domingo, 10 de novembro de 2024

O sono de uma criança..., as fadas e um anjo que eleva e enleva nossa alma

         


        Pela primeira vez Pedro Henrique, de cinco anos, dormiu sozinho com o vovô. Ele numa cama e eu em outra, no mesmo quarto, lado a lado, distante do quarto onde dormiam a vovó e a priminha Sarah. Só o fato de ser a primeira vez já nos deixou a ambos antenados na curiosidade do “como viria a ser”. Sempre antes de dormir, ele na cama de casal com a vovó, era praxe pedir para que eu fosse contar uma historinha depois que já tivesse feito sua prece. Assim, cumprimos o ritual das poucas vezes em que costumava dormir na casa dos avós. Terminada a oração comecei a contar uma história baseada numa visita que fiz à Base de Lançamentos de Foguetes, em Kourou, na Guiana Francesa. Mal acabara de iniciar e descrever a sala de controles do lançamento e o enorme tamanho do foguete já fumegando, pronto para disparar, mas ainda atrelado à torre de lançamento, ele interrompeu-me: ihhh..., não..., vovô..., essa é da NASA,  eu já conheço. É semelhante, mas não é da NASA, é da França, de sua base lançamentos aqui na fronteira com o Brasil. Ah..., é a mesma coisa, eu já vi lançamento de foguetes e espaçonaves... Interrompida a história tive que inventar outra, pois certamente já vira, na TV, o “filme” das espaçonaves. Mas, o que mais me fez feliz naquela noite foi ver aquela criaturinha ir apagando-se aos poucos, piscares miúdos, como a sorrir zombeteiramente e por fim o sono dos justos.

        Nada é mais gratificante do que ver o filho ou neto, que acaba sendo filho em dobro, com dupla dose de amor, cair no sono, adormecer, entregando-se como a dizer com aquele rostinho angelical: está tudo bem, estou feliz, vovô cuidará de mim contra os fantasmas. Estou protegido contra todos e tudo. Tudo aquilo que alimenta sua alma infantil de doçura que acredita em fantasmas, tartarugas ninjas poderosas e fadas madrinhas do dentinho de leite. Não há felicidade maior do que estar ali ao lado daquele rostinho suave, pele brilhante, olhos fechados, tranquilos. Semblante feliz a ressonar suavemente. Tudo é paz. E ali ficamos a contemplar aquela cena, enlevados, com a alma flutuando e desejando que aquilo não terminasse nunca. Que fosse eterna a noite, tal o estado de felicidade por estar e ter sido o escolhido como guardião para aquele anjinho que se entrega em doce sono. Aquele mesmo contestador... ah... vovô conta outra história... essa eu já sei... e de repente, vencido pelo sono, silencia adormecido. Ah, quanta graça, quantas bênçãos de Deus por merecermos estar ali, fazendo parte daquele sonho.

        Naquela noite não consegui dormir plenamente. A todo instante olhava para o lado e pousava a mão sobre seu bracinho descoberto e o recobria. Lá pelas tantas, às três da matina, ele sentou-se na cama e disse: vovô, quero ir ao banheiro. Respondi, vou com você. Lá, acendi a luz e antes de voltarmos para a cama disse-me: “Eu vi a fada-madrinha em frente ao espelho, mas ela não trouxe meu dentinho novo, deve ser porque ele caiu no esgoto e o ratinho ainda não o entregou a ela”. Não entendi muito bem, mas confirmei... sim, a fada madrinha do dentinho esteve aí em frente ao espelho do banheiro..., e acrescentei que amanhã ela levaria o dentinho. Voltamos para a cama e antes de continuar o sono, ainda perguntou: Você vai me levar para a escolinha? Bem cedo, antes das sete, já estava olhando para mim, clamando para levantar e cochichando pediu-me para falar baixo para não acordar a vovó e a priminha Sarah que dormiam no quarto ao lado. 

        Um pouco mais tarde relatei o “sonho” da fada madrinha e a vovó explicou que no dia anterior ele havia perdido um dentinho que estava prestes a cair naturalmente. Não conseguira segurá-lo, pois caíra no ralo do lavatório. Decepcionado, por não ter podido recuperá-lo e entregar à fada-madrinha, que lhe faria nascer outro, a mãe lhe dissera que havia um ratinho lá no lago, onde desemboca a rede de esgoto, esperando o dentinho para entrega-lo à fada-madrinha. Assim, na pureza de sua alma absorveu a fantasia do ratinho coadjuvante e em seu sonho na alta madrugada, ficou sem entender por que a fada-madrinha veio visitar lhe, bem ali em frente ao grande espelho e não lhe deu o novo dente. Essa, certamente, foi a sua “visão”, vislumbrando a fada ali no lavatório igual ao de sua casa, onde havia caído seu dentinho que desceu ralo abaixo. E com o dedinho na banguelinha dos dentes incisivos, perguntava: Por que, vovô, por que será que ela não trouxe o dentinho novo? Talvez, porque o ratinho ainda não tivesse entregado a ela o velho dentinho que caíra no lavatório. Vai demorar um pouquinho, mas ela o trará para você. 

        Que belo momento esse do ninho, do aconchego da cama quentinha, onde a criança tem plena segurança e confiança naqueles que a cercam. Que privilégio conviver com uma criança tranquila, que só tem amor em seu coraçãozinho. O poeta e filósofo Rubem Alves disse que “um homem que guarda memórias de ninho na sua alma tem de ser um homem bom. Uma criança que guarda memórias de um ninho em sua alma tem de ser calma”! É verdade, além do que nos torna mais compreensivos e amorosos, pois somos “a segurança” deles, os pequenos. O nosso ninar, o abraço, o dar as mãos, o olhar, ou até mesmo a nossa palavra são os esteios seguros nos quais as crianças se apoiam.

        Ao chegarmos à escolinha pouco antes das sete horas, enquanto ele e eu conversávamos com a professora, chegou outro menininho que, quase choramingando,  abraçou o pai e diante do argumento " preciso ir", o filhinho perguntou: para onde você vai, pai? Papai vai trabalhar filhinho... E nesse ponto entra o Pedro Henrique e diz bem alto: "O meu vovô não trabalha, não, ele fica em casa".... Paguei o maior mico, pois todos acharam graça nas palavras do netinho, inclusive aquele que estava quase chorando. Coisas de crianças que disputam situações inusitadas. Mas, querem saber, mesmo? Jogo de mão dupla, pois, na verdade elas, as crianças, são os nossos esteios, pontos firmes de apoio e estímulo para a nossa alma, razão do nosso viver prolongando nossos dias aqui na terra. Anjos que elevam e enlevam nossa alma.

Amém!

Brasília, 25 de junho de 2014

Paulo das Lavras


 ...e a fada madrinha levou o dentinho... Vovô, por que ela apareceu
aqui, no espelho, nesta noite e não trouxe o dentinho novo?
Coisa de anjo que eleva e enleva nossa alma e
prolonga nossos dias aqui na terra
Foto do autor: o netinho em dia de festa na Escolinha aos cinco anos


 Aos seis, no judô e aos 15 no colégio e 
já independente no ir e vir.

 



 


sábado, 2 de novembro de 2024

02 de Novembro de 2024 – Dia de Finados

 

 Uma reflexão respeitosa diante do túmulo do soldado nº 125, Ray A. Lemmon, da 29ª 
Infantaria, Colorado. Tombou em 15 de junho de 1944 uma das batalhas que se sucederam 
ao  desembarque nas praia da Normandia.  Não há como não se emocionar diante do túmulo 
de um soldado que lutou e morreu para garantir a nossa liberdade. 
Foto do autor: Cemitério Americano da Normandia – França 


A celebração do dia de finados é bem antiga e foi unificada pela igreja católica, durante a Idade Márdia, há mais de mil anos. O dia 02 de novembro foi escolhido por ser o dia seguinte ao Dia de Todos os Santos. Por que dia de todos os santos ? Siplesmente porque os mártires morriam em grupos, especialmente no período da grande perseguição aos cristãos pelo império romano. Assim, essa foi a forma mais prática de se celebar a memória de todos eles. A escolha da data, de 1º de Novembro para o dia de todos os santos, foi para concorrer com as festas pagãs do Halloween. Um dos costumes dessa festa era levar flores  aos entes queridos nos cemitérios. Então, a igreja separou esses rituais e criou o dia especial, 02 de novembro, como sendo o Dia de Finados. Esse dia especial, celebtado no dia seguinte ao de todos os santos, é especialmente reservado para as homenagens aos entes queridos de cada família.

Este dia não deixa de ser um momento propício para a reflexão sobre a morte e vida. Não gosto, como a maioria das pessoas, de pensar e tampouco falar sobre a morte. Medo? Não! Prefiro a alegria da vida. O que é a vida? Assim perguntou Rubem Alves em sua obra “Sobre a morte e o morrer” e prossegue com mais perguntas intrigantes como o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? A vida é tão boa! Não quero ir embora. Ninguém quer ir embora, deixar a vida. Que coisa mais sem graça ser colhido no meio da festa (a vida, a convivência com a família e amigos), interromper tudo sem aviso

prévio e depois os amigos vão esvaziar suas gavetas, seu guarda-roupas, seus livros, seus mimos, aquel baú de afetos que todos nós guardamos com cuidado e carinho,, como que apagando todas as pistas que você deixou durante uma vida inteira. Que coisa cruel, não para quem se foi, mas para aqueles que ficaram e choram a sua lembrança. Só quem já perdeu abruptamente entes queridos sabe avaliar essa dor irremediável, de se esvaziar “as gavetas da vida” de quem acabou de partir e deixou um vácuo, uma dor terrível na alma de todos.

Penso que a vida é uma dádiva de Deus e que devemos vivê-la de tal modo que ela, por si só, se torne uma jornada feliz, alegre, em paz consigo próprio e com todos que o cercam ou, em outras palavras, com amor. E isto é o céu. A qualquer hora que ela, a morte, vier nos buscar nos encontrará felizes e sem nenhuma dívida (falta) para com os amigos e aqueles com os quais convivemos. Tenho certeza que assim procedendo será mais fácil para aqueles que ficam. Assimilar a partida final não é fácil e,  “morrendo feliz” os amigos terão o conforto de que aquele, que partiu para sempre, praticou o bem e que suas faltas involuntárias nem contam diante do saldo positivo que deixou para todos. O filósofo Rubem Alves disse: “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer. A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A reverência pela vida” exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir”.

E hoje, Dia de Finados, também é dia de se lembrar daqueles que um dia fizeram algo memorável para a humanidade, Aqueles que tombaram em batalhas, defendendo a liberdade ou lutando por algo importante para a hgumanidade, Assim, neste dia, relembro alguns destes grandes homens que embora, não os tivéssemos conhecido, deixaram respeitável legado a todos nós. Mas, não somente neste dia, tenho uma palavra aos amigos:

“Feliz daquele que cuidou da vida de alguém que se preparava para partir. Cuidar para que a finitude  seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Portanto, neste dia de lembrança dos nossos entes queridos que nos deixaram para sempre, nosso coração se conforta com a lembrança do carinho e cuidado que dedicamos a eles, nossos pais e demais entes queridos, nos dias que antecederam as suas partidas para a Glória de Deus, justamente quando mais precisaram de  nós”.

 

Espero que as suas memórias neste dia especial, em relação aos entes queridos, tenham servido de conforto ao seu coração ainda dolorido. Nesse sentido, reproduzo as palavras que hoje recebi de amigo dos tempos de seminarista aos 12 anos de idade:

 

Dia de Finados: lembremos com carinho daqueles que amamos, daqueles que partiram antes de nós. Sinta saudade, mas não tristeza, pois, apesar da ausência física, o amor permanece intacto. Recorde os momentos felizes, agradeça a maravilhosa oportunidade de ter convivido com pessoas tão especiais...

 

Amém! E que você tenha depositado uma flor no túmulo de seus entes queridos, em sinal de respeito e amor, pois as flores nos inspiram isso. Também uma oração de agradecimento a Deus, pela oportunidade de ter convivido com eles, conforta igualmente a alma, onde quer que você esteja, ou tenha estado neste dia de hoje. Amém!

 

Brasília, 02 de Novembro de 2024    


   Paulo das Lavras


 Achei interessante, ali no Cemitério aa Normandia,  a Estrela de David, simbolizando a crença judaica, entre as milhares de cruzes cristãs  de soldados tombados na II Guerra Mundial. 
Foto do autor




 Memorial dos soldados lavrenses tombados (foto 1) e dos que lutaram  na II Guerra Mundial (abaixo)
Fotos do autor

 


 Memorial dos soldados norte-americanos tombados em guerra. 
Cemitério Nacional de Arlington- Washington – DC 
Foto do autor - 1977


 Dan Gammon e filhas, trouxeram, em setembro de 2008, as cinzas de Joseph Gammon e de um tio, Richard Rhea Gammon, para se juntarem aos restos mortais de Samuel Gammon, seu avô, sepultado  em Lavras-MG, no ando de 1928. O maior benemérito da cidade, fundador do IPG e ESAl/UFLA. 
Dan Gammon said: We sprinkled a small amount of my father's and my uncle's ashes at the grave of their parents in Lavras in 2008. Joseph Moore Gammon and Richard Rhea Gammon. 
And I said: Concerning the ashes of others that you sprinkled at the Gammon´s grave in Lavras, it was a good decision. So, they are all together over there, and live forever in the heart of all  Lavras´people. 
Fotos – Dan Gammon