segunda-feira, 31 de março de 2025

Amigos em Washington?... melhor comprar um cachorro.

nº 2 da série: Minha vida nos EUA

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Não é fácil fazer amigos em Washington. Disse-me o diplomata do Deapartamento de Estado,
 ali na capital dos americanos. Deu-me um conselho bem esquisito, inusitado. Achei melhor visitar museus e 
prédios públicos como a Casa Branca, embora cercada a 300 metros com grades e telas.
Foto do autor - 1977



          Não, não se engane. Não deixei nenhum amigo na capital norte-americana. Apenas conhecidos, aqueles com os quais desempenhamos algum trabalho de comum interesse. Aprendi a prestar atenção nos cães de estimação desde os tempos de trabalho nos Estados Unidos. Lá, os cães são muito queridos e cultuados. Um alto funcionário do governo deu-me uma inusitada lição. Sorvíamos um whisky cowboy numa descontraída reunião social, patrocinada pelo Departamento de Estado, em Washington-DC, quando então perguntou- me: “Mr. Da Silva/Brazil" – este era o nome de identificação em grande crachá na lapela – “como é viver  numa capital (Brasília) fundada havia menos de 20 anos?”
     Respondi-lhe que a cidade de Brasília era excelente para o trabalho e até mesmo para caminhadas em seus parques que rodeam os prédios residenciais. Um paraíso paisagístico, sem igual no mundo. Nem mesmo ali em Washington, ou NovaYork, Londres e Paris. Mas, socialmente, deixava a desejar pela falta de raizes e as constantes revoadas nos finais de semana para a terra natal. Naquela época, anos de 1980, quase não existia vida social, pois todos os funcionários eram migrantes temporários que retornavam para sua cidade natal após cumprir a missão em determinado período de governo, geralmente de apenas quatro anos. Assim, não hávia como se criar vínculos permanentes. Os finais de semana eram vazios, pois quase toda a familia voava para os estados de origem. Ninguém aguentava mais que quinze dias isolado do convívio de seus antigos laços familiares, amigos de infância e juventude. Além disso, boa parte dos colegas de trabalho não trazia sua família e morava em hoteis, flats, muito comuns na cidade. 

         A capital brasileira era, de fato, muito nova e ainda não tinha raizes que prendessem os moradores, sempre considerados “forasteiros”. Qualquer conversa começava sempre com a célebre pergunta, de onde voce é, de qual estado da federação você veio? E essa falta de raizes nos custava bastante dinheiro com a ponte-aérea, reclamei para o interlocutor interessado na resposta. O funcionário americano retrucou: “Aqui é pior..., no friends, too, só há ambições e se você quizer ter um amigo aqui nesta capítal, compre um cachorro!”.  Não entendi bem, arregalei os olhos, engoli em seco e até achei muito engraçada a expressão à queima bucha: get (buy) a dog - compre um cachorro! Dei uma boa gargalhada, pois embora fleugmático e mesmo sorvendo um copo de uísque cowboy, o gringo estava com certeza ironizando a frieza e a indiferença social na capital dos norte-americanos. Respondi-lhe de imediato: No, Sir, thank you..., não vou comprar nenhum cachorro por aqui. Prefiro ir visitar museus e monumentos de sua bela capital...., sozinho, sem cachorro, mesmo! Já sabia que ali dificilmente se fazem amigos, há muitos visitantes, gente de outros estados e paises, políticos e executivos fazendo lobby em favor de seus projetos. Era mais fácil fazer amizades com estrangeiros que lá viviam. Fiquei a pensar, se o gringo de origem anglo-saxônica, de maneira geral, já não é tão efusivo como os brasileiros, ali na capital era pior a situação. Total indiferença para com as pessoas..., “no friends”, ecoavam as palavras do gringo balançando o gelo em seu copo de whisky..., apenas interesses comerciais. Ainda bem que a capital americana é dotada de inúmeros museus e monumentos de atração turística, pensei logo, e o visitante não precisa ficar encerrado, isolado nos hoteis em finais de semana.

         Hoje, mais que nunca, depois que vivenciamos casos como o do vira lata adotado e superdotado, Candu (link anexo), pudemos compreender melhor o conselho daquele morador da cidade de Washington. Tratei logo de vestir a carapuça e pensar em arranjar amigos verdadeiros na outra capital, Brasília. Se os humanos não oferecem ou não merecem confiança, principalmente nas capitais onde a população de políticos é considerável e é grande a mobilidade com vai e vêm constantes, os cães, ao contrário, não se cansam de dar provas de amor e fidelidade aos seus donos. Lá mesmo em Washington, há pouco tempo, o cão labrador, Sully, de Geoge Bush (pai) deu mostras inequívocas de puro amor e fidelidade. Quando o ex-presidente Bush faleceu, o labrador ficou postado com absoluta tristeza ao lado do caixão do antigo e querido dono. A foto do cãozinho ali a seu lado, num último adeus, rodou o mundo e nos comoveu a todos.  E naquele dia me lembrei das palavras do gringo do Departamente de Estado Americano, num salão de festas ali mesmo em Washington, onde George Bush exerceu a presidencia dos E.U.A. Suas palavras, “se quizer ter um amigo aqui..., compre um cachorro...”, reverberaram na minha mente. Ali estava o exemplo, bem aos meus olhos, na tela da TV, direto da Casa Branca, um cão da raça labrador num último adeus ao dono querido. Fiel amigo, talvez o único daquele mundo político do ex-presidente americano. Cena comovente. 

A comovente cena do labrador Sully, ao lado do caixão do amigo, o querido ex-presidente dos E.U.A. 
Essa foto foi publicada nas redes sociais e viralizou, incluindo a frase “Missão cumprida”, por aquele 
cão adestrado que ajudava o ex-presidente em seus últimos meses de vida. 
Foto: internet 2018 


              O amor aos cães pelos norte-americanos é tanto que até há, em Nova York o Museus dos Cachorros (AKC Museum of the Dog) que, em recente passado, apresentou a exposição “Cachorros Presidenciais”, mostrando a retrospectiva das diferentes raças de cães que já viveram na Casa Branca ao lado dos presidentes que ali se hospedaram. Interessante a narrativa das histórias dos cachorros e a influência que eles tiveram naquele país. O único inquilino que para lá não levou um cachorro foi o Sr Trump. Aqui no Brasil há um ditado que diz que quem não gosta de samba bom sujeito não é. Será que haveria correspondência desse ditado em relação aos animais? Portanto, a piada que o gringo contou-nos nem  pode ser classificada como tal, pois reflete a preferência, o amor que os americanos têm pelos cães, a começar pelos presidentes da nação. Também não é de se estranhar que nessas metrópoles haja exagerada quantidade desses bichinhos de estimação. Mas, não é somente por lá. Paris, por exemplo, bate todos os recordes de número de cães por habitante. Ali, o índice de natalidade dos humanos é dos menores do mundo, apenas 0,6% e por isso, na falta de crianças, os casais preferem ter a companhia de cachorros. Estão presentes, em grande número, nas ruas, parques e até em restaurantes. Nunca entedia, quando lá trabalhava, aquela enorme quantidade de cães puxados pelas madames ou até mesmo carregados no colo, nas ruas e em todos os lugares. Somente compreendi a situação quando tomei conhecimento das estatísticas sobre natalidade. Sem crianças e muitos cães de estimação, essa era a realidade parisiense durante as temporadas que lá passei a trabalho, por mais de cinco anos. Certa vez estava jantando, num respeitável e seleto restaurante especializado em ostras, situado no cruzamento da Boulevard Raspail com Montparnasse e cujos bancos estofados eram geminados, costas com costas, senti repentinamente e sem nenhum aviso prévio, um leve roçar na nuca, seguido de um molhado “lambeijo”. Assustado, mas já refeito do susto e considerando que já estava algumas semanas sozinho em Paris, imaginei que aquele lambeijo pudesse ser de alguma gata, no sentido figurado, e que aquela fosse alguma forma de aproximação, manifestação de interesse. Virei para trás e ainda pude sentir o hálito quente do cachorrinho da madame, a qual sequer se desculpou. Decepção geral, pois além de errar a espécie, nunca imaginara ser possível uma situação daquela. Coisas de capital, onde, segundo o diplomata americano, para se ter um amigo é preciso comprar um cachorro e no caso de Paris, mais ainda, um substituo das crianças quase inexistentes na capital francesa, onde é permitido coloca-lo na poltrona de restaurante e importunar estranhos. Haja cachorros!

          Bem, por aqui, em Brasília, também há muitos cachorros de estimação e todas as manhãs e tardes desfilam pelos parques de imensos gramados. Mas, não tem acesso a restaurantes. Também tenho os meus cães, mas preferi mante-los na chácara, com mais espaço e conforto para eles, que são nossos fiéis amigos, seja em Paris, Washington, Brasília, ou qualquer outro lugar. Depois dessas inusitadas experiências em Washignton e Paris, sinto-me como um americano ou francês quando chego à chácara nos finais de semana. Lá estão todos os quatro ou cinco câes a me esperarem. Disse-me o caseiro que eles identificam o barulho de meu carro a mais de um km de distância e saem em disparada rumo ao portão latindo, agitados. Ao chegar e ser recebido com tanta "festa", lembro-me daquelas experiências no exterior, “ser amado", querido, festejado, até penso que a capital onde moro tem o mesmo problema daqueles estrangeiros. Desço do carro, rapidamente, faço um afago nos dois enormes filas e nos vira-latas, os mais festeiros. Tento silenciar a estrondosa banda de recepção de latidos e uivos. Lógico que não deixo me darem lambeijos, coisa que não pude evitar na capital francesa... Gosto de cachorros..., mas recusei-me a comprar um em Washington-DC. Preferi ir, sozinho, visitar museus e monumentos da capital norte-americana.

Brasília, 12 de março de 2021

Paulo das Lavras




 O American Kennel Club Museum of the Dog, em Nova York, promoveu em 2020 
uma exposição Cachorros Presidenciais, tal a admiração pelos cães. 
Foto- AKC


Ali em Washington nem mesmo a minha gravata lembrando a bandeira americana e muito menos 
as gargalhadas foram capazes de provocar o humor do interlocutor que, embora ali morasse havia tempo,
 pensava que, na capital, era melhor comprar um cachorro para se chamar de amigo e  ser correspondido...
 Constatei que ele estava certo, pois nem as cores da bandeira americana na minha gravata serviram de incentivo ou empatia...
Foto do autor - 1988


Em Washington era mais fácil fazer amizades com estrangeiros, como esses filipinos, em visita 
ao Capitólio. Aquele mesmo icônico predio que um aloprado presidente incentivou a sua invasão
 em recente passado e que provavelmente também não gosta de cachorro, disse o AKC.
Foto do autor - 1988 


 
Lincoln Memorial, também boa opção de visita na capital americana
Foto do autor - 1977


 
Biblioteca do Congresso, esta sim, não pode deixar de ser visitada.
Foto do autor – 1977


O túmulo do ex-presidente John F. Kennedy, no Cemitério Nacional de Arlington. O líder que influenciou
 os jovens no início dos anos 60. “ Don´t ask what the United States can do for you, but what, you, 
united can do for the Unired States”, sua frase que nós, os apaixonados estudantes 
da língua inglesa, gostávamos de repetir.
Foto do autor- 1977


O melhor era mesmo deixar a capital Washington, e nem precisei comprar um cachorro. Voltei para Michigan. 
Nesta decolagem do Aeroporto Nacional, capturei a ponte e as  marinas do rio Potomac . 
Ao centro  o Departamentto de Estado e o Mall, com o Capitólio ao fundo. 
Assim, voamos de volta para a região dos Grandes Lagos, Michigan, 
onde tínhamos melhor acolhida em nosso escritório permanente.
Foto do autor –Aeroporto Nacional de Washington-DC, 1988


Nos anos 80/90 passei a trabalhar em temporadas em Paris e ali a presença dos cães 
de estimação é mais intensa que nos EUA. Dominam as ruas e os parques e até em....
Foto- internet



 
... em restaurantes, onde chegam a nos incomodar e  assustar. Tal qual nesta foto, levei um “lambeijo” igual a esse, em um respeitável e especializado restaurante localizado no coração de Paris
Foto- Aleksandarnakic


Abraço de derrubar ao chão ou um “lambeijo”..., só se for de seu cão, conhecido, manso e
 amigo. Pantera, a primeira cadela da raça Fila que ganhei. Por ironia, ganhei-a de um diplomata
 que retornou a seu país. Nessa época ainda não conhecia a paixão dos americanos por cães, 
o que só foi-me revelado alguns anos depois, ali em Washington. Mas...,
Foto do autor- 1983

O primeiro vira-lata a gente nunca esquece. Bob, atropelado na rua, recolhido por uma
 colega de trabalho e o adotamos. Era o xodó das crianças
Foto do autor - 1983

 
Também em Brasília há muitos cães de estimação com seus donos a desfilarem pelas ruas e 
parques.  Prefiro manter os meus na chácara com amplo espaço.
Foto do autor


Enfim, seja aqui ou nos EUA e na França, os cães (Argus e Tobi) são os melhores amigos.
 E nos esperam, pacientemente, enquanto vamos tomar água na cozinha e “guardam”
 a botina como se alguém fosse leva-la, surrupiá-la de seu dono. 
Foto do autor


Nem se aproxime... avisou o guardião, com um simples, mas intimidador rosnar.
Com amigos assim, fiéis, estamos protegidos..., descanso para que te quero..
Foto do autor


... mas, o amor aos cães é retribuído, ali na chácara. Até mesmo com capricho e decoração de 
sua casinha..., com flores (cana índica) e fruteiras (lichia, pera, caqui e macieira)
Foto do autor


Logo à porta do canil, os pés de Peras e os cães Fila podem colhê-las. Dizem que 
é feio o cão chupando manga. Mais elegante ele fica comendo peras, 
produzidas aqui no cerrado do Planalto Central...rsrs
Foto do autor





... em Brasília, como em Washington ou Paris onde trabalhei, os “amigos” duram enquanto duram a missão, 
o projeto, a tarefa ou interesse dos “recém-conhecidos”, como nessa foto, na Câmara dos Deputados, onde 
defendíamos a criação da profissão de Paisagista. Também por aqui, capital política de nosso país, 
de alto rodízio de pessoas, melhor seguir o conselho daquele gringo...
Foto do autor - Câmara dos Deputados - Brasília-DF - 2020



     Veja também, no link abaixo, uma história inacreditável de amor dos cães, acontecida e vivenciada na chácara com o vira-lata adotado, superdotado.

http://contosdaslavras.blogspot.com/2014/10/candu-o-adotado-superdotado.html  
(copie e cole)

(*)- Série Minha Vida nos Estados Unidos:  

Nº 1- Cross country tour nos Estados Unidos:       

                               https://contosdaslavras.blogspot.com/search?q=cross+country