sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

O menino, a perda de entes queridos e a graça de Deus

 Feliz aquele que na adversidade encontra apoio,

 força e conforto espiritual oferecidos por almas

 amorosas, sem nada pedir em troca. Graça de Deus!



Sueli, 29/06/1943 -  29/09/1959


          As redes sociais criadas pelos empresários Elon Musk e Mark Zuckenberger, são a oitava maravilha do mundo na área da comunicação. Não há quem, de sã consciência conteste isto. No entanto, aqui no Brasil, esses dois empresários, detentores das redes sociais mais populares, têm sido  muito combatidos por governantes que não gostam de ver, em tempo real, suas trapalhadas divulgadas e condenadas pelos cidadão comuns. Hoje, felizmente, foi revogada uma das  mais controversas encrencas de exagerada intromissão na vida privada dos cidadãos, e na esteira das discussões, juízes afoitos ameaçando até mesmo a proibição de tais redes por aqui. Ora, nós, os cidadão comuns, seríamos privados do uso de tais redes de comunicação? Teríamos que voltar a escrever cartas manualmente, enviar pelo correio, de malotes pelas estradas e encravados na burocracia da lenta distribuição ao destinatário?  E as fotos coloridas? Teriam que ser também impressas – caríssimas e ainda pagar tarifas do lento correio monopolizado pelo governo? Ligações de voz voltariam a ser via  DDD, pela Embratel, também do governo e que cobrava preços exorbitantes a cada segundo registrado? Ora, ora, hoje assisti a dois eventos marcantes e de certa forma relacionados entre si. O primeiro foi a revogação do tumultuado decreto governamental que interferia nas operações via PIX, a forma  de pagamento direto, instantâneo, sem burocracia e cuja lambança governamental, indevida e protestada com veemência pelos cidadãos, foi capaz de reduzir em poucos dias em 30% as transações comerciais e entre pessoas. Mas, as redes sociais, adoradas pelas pessoas em geral, têm outras vantagens. É por meio delas que nos comunicamos com os familiares e amigos distantes geograficamente. Não basta a comunicação verbal ou escrita instantâneas, pois há as chamadas de vídeo e os links para participação em eventos. Posso participar de uma reunião no Rio de Janeiro e outra em Manaus com diferença mínima de tempo entre uma e outra,  ou reunir familiares em vídeo-chamadas coletivas, sem que haja necessidade de deslocamentos, cada qual em sua casa, nas mais distintas regiões do país ou no exterior.   

        Foi assim que hoje recebi um lindo vídeo, pela rede social da família de Lavras, gravado pela sobrinha Jane, na fazenda Retiro dos Ipês, da varanda da casa na  qual nasci, situada a 1.000 km de Brasília, onde vivo há 50 anos. O vídeo mostra quatro Siriemas passeando tranquilamente pelo lindo jardim frontal, com belíssima palmeira triangular (Dypsis decaryi) e uma majestosa  mussaenda totalmente florida na cor rosa. Não bastasse a beleza paisagística do local, ainda aparece como fundo musical uma trilha sonora, o tintilar ao vivo e estridente dos cantos de joão-de-barro e alguns canarinhos da terra, também chamados de “cabeça de fogo”. Linda e sonora sinfonia para o elegante desfile daquelas não menos elegantes “senhoras” em desfile para nosso deleite. Vi, revi e revi algumas vezes..., inacreditável a cena! Não por acaso disparou o gatilho do inconsciente. Um turbilhão de lembranças aflorou à mente do menino das Lavras. A primeira, evidente, o amor àquela fazenda onde nasceu, a infância ali vivida até os três anos, quando então se mudaram para  cidade e as estadas passaram a ser apenas nos finais de semana ou períodos de férias escolares. 

 
Um vídeo mostrando Siriemas desfilando calmamente pelo jardim frontal da casa da fazenda onde nasci,
 tendo como trilha sonora o tintilar dos canarinhos e joão de barro, foi o suficiente para disparar o 
gatilho das reminiscências da infância juventude.
Foto: Jane Lima -  jan. 2025

           
             A segunda lembrança, diante daquelas linda imagens, que calaram fundo o coração do menino, foi a visita que fiz ao primo e então vice-prefeito de Lavras, Edson Alves de Abreu, o Duti que reside na mesma casa de meu bisavô, na sede principal da Fazenda Três Barras, bem ali junto ao trevo da rodovia que liga a cidade de Nepomuceno à Fernão Dias, (BR 381). Era um dia de chuva fina, pegamos o Ford Ecosport, traçado 4x4 e vencemos a colina de estrada de terra molhada, escorregadia e 1.800 metros adiante chegamos à Fernão Dias. Dali, 500 metros à esquerda, sentido São Paulo, alcançamos o trevo de entroncamento da ligação de Nepomuceno. Neste, há uma entrada para a antiga e bonita sede da fazenda, carregada de lembranças da infância. 

          Com esse doce e saudoso preambulo, passamos ao foco principal anunciado pelo título da crônica. Desde cedo o menino experimentou a dor do luto. Aos dez anos acompanhou a perda de seu bisavô, Fortunato Gaspar de Abreu, querido pelas crianças que gostavam de pegar e puxar sua longa barba branca e dele receber carinhos, sempre sentado em sua confortável cadeira à porta da copa da grande casa de sua fazenda, ali na zona rural das Três Barras, município de Lavras,  às margens da BR381- rodovia Fernão Dias, inaugurada cinco anos depois de sua morte. O féretro foi acompanhado por centenas de pessoas da região que, em veículos próprios ou coletivos, o levaram até a cidade. Minha mãe, sua neta, rodeada por toda a família, estava inconsolável. Ali nascera, naquela casa de fazenda, cercada de carinho do avô que ora partia para sempre.  O menino, vestido de calça e paletó de casimira, conforme mandava o costume daquele ano de 1955, aguardou juntamente com os demais irmãos na casa do avô, à rua Francisco Sales, 794, onde terminaria o velório. Foi a sua primeira experiência dolorosa, sobretudo por presenciar a dor, o pranto incontido da mãe, que fora recebida  como filha, na casa do avô Fortunato, onde nascera como a primeira netinha do patriarca e mais tarde ali frequentava, quase todos os finais de semana com seus filhos, incluindo  este menino. O primeiro luto foi bastante dolorido para o menino, pois seu bisavô, a quem todos chamavam carinhosamente de Padrinho Nato, deixou lembranças calorosas e muitas saudades, pois naquela grande fazenda éramos tratados com carinho e atenção por todos e não apenas pelo quase centenário velhinho de fartos e encanecidos cabelos e barba branca bem tratada. Seus olhos eram azuis, herdados de seus ancestrais que emigraram de Portugal em busca das riquezas e vida melhor, ali no arraial dos Campos de Santana das Lavras do Funil. Naquela fazenda havia de tudo para as crianças se divertirem, córregos, pomar com todas as frutas imagináveis, moinho de fubá com amplo rego d´água onde deslizávamos sobre tábuas e troncos de madeira imitando jangadas,  amplos terreiros para secagem de café, onde podíamos brincar e jogar futebol com os adultos, curral cheio de vacas leiteiras, carro de bois, ovelhas, cavalos de sela e ainda o melhor de tudo, a hora do lanche com mesa farta de quitandas típicas dos mineiros, saladas de frutas e doces. Verdadeira festa semanal, afora aquelas do calendário cultural de então, como Folia de Reis, São João,  e tantas outras, sempre precedidas de missa e leilão de prendas. Verdadeiro santuário de memórias. Doces reminiscências da infância a toda hora relembradas. Minhas passagens por ali nunca cessaram, pois fica bem à margem da Fernão Dias e era mais emocionante, ainda,  quando passava por cima, voando de Brasília para o Rio ou de São Paulo para BH, cujas rotas se cruzam exatamente nesse ponto geográfico. A bordo e no silêncio dos grandes aviões comerciais ou de jatinhos executivos da FAB, o menino contemplava toda aquela área onde passou a infância e não conseguia conter as lágrimas, com vontade louca de saltar de paraquedas e ali ficar ao lado dos pais, avós e bisavós, curtindo os doces tempos da infância. A dor da saudade dos entes queridos não acaba nunca e parece ser mais dolorida quando se está à distância e muito mais quando se está a bordo de um avião, contemplando os lugares, a casa, tudo enfim e não se pode tocar, sentir.

             Três anos depois da partida do querido bisavô, em 24/03/1958, o menino passou por outro grande e terrível trauma, a morte por afogamento de seu coleguinha de internato no distante Seminário de Itaúna. Fui o último a deixar o vestiário após o banho de piscina e notei que restavam as roupas com as iniciais JVS, de José Valter dos Santos, o baianinho. Não tendo sido encontrado em nenhum local do clube, só restava a fatalidade. Depois de muitos mergulhos de alguns adultos, o corpo foi encontrado na parte mais funda da piscina, cujas águas, um pouco turvas, não permitiam visualizar o fundo. Após o resgate e embora todas as técnicas de ressuscitação tivessem sido aplicadas, o Baianinho estava morto, pois ficara demasiado tempo no fundo da piscina sem que ninguém notasse sua falta. Ali, ao lado, só restava-me chorar em desespero, inclusive com a terrível lembrança da própria “quase morte” num grande reservatório de água, mas que, por graça da pronta ação de minha mãe, que conseguiu resgatar-me do fundo e aplicou imediata técnica de salvamento de respiração e massagem cardíaca, fez-me ressuscitar, expelindo água pela boca, nariz e todos os poros da pele. Me lembrava perfeitamente dessa operação de meu próprio salvamento e o desespero da mãe com o menino de 3 anos no colo. Agora, estava ali, diante de situação idêntica. O velório de Baianinho, à noite toda, foi um dos grandes sofrimentos do menino no distante Seminário, longe dos entes queridos, seus familiares.
No ano seguinte, já de volta para casa, faleceu Sueli, com apenas 16 anos de idade, a  mais nova das cinco irmãs. Duro golpe, totalmente inesperado para o menino de 14 anos, embora ela fosse portadora de reumatismo infeccioso e passasse mal com crises cardíacas, durante todos os períodos de inverno. Nunca imaginávamos que aquela doença, nem tão grave assim, pudesse levá-la à morte. Porém, numa tarde, cinco minutos após receber medicação endovenosa, sofreu choque anafilático e veio a óbito instantâneo. Inacreditável, ali desfalecida, ainda na cama, em casa, onde recebera os cuidados de enfermeiro. Aquela linda jovem, de olhos  claros e bonitos cabelos cor de mel, ali estava, inerte. Como podia ser aquilo? Dor lancinante para todos os demais seis irmãos e a mãe ali ao redor. Deus cuidou de consolar os corações de toda a família que, de repente se viu sem a presença daquela amada e linda menina. Mais quatro anos se passaram e o pior aconteceu, a partida de nossa mãe, com apenas  49 anos de idade. Naquela tarde de abril de 1963, voltava do colégio, por volta das 17 horas e passei na casa de meu avô, onde ela se encontrava convalescendo de forte crise de hipertensão. O médico da família, Dr. Silvio Menicucci, lá esteve no final da manhã. Disse a meu avô, seu amigo na política municipal, que ela não passaria daquele dia, tendo em vista o elevado grau de dilatação do coração.  Cauteloso, o avô não disse isto a ninguém. Sequer imaginávamos que o desfecho estava próximo. Após a vista naquela tarde fui para nossa casa a cinco quarteirões de distância. Às 22 horas fomos acordos com a infausta notícia de que nossa mãe acabara de falecer. Pânico geral nos seis filhos. Nosso pai foi imediatamente buscado na fazenda. Se o choques das perdas do bisavô, do Baianinho e da irmã de apenas 16 anos, foram doloridos e intensos demais, receber a notícia da perda da mãe foi algo imensurável. Vencer aquela pequena distância, a bordo do carro do tio que fora nos buscar, pareceu uma eternidade. Chegar ao quarto e vê-la ainda nos braços da irmã mais velha que a acompanhava, foi a coisa mais terrível que aconteceu em toda a vida do menino. Seu corpo, embora ainda quente, mas inerte, não respondia ao abraço desesperado dos filhos. Dor lancinante no coração. A mãe que lhe dera a luz, lhe salvara a vida no afogamento, lhe acariciava e confortava quando aos cinco anos de idade perdera totalmente a visão de um dos olhos em acidente doméstico, a mesma mãe que lhe carregara no colo por quase dez meses em convalescência de cirurgia de pleurite aos dois anos, a mãe que acompanhava seus bons desempenhos nos estudos e torcia para que passasse no vestibular de Agronomia dali a pouco mais de seis meses... Não..., era demais para o menino, não podia ser verdade que aquela doce criatura de apenas 49 anos nos deixava e não mais estaria entre nós para colher os frutos de seu amor, traduzidos em sucessos para os filhos... 

               A ausência prematura da mãe deixou um imenso vazio em nossos corações e mal havíamos sido curados da dor do passamento prematuro de uma imã. Juntos, os seis irmãos, enfrentamos as adversidade da ausência da mães e fortalecemos nossos laços. A irmã mais velha assumiu a direção da casa e com a ajuda de tios e tias e ainda nosso pai que passou a vir da fazenda mais vezes que o usual de antes, apenas nas quartas e sábados, pudemos continuar dali para a frente. O menino recebeu bênção especial, pois estudando que estava para o vestibular, encontrou almas caridosas na família do Sr. Clélio de Lima Santa Cecília, a esposa dona Elisa e filhos que o acolheram, diariamente, todas as tardes para estudos juntamente com o colega de colégio, Fernando Costa Santa Cecília. Deus foi magnânimo e misericordioso com menino, pois conseguiu sublimar a dor da perda da mãe, concentrando-se nos estudos e lograr êxito no vestibular, classificando-se em primeiro lugar na Esal/Ufla federalizada apenas dez dias antes. Fernando também se classificou nos primeiros lugares do mesmo vestibular e nos formamos juntos. No dia da  formatura minha mãe não estava, mas tive certeza de que aquele abraço apertado, amoroso, de dona Elisa Santa Cecília tinha um recado e o perfume de minha mãe que se encontrava, havia quatro anos, na Glória do Senhor. E ela, Dona Elisa, ainda me lembrou, com lágrimas nos olhos; “Eu não disse, quando você chegou à minha casa, que Deus é misericordioso e que tudo iria dar certo? Deu certo, você e Fernando estão se formando hoje e terão um futuro brilhante e uma vida muito feliz!”.  Vocês merecem, completou dona Elisa, levando-nos às lágrimas. Feliz aquele que na adversidade encontra apoio, força e conforto espiritual oferecidos por almas amorosas, sem nada pedir em troca. Graça de Deus!      

Mesmo diante do mais duro golpe, a perda prematura da mãe, Deus foi duplamente misericordioso, 
pois deu ao menino uma segunda mãe que o acolheu durante os estudos para o vestibular e
 ainda o presenteou com o primeiro lugar no vestibular de Agronomia. 
Foto: Coleção Renato Libeck 

             Não há nada mais dolorido que ver a partida prematura, seja de um ente familiar ou mesmo um amigo. Foi assim, também, com a menininha Beatriz Guimarães, prima de apenas seis anos de idade, vitimada por insidioso mal. Ali, naquela noite de agosto de 1966, ficamos ao lado de poucas pessoas, toda noite velando aquele anjinho que nos ensinou a meditar sobre os valores da vida. A perda desses e outros entes queridos ensinou ao menino a valorizar a vida e expressar o amor enquanto ainda há tempo. Foi assim com meu saudoso pai. Deus nos recompensou pelo curto tempo de vida de nossa mãe, concedendo ao Sr. Clovis,  a graça de viver até os 101 anos (sim, cento e um anos...) e assim pudemos retribuir-lhe todo amor, carinho e atenção que mereceu. Seu passamento foi muito sentido, mas não com o amargo dolorido que experimentamos com a falta dos entes queridos que partiram prematuramente.  Por conta de sua longevidade e o carinho recebido em vida, tivemos a  certeza de que cumprimos com o dever de filho, retribuindo-lhe amor e carinho. Minhas memórias escritas, em forma de crônicas são cheias de gratidão aos pais e aos entes queridos que nos cercaram em vida, cuidaram de nós e no apoiaram nessa longa jornada. Mantenho vivas as suas memórias, celebrando suas vidas e legados, com muito respeito, ternura e amor. Assim, hoje, dedico esta crônica à minha irmã, Maria José de Abreu e à Dona Elisa Santa Cecília – in memoriam, duas mães que Deus enviou para acolhimento e conforto da alma do menino.


Brasília, 31 de janeiro de 2025

Paulo das Lavras




 
Dona Liquinha, aos 34 anos, partiu prematuramente alguns anos depois 

 
Sr. Vico, aos 80, viveu até os 101 anos



Casa de Sr. Clélio e dona Elisa Santa Cecília. A janela à direita, no segundo 
andar, era a sala de estudos de Fernando e este menino.
Foto: coleção Renato Libeck


Mariinha, irmã mais velha, assumiu a casa na ausência da mãe.





















quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

... e 2025 chegou!



... e 2025 chegou! Um Novo Ano, um novo dia que brilha. Renovemos nossos desejos, nossos planos e metas. Cuidemos com amor das três maiores preciosidades que Deus nos concedeu:
nosso corpo (a saúde – a vida); nossa família e nossos amigos

Brasília, 01/01/2025