e boa parte do mundo. Um workhaolic. Duzentos dias fora de casa, Rio, BH, Brasília e São Paulo eram constantes, além de temporadas nos EUA, França, México, Canadá e tantos outros países. Os outros 165 dias encerrados nos gabinetes e salas de aula. Férias? Há quando puder..., porém, levava a família para uma praia em Guarapari, Caraguatatuba ou Búzios, Natal, Maceió e outras brazilzão afora. Lá os deixava por duas ou três semanas, mãe filhos e agregados, em confortáveis casas ou apartamentos de temporadas. Pegava o avião de volta à Brasília e se engolfava no turbilhão de afazeres e viagens às universidades brasileiras. De outras feitas, já com a família em casa, partia para longas e demoradas viagens internacionais, especialmente para Estados Unidos e França, onde permanecia por mais de mês a cada semestre.

Sim, duzentos dias ao ano fora de casa, asas que voaram mais de 3.500 vezes sim, três mil e quinhentas. Partia, deixava mãe e filhas, mas levava profunda saudade no coração e ao voltar, como na fábula do pássaro encantado, chegava carregado de penas reluzentes(presentes e mimos) como a expressar a alegria de estar de volta. Colegas de viagem ao verem-me “carregado” de mimos para a família diziam, em tom de blague: “é..., o peso da consciência está grande...”, ao que de pronto retrucava: “sim, é proporcional à saudade, a dor da ausência, o amor que fica em casa, o qual carrego no coração e sempre está presente, principalmente quando distante. Me lembro até mesmo a data, 1983, e o nome do colega, Hércio Ladeira, professor da Universidade de Viçosa, que me acompanhava em voo de Pelotas-RS para Porto Alegre e Brasília, por ocasião do Congresso Anual de Educação Agrícola Superior  e celebração do centenário de fundação da faculdade de Agronomia da UFPEL. Demos boas gargalhadas no avião por conta dessa piada ao ver-me carregando no colo, espremido na poltrona, uma enorme caixa de presente super frágil, uma especialidade daquela culta e histórica cidade gaúcha. Sempre que a comissária de bordo passava e olhava com pena para aquela grande caixa no colo, até impedindo-me de aceitar a bandeja de lanches, o prof. Hércio dizia-lhe: "Coitado..., não se preocupe, Srª aeromoça. Ele está com a consciência pesada e fez promessa de carregar essa carga para a família e se abster de comer qualquer lanche até chegar em casa e ser perdoado, em segredo. Essa caixa está muito pesada e  é proporcional ao peso da consciência...". Só me restava rir, mas tive, de fato, que recusar e agradecer o lanche oferecido.

      Eu parti em constantes viagens mundo afora, mas carreguei um enorme fardo, o da saudade, a falta dos entes queridos. Saudade que por duas vezes me derrubou, literalmente, fui ao chão, e paradoxalmente, fiquei sem chão, em profunda angústia e depressão, em San Franciso, na Califórnia e em Paris na França. Na primeira ainda tive tempo de me assentar no meio fio da rua e fui logo socorrido. Já em Paris, caí ao chão mesmo, semi-inconsciente, com a lufada de ar gelado  de inverno de temperatura abaixo de zero graus, quando abri a janela do quarto para respirar ar mais puro e já quase em pânico na solidão de uma manhã de domingo. 

          Cidade nublada, sem luz do sol, contrastando com sua fama de Cidade Luz, contestada até por JK que ali penou seu exílio político. Disse ele que “Isso (o tempo nublado e gelado de Paris, ao contrário da radiosa e verde Brasília) reflete na alma da gente e só convida a pensamentos que trazem o tom das nuvens, cor de spleen". Atacou-me o pânico,  ansiedade sem igual, beirando a depressão e que me levou a quase perda da consciência.  Fins de semana sozinho eram terríveis. O banzo atacava e inevitavelmente vinha a pergunta inicial: o que estou fazendo aqui a 10.000 km, tão distante de casa, dos entes queridos por tanto tempo e sozinho? Com esse gatilho disparado e durante dois dias a cada final de semana, encerrado num quarto de hotel.... Os transtornos psicológicos durante as viagens já foram objeto de estudos e teses universitárias em centros de pesquisas. Uma recente pesquisa entre 500 profissionais, realizada pelo instituto britânico Help Musicians, revelou alguns dos males que as frequentes viagens podem causar.  Cerca de 60% têm depressão quando estão longe de casa e 75% dos entrevistados declararam sofrer de ansiedade crônica quando estão em viagem. 84% disseram, ainda, ter tido dificuldades de convívio com outras pessoas, especialmente no exterior, com idiomas diferentes.

      No way..., e assim passei minha vida profissional inteira, viajando pelo mundo. Em compensação a esposa criou raízes, criou vínculos indeléveis com os filhos.  Levava e os buscava na escola diariamente, visitas aos médicos que, no início eram muito frequentes para debelar crises de asma nas filhas. Me lembro que algumas vezes, diante do simples anúncio de que o pai iria viajar, desencadeava-se crise asmática em uma das filhas gêmeas. Quando retornava... passava a crise. Aliás, a crise já aliviava um dia antes da chegada, pois ouvia os telefonemas do pai anunciando para o dia seguinte  hora de chegada no aeroporto. Era a senha da felicidade, sorrisinhos, expressão de alegria  e adeus asma. Incrível, porém era um fato que se repetia e ainda hoje as irmãs da menininha asmática se lembram desses acontecimentos frequentes. Quando soube disso pela primeira vez, fiquei chateado comigo mesmo e passei mais de um mês sem viajar, embora passasse mais de 200 dias ao ano fora de casa. Mais uma vez a fábula “A menina e o pássaro encantado” (Rubem Alves) provou ser verdadeira, onde não apenas a menina que ficava sem o pai durante suas viagens, chorava de saudades, mas, também o pai sentia saudades da filhinha de seis anos, que reclamava de suas longas e demoradas ausências. “Eu também terei saudades — dizia o pássaro (o autor da fábula). — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.”

          Mas, chegou a hora de parar com o trabalho, aposentadoria á vista,  mais tempo em casa. Tempo para reflexão, a falta do ambiente de trabalho, colegas, viagens..., um choque brutal. Hora de planejar outro estilo de vida. Leituras, produção de textos em crônicas e livros e, principalmente dedicação à família, aos netos que já em fase escolar, do maternal ao segundo grau, nos renovaram e revigoraram o gosto de vê-los a progredir nos estudos e, pela primeira vez, seria parte constante, presente de corpo de alma daquele maravilhoso processo educativo. No âmbito doméstico acompanhamos e participamos da rotina da casa e até nisto aprendemos a valorizar o trabalho de quem a vida inteira se dedicou a criar raízes, como diz o título dessa crônica. E o aprendizado principal não foi apenas das tarefas de governança da casa, administrar empregados, supermercados e provisão da despensa, manutenção de equipamentos, de roupas de cama e mesa, limpeza e conservação predial, locomoção dos filhos/netos, escola e seus compromissos... O aprendizado maior pode ser resumido numa pergunta que sempre  faço a mim mesmo: Como pôde uma única pessoa, a esposa, sozinha e sem a ajuda do marido que vivia a viajar ou metido 24 horas no trabalho fora de casa? Não me canso de contar isso aos amigos, como se fosse um ato de penitência. Mas, infelizmente, não poderei mais telefonar para o saudoso amigo Hércio Ladeira e contar-lhe que aquela caixa de presentes que deveria pesar bastante e que eu carregava no colo, no avião, em longa viagem de quase três horas, não pesava um milésimo do peso que  me deparei ao me estabelecer em casa. E ainda completaria..., como pôde a esposa suportar com galhardia tudo isso, sozinha? Tenho a resposta. Ela soube plantar amor, com tanta  dedicação, criando profundas raízes que sustentam a família e a mantêm unida. Mas, sequelas são inevitáveis e  embora o pássaro tenha sido “encantado” para os filhos, agora ele sente a falta que fez sua presença, restando a sensação de que perdeu oportunidades de criar raízes mais fortes com os filhos que lamentavam sua ausência na infância. No entanto, Rubem Alves, o filósofo e poeta, soube traduzir muito bem esse sentimento quando disse para a menina: 
“...o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar”.

          Sinto que hoje, passados mais de quatro décadas, o amor dos filhos é maior e permanece mais forte. Adultos e também pais, sabem melhor avaliar o valor dessas experiências da infância. Sabem que a saudade criou expectativas pelo pássaro encantado, que chegava com as penas douradas e imaginavam que ele voltou definitivamente para o ninho, sequer pensando que poderia haver novas viagens. Certa vez, ao chegar de longa e demorada viagem, correram para os apertados e chorosos abraços, depois de invadirem o portão que separa a área de recepção de bagagens e o hall público, no saguão do aeroporto. Mesmo agachado, à espera dos abraços e pensando que assim poderia diminuir o previsível impacto físico, fui derrubado ao chão, literalmente. Vieram correndo para o abraço e conferir as penas douradas do pássaro encantando. Foi um espetáculo à parte, com todos os demais passageiros contemplando aquela inusitada cena de um pai, de terno e gravata caído, esparramado no chão  e os filhinhos de  menos de dez anos em cima, na maior alegria, em gritaria e chororô. Tratei logo de, pelo menos, me assentar ali mesmo no chão, antes que alguém chamasse um socorrista. Foi uma cena comovente, pude perceber nos olhares daqueles que também desembarcavam. Não me senti envergonhado pela cena, ao contrário, sentia-me orgulhoso, recompensado na volta ao ninho e todos os passantes, que tinham de se desviar olhavam com ternura aquele monte de gente no chão. Para as crianças, ensinam-nos os psicólogos, não há futuro e nem passado, mas apenas o presente. Para elas valia apenas o fato de que o pai havia chegado, estava ali e ponto final, não importando as circunstâncias . A saudade doía no pai, mas o abraço e a alegria dos filhinhos superavam toda a falta, o sentimento de solidão e saudade em distantes terras. Ah.., os filósofos e poetas têm razão. O melhor da viagem é mesmo a volta para casa, o ninho de afetos da alma!

Brasília, 20 de outubro de 2013

Paulo das Lavras 


 
Compromisso comigo mesmo..., do primeiro dia de aula (aos dois anos) até o último, o levava e buscava na escolinha. E era tão prazeroso ver aqueles olhinhos brilhando  e assim que entrava no carro, já de volta para casa: “vovô, pára na banca para comprar figurinha?”  Nada se compara ao prazer de estar em casa e participar do desenvolvimento da criança.



Natal, rodeado de netos. Viagens, sozinho e distante? Ah..., nada melhor
que estar no ninho, rodeado de filhotes




 
Fim de semana em Londres, fugindo do frio de Paris, onde trabalhávamos
por longas  temporadas. Mês de dezembro..., melhor voltar para o ninho


Viagem de lazer, de volta à França depois de muitos
 anos. Paris, com os canhões de Napoleão


Hoje, mais que nunca, “o melhor da viagem é a volta para casa”,  curtir os netos, a família. 
Os filhos não pudemos curtir tanto quanto se desejava, pois viajávamos até duzentos dias por ano.
Agora, construir um reboque cheio de pedriscos, barulhento na calçada..., não tem dinheiro que 
 pague essa felicidade  da criança em ter algo diferente que ela própria ajudou a construir...
Deus é sábio, reserva-nos no final da vida todo o tempo, sem pressa, sem preocupação com compromissos,
 para recebermos essas bençãos, chamadas de netos e que prolongam nossos dias na terra. Amém!