domingo, 30 de junho de 2024

Minha terra natal e o exílio dourado

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A cidade de Lavras emoldurada pela belíssima Serra da Bocaina

Foto: Alejandro - arquivos do IHG de Lavras 




             Exílio dourado? Sim, só mesmo usando essa expressão metafórica para entender as razões de estar residindo tanto tempo longe, bem longe da terra natal. Um jornalista de minha terra, Eduardo Cicarelli,  diretor do Jornal de Lavras, ao ler uma de minhas crônicas sobre o internato no Seminário de Itaúna-MG,  provocou-me:

“... você tem o dom de prender os leitores quando narra uma história, uma dádiva de Deus a poucos que lidam com a escrita. Mais uma vez fiquei embevecido no seu texto. Agora queria te fazer uma pergunta: você nasceu em Lavras, cidade emoldurada pela serra da Bocaina; teve parte da vida vivida em Itaúna, cidade também emoldurada pelas montanhas de ferro e manganês, e em Belo Horizonte, pela serra do Curral. Pergunto:

.... como é morar em Brasília, onde os olhos só alcançam a vastidão do cerrado? Não te faz falta as ondulações que sempre tiveram presentes na sua vida?”

 

Obrigado, amigo, pelas gentis palavras. Muito me alegram suas considerações. Comentários dos leitores são a mola mestra, os alentos que nos impulsionam e incentivam a sempre escrever e compartilhar. Além de jornalista tarimbado você é um arguto e perspicaz observador. Você foi direto ao ponto:  as montanhas de Lavras e de Minas Gerais. Isto me leva a crer que o amigo também é um apaixonado pelas montanhas das Lavras do Funil do Rio Grande, tão bem cantada por outro jornalista e escritor lavrense, Hugo de Oliveira, e que a título de lembrança, reproduzo seu poema de loas à nossa majestosa Serra da Bocaina. Eu as menciono, as montanhas mineiras, em quase todas minhas crônicas e poucos dos 400.000 leitores que já acessaram este blog de crônicas, contos e causos, notaram esse viés de apaixonado pelas montanhas. Para responder-lhe, preciso contar uma longa história, nova crônica, pois sua pergunta é mais que pertinente: Como viver longe das montanhas ?

        A admiração à linhas sinuosas das montanhas e suas imponentes alturas é um caso de puro e inato amor! De fato, nasci entre montanhas ornamentadas pelos ipês amarelos . Acresça-se a isto as inúmeras escolas ali existentes, com esmerada formação, que nos fazem lembrar do lema de Lavras: Terra dos ipês e das escolas. Assim, desde criança, na fazenda, tomava café da manhã e demais refeições à mesa em frente às janelas da copa/cozinha, que tinham como cenários aquelas duas montanhas, que você bem as conhece, pelo lado oposto à fazenda, pois você e todos os lavrenses sempre passam a seus pés (ambas na  rodovia 265 - Lavras/ trevo da Fernão Dias), a serra do Late-cachorro/Queixada, na curva fechada da caixa d`água (antigo sítio do Prof Paulo de Souza) e a da Cachoeira da Bebela, próxima à passagem da ponte sobre o ribeirão Água Limpa. 

 O quarto da casa da fazenda onde nasci, em Lavras. Ao fundo a Serra do Queixada 
Foto do autor - 2014

           Daquela mesa da copa/cozinha, o menino ficava a admirá-las e a indagar a si mesmo em sua fantasiosa imaginação infantil, o que haveria lá no alto daquelas montanhas? Estariam cheiad de bichos ferozes, onças, lobos, cobras e tudo mais que os adultos “sabiam” existir para amedrontar os pequenos mestres arteiros e mantê-los ao redor da casa, sem grandes aventuras em locais mais distantes? Ah... e aquelas árvores que avistamos ao longe, seriam grandes, frondosas? E as rochas, seríamos capazes de  rolá-las serra abaixo, sem problema? E até onde elas chegariam cá embaixo? E do outro lado, o que se avistaria? E então desenvolveu-se no menino aquela curiosidade constante. Primeiramente, o desejo de escalá-las para saber de tudo aquilo, até mesmo empurrar uma grande pedra e ver o estrago e a barulhada morro abaixo. Interessante que certa vez em missão de trabalho no IICA, na Costa Rica, fui visitar em um final de semana, ciceroneado por professores da Universidad de San Jose, um vulcão em plena atividade, o Arenal. Ao passar perto, ainda na rodovia, a uns dois km e em área segura, vimos aquela avalanche de rochas incandescentes rolando morro abaixo, verdadeiro rio de fogo. À noite, já no hotel turístico, com vista privilegiada para o vulcão, o show pirotécnico foi maravilhoso e dormimos embalados pelo som das rochas batendo umas nas  outras em direção ao vale com aquele lindo rastro de fogo que iluminava a noite. Aquela avalanche barulhenta nos lembrava as rajadas de metralhadoras tão comuns nos filmes de guerra. Impressionante e amedrontador, não fosse a segura distância do hotel em relação ao vulcão. Duas lembranças vieram-me à mente, e de onde? Justamente da  escalada à Serra da Bocaina, onde por descuido (talvez inexperiência, mesmo), o amigo Fabiano se adiantou na escalada e em certo momento fez escorregar algumas pedras que, por pouco não me atingiram, justamente ali no ponto mais íngreme da montanha, a garganta onde as duas metades da serra se encontram. Outra lembrança foram as das queimadas na mesma serra, quando os fazendeiros usavam colocar fogo para queimar as secas pastagens, para que brotassem mais rapidamente logo às primeiras chuvas da primavera. O fogo começava ao sopé da grande serra, na chamada Serrinha e dali subia, em extensa linha dourada, se alastrando, por toda à noite, até o cume da montanha, num espetáculo pirotécnico maravilhoso, não fosse triste e evitável. Da varanda de minha casa ficávamos a observar aquela linha de fogo por toda a extensão da serra. Lindo show para as crianças, mas lamentável quando se pensa na destruição da fauna e de toda a vegetação. Hoje, verdadeiro crime ambiental, sujeito às penas da lei.

 Quando trabalhava nos EUA, pude ver as serras dos montes Aleghenies, na cordilheira dos Apalaches, no estado da Virgínia. Ali viveu Samuel Rhea Gammon, fundador do educandário (1892) que tem seu nome, ainda hoje. Desse educandário surgiu a Universidade Federal de Lavras. Poucos sabem que a Serra da Bocaina foi uma das inspirações que levaram o Reverendo Gammon a escolher Lavras para sediar o Instituto Gammon. Em tudo se assemelhava às montanhas que ele apreciava diariamente na infância, ali na Virginia. Ainda no exterior, visitei e escalei algumas montanhas no Equador, Guatemala, Perú e México. No Equador conheci a estação da Nasa num dos cumes mais altos, justamente na linha do equador. Na Guatemala visitei plantações de café, em elevadas montanhas, tais quais os cafezais das fazendas de minha família em Lavras. No Perú e México escalei as montanhas de sítios Incas, com cultivos de lavouras irrigadas, as terras dos Astecas e Maias com suas pirâmides no alto das montanhas. Em todas essas visitas verifiquei semelhanças que evocavam as montanhas de Minas Gerais. Uma coisa é certa, as montanhas estavam definitivamente gravadas na minha memória afetiva. Suas presenças estavam em tudo e em todos os lugares, até mesmo nos relatos de nossos pais, sobre os inatingíveis maciços de rochas e matas,  como na “história” de  que toda a água que abastecia a cidade de Lavras, naqueles anos de 1950, vinha do Poço Bonito, situado na Serra da Bocaina. Como pode brotar água das rochas do alto da montanha se “não vemos” rios ou ribeirões escorrendo por suas encostas? Curiosidades, verdadeiros enigmas para as crianças, nem sempre compreendidas pelos adultos. As reminiscências sobre as montanhas estavam constantemente em nossa memória, até mesmo no estrangeiro, em distantes terras, as montanhas locais nos provocavam o banzo da cidade natal. Não pude rolar pedras do alto da serra da Cachoeira ou da Late-cachorro, mas, como descrito acima, mas, passei uma noite inteira ouvindo as trombadas da rochas vulcânicas incandescentes rolando pela Serra do Arenal, lá pela América Central.

 Prosseguindo, ainda em Lavras,  o menino mudou-se para a cidade e sua casa, numa enorme chácara ao final da rua Progresso (que terminava na rua Sabino Lustosa e dali para frente começavam os 20 hectares da chácara), com vista privilegiada para a maravilhosa moldura de Lavras, a Serra da Bocaina. Da varanda da casa contemplava os voos das aves de rapina que vinham de lá, planando e rodeavam a matinha e as pastagens da chácara (hoje Vila Cruzeiro do Sul) em busca de presa. Ah..., não poderia me esquecer de mencionar que sempre que vou a Lavras, faço voos rasantes próximos à essa maravilha chamada de Serra da Bocaina, além do que, lá pelos 20 anos eu e Fabiano Maia Soares (ex-presidente do Aero Clube e Recauchutadora Paulo Guida) decidimos escalara Serra da Bocaina. Temeroso de encontrar as “feras” imaginadas na infância , à mesa do café da manhã, tratei de colocar na mochila um revólver para nossa defesa..., pois quem sabe poderias surgir uma onça ou mesmo uma cobra cascavel. Naquele tempo, ainda nos anos 60, não havia restrição ao uso de armas e todos os garotos criados em fazendas tinham o hábito de caçar e eram, experientes no uso de armas. Aliás, esse costume era atávico e remonta ao ano de 1726, quando um parente desbravador, caçador de ouro em Lavras/Carrancas e S.J.D.Rey, escreveu carta ao recém-empossado governador da província de Minas Gerais, que estava difícil sair em expedições á busca de ouro, pois havia ajuntamentos de escravos negros e índios fugitivos (quilombos) atacando-os e por isso, solicitavam o envio de armas  para uso dos garimpeiros. Os registros históricos de Minas Gerais citam esse fato. Praticamente todos andavam armados, os fazendeiros principalmente, disseram-nos os cientistas,  SPIX e Martius  que passaram  por Lavras em 1818 e registraram em seu livro: Viagem pelo Brasil (cujos três tomos foram editados em 1823, 1828 e 1831, respectivamente, e cuja edição brasileira, promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, IHGB, data de 1938). Outro cientista, Saint Hilaire (1822), também esteve em Lavras e descreve esses fatos e ainda menciona que as mulheres das casas dos fazendeiros eram muito curiosas e ficavam a bisbilhotá-lo por detrás da porta. Saint Adolphe, outro cientista também passou por Lavras e descreveu, em 1845, sobre os costumes de sua gente e os produtos da cidade, alguns exportados para o Rio de Janeiro. 

“Escalando/sobrevoando” a Serra da Bocaina, em Lavras, num Aero-Boero argentino. 
 Proa alinhada ao dorso de pedras da bela serra que emoldura a cidade, como a relembrar a escalada realizada aos 20 anos e ao chegar ao alto da montanha, sentir-se gratificado, como se estivesse mais próximo de Deus. Nesse avião, voando com pleno controle e estabilidade, lembrei-me dos voos do urubu que tanto me encantavam na infância e era dali, daquela serra que eles vinham, 
Foto do autor - 2014 

  Abrindo um parêntese, devo explicar melhor o antigo costume de se usar armas de fogo nas fazendas e que durou de 1720 até o final dos anos de 1960, permanecendo, portanto, por quase 250 anos. A existência de quilombos, com  ataques de ex-escravos ao longo das estradas,  aumentou de intensidade a partir do dia seguinte ao 13 de maio de 1888, data da Abolição da Escravidão. Todos os ex-escravos saíram pelas estradas, nelas se acamparam e os que chegaram até a cidade, se alojaram em barracos de pau e cobertura de sapé nas periferias. Lavras tinha seis ou sete entradas de estradas que ligavam as fazendas à sede do município. Em todas elas havia esses aglomerados de ex-escravos expulsos das fazendas. Visitei, em trabalho de pesquisa, da disciplina de Sociologia Rural, duas dessas ruelas em Lavras. Foi assim que se inciaram as favelas nas grandes cidades. Peço desculpas por me alongar, mas são explicações necessárias para se entender o contexto, no qual fazendeiros andavam armados, até o final dos anos 60 do século passado. Era para se defenderem dos ataques nas estradas, por quem passava fome em decorrência da expulsão da fazendas escravocratas. Por consequência, os fazendeiros ensinavam a seus filhos a arte de dominar o uso daquelas armas. Felizmente, nos anos 70, esse costume foi abolido e leis passaram a proibir e controlar o uso de armas de fogo. Sobre isso escrevi longa crônica que integrará meu livro, em fase de conclusão, sobre a escravidão nas fazendas de Lavras, cujo link é indicado ao final.

             Ainda sobre as montanhas de Lavras, os sonhos do menino eram muitos, sem limites. Tinha uma vontade louca de voar por sobre as montanhas. Invejava os voos planados e mergulhos dos gaviões carcarás e urubus (estes têm o voo mais bonito, planam silenciosamente e mergulham em voo com alta velocidade). O escritor e médico lavrense Paulo Rodarte de Abreu, escreveu um livro intitulado: O voo do Urubu. Tive a honra de participar da festa de lançamento desse livro no belo e histórico Hotel Vitória. Por outro lado, eu ficava intrigado pela maneira que elas, aquelas aves de grande envergadura de asas, conseguiam dobrar ambas as pontas para cima. Somente na década de 70 vim a saber que a EMBRAER foi a primeira indústria aeronáutica a copiar aquele recurso usado pelas aves de rapina, as pontas das asas arrebitadas. Isto aumenta a sustentabilidade do voo, a eficiência e a velocidade, economizando combustível dos aviões. Copiaram a técnica aerodinâmica usada pelos urubus e batizaram aquela pontinha da asa, apontada para cima, de “winglet”. Hoje todas os fabricantes de grandes jatos e jatinhos as usam. Veja a ponta das asas dos modernos aviões. Curioso, perguntei a um amigo, piloto de caça e ex-comandante da Esquadrilha de Mirage, por que a indústria aeronáutica demorou 70 anos, depois da invenção do avião, para imitar o voo do urubu e demais aves de rapina que precisam de velocidades máximas e as aumentam torcendo a ponta asa para cima quando voam em mergulho. Boa pergunta, respondeu-me ele!

            Voltando à paixão pelas montanhas, saí de Lavras e fui estudar em Itaúna, também cercada por montanhas de ferro e manganês. Por outro lado, o percurso de Lavras a BH é serpenteado entre montanhas, montanhas e mais montanhas. Trabalhei em BH por um ano, cercado pela Serra do Curral, bem a seus pés, no Bairro São Lucas. Subi aquela serra, em excursão a pé, passando pela mata do Jambreiro. Chegando a Nova Lima, voltamos de ônibus pois ninguém é de ferro... rsrs. Aliás, a montanha era de ferro e ainda resta um pouco dela se as mineradoras ainda não as implodiram totalmente e venderam os minérios para a China e Japão. Por força de ofício, fiz reflorestamentos nas demais serras em torno de BH, Mariana, Ouro Preto, Caraça, Serra do Cipó/Serro e tantas outras. Na serra do Cipó quase que era necessário encher os bolsos com pedras para que o vento não nos carregasse e nos fizesse rolar montanha abaixo. Aliás, nas proximidades do viaduto da Mutuca, na divisa de  BH com Brumadinho (saída da BR 040, de BH rumo ao Rio) havia uma  que se chamava Serra do Rola-Moça. Não vi moça nenhuma rolar por lá, mas as mulas, com as cargas de mudas de eucalipto, as vezes escorregavam e perdia-se a carga nos jacás.

Serra do Curral- BH, muita semelhança com a serra de Lavras. 
Foto- Prefeitura de BH

             Pois bem, com todo esse histórico de montanhas, desde menino pequeno, não gostava de trocar as serras pelas praias. Férias e temporadas, quase sempre em regiões serranas da Mantiqueira com ou sem águas termais. As centenas de voos, nas rotas BSB/Rio e BH/SP, que passam, ambas, exatamente sobre Lavras, eram escaneadas pelo meu GPS mental, a cada minuto. Todas as cidades rios e principalmente as montanhas eram identificadas. Em 50 minutos de voo era só olhar pela janela da direita e lá estavam: Santo Antônio do Amparo, cuja torre da Igreja Matriz é mais alta que qualquer montanha. À direta Perdões e o Rio Grande, Ribeirão vermelho, à esquerda Bonsucesso e ali, bem embaixo... Lavras com a Serra da Bocaina, mais adiante Itumirim, Luminárias mais à direita com suas lindas serras, etc, etc, e o devaneio tomava conta de minha mente. Nesse momento, já olhando para trás , pela pequena janela do avião a uns  9 ou 10 mil metros de altura (o procedimento de lenta descida do avião para o Rio de Janeiro começava em S.J.D. Rey e era possível sentir a desaceleração da aeronave), batia um banzo danado e a vontade era de abrir a porta e saltar de paraquedas e cair bem ali naquela larga avenida da UFLA que eu e o Prof. Juventino Júlio de Souza demarcamos quando ainda éramos estudantes na velha ESAL/UFLA. Eita..., saudade danada! E aqui, meu caro Eduardo Cicarelli, cabe perfeitamente a sua pergunta, que é mais do que pertinente:

 ... “como é morar em Brasília, onde os olhos só alcançam a vastidão do cerrado? Não te faz falta as ondulações que sempre tiveram presentes na sua vida?”. 

Veja bem, passei aqui os seis anos iniciais de minha estada à procura de uma chácara para lazer. Nada de encontrar alguma que agradasse. Terrenos áridos, vegetação rala e retorcida, sem mananciais (mineiro adora um corguinho e matinha... rsrs), nada me agradava  até o dia que fui a uma fazenda de 400 hectares que fora dividida em chácaras. Situada numa baixada de um grande ribeirão, mais volumoso que o nossos Água Limpa e Maranhão, verdes pastagens, gado nelore, branquinho, contrastando amo o verde da pastagem e o azul da serra ao fundo (serras no planalto?) e até uma plantação de marmelo, igual as que se viam em Lavras. A fazenda tinha, ainda, uma  magnífica sede em estilo goiano/mineiro (herdado dos colonizadores portugueses) e pasme, cercada de pequenas montanhas (em extensão e altura), mas suficientes para nos fazerem lembrar das Lavras do Funil do Rio Grande com suas lindas montanhas. Foi amor à primeira vista. Água abundante, energia elétrica e... montanhas à vista (uma das primeira coisas que fiz, foi comprar um cavalo mangalarga, tradicional marchador e o mais procurado pelos mineiro (as fazendas do Favacho e Passa Tempo/S.A. Amparo, eram criadoras fornecedoras desses cavalos aí na região de Lavras) e participar de numa cavalgada por toda aquelas montanhas, num raio de cinco ou seis km.  Trouxe de Lavras um carro de boi, transportado pelo Aguinaldo de Souza (imagine que aquele generoso amigo, presenteou-me com esse ato e nada cobrou, mesmo sob insistentes pedidos da conta), um arado de aiveca que pertenceu a meu pai até os anos 60, uma máquina de fiar lã e algodão (roca) , com todos os acessórios de preparo da lã e do algodão, um carneiro hidráulico que bombeava água nas fazendas de Lavras e outras tralhas. 

 Até mesmo nas planuras do Planalto Central, o menino encontrou 
um recanto em meio às serras e lá construiu uma chácara com todos os encantos 
e mimos da trazidos da terra natal.  Como ensinou o poeta Mário Quintana: 
"a gente continua morando na velha casa em que nasceu” 
Foto do autor –2004 

  Verifica-se, portanto, que cumpri aquele ditado, que o poeta  e filósofo Marcel Proust escreveu: "os verdadeiros paraísos são os que perdemos"  e nessa mesma linha, Mário Quintana nos ensina que:  "a gente continua morando na velha casa em que nasceu". Carregamos isso pelo resto da vida, a casa em que nascemos. Literalmente, “eu trouxe Lavras”  para cá e reconstruí a minha doce infância e juventude com esses mimos que têm lugar especial no meu coração. Aliás, não só de Lavras, trouxe de BH um Jeep Willys igualzinho ao que nele trabalhei nas serras  do quadrilátero ferrífero, subindo montanhas e plantado eucalipto. Construí a casa e trouxe as tralhas/mimos em reprodução literal à minha querida terra natal. E é por isso que sempre digo, moro nas planuras do Planalto Central pelo dobro do tempo que vivi na terrinha natal, mas,

ainda hoje, sei medir com os olhos as distancias das linhas sinuosas das montanhas mais que as planuras deste planalto central.

O coração não muda..., já dizia o príncipe dos poetas, Guilherme de Almeida em seu belíssimo e profundo poema:

“Tudo muda neste mundo de ilusão, vai para o céu a fumaça, fica na terra o carvão. Mas sempre, sem que te iludas, cantando num mesmo tom, só tu, coração, não mudas porque és puro e porque és bom!”

Por isso aqui vivo, há 50 anos, em dourado exílio, mas sempre com o coração puro, amarrado no carinho e amor que aí recebi e aprendi com a família,  professores e toda a comunidade, onde os adultos nos tratavam como se seus filhos fôssemos. Um dia minha cinzas repousarão sob o ipê amarelo da janela do quarto da fazenda onde nasci. Meu neto já foi encarregado dessa missão, mas ele diz em tom de gozação: Vovô, eu só vou passear de avião até BH, pois as cinza eu as jogarei antes de chegar ao aeroporto daqui... Vou deserdá-lo, respondi... rsrs, mas antes registrarei em cartório o meu desejo, do repouso das cinzas na terra natal, à qual tudo devo, o que sou, o que fui e os sucessos obtidos na vida.

Espero que o amigo jornalista tenha entendido o meu dourado exílio, onde sempre revivo as memórias de nossas montanhas que bem conheço e com o olhar sei medi-las melhor que as planuras deste planalto central. Um abraço!

 
O amigo, jornalista Eduardo Cicarelli, à direita, numa solenidade cívica na Praça de Lavras. A seu lado, o saudoso Hugo de Oliveira, também jornalista e autor do poema Serra da Bocaina. Eduardo Cicarelli é diretor do Jornal de Lavras e a ele dedico essa crônica, em resposta à sua pergunta sobre o amor às montanhas. 
Foto arquivos do IHGLavras



 Brasília, 30 de junho de 2024

Paulo das Lavras 


 

Ode à montanha, de autoria do jornalista e escritor Hugo de Oliveira

Foto: arquivos do IHGLavras



 A casa da chácara onde vivi até o término da faculdade. Vista privilegiada da

 Serra da Bocaina que emoldura a cidade de Lavras.

Foto: tela a óleo, acervo do autor



O menino, jovem engenheiro, formou-se em Lavras e partiu para BH , de onde se aventurava pelas montanhas de Ouro Preto, Mariana, Serra do Caraça e

 Catas Altas, plantando florestas de eucaliptos para as usinas siderúrgicas. 

Foto do autor – Ouro Preto - 1968 




O neto de Samuel Rhea Gammon-fundador do IG e UFLA) Dan Gammon e esposa Sandy, ciceroneados pelo autor, em visita à secretaria do colégio do Intituto Gammon,

que tem na parede de fundo um panorâmico poster da Serra da Bocaina.

Em 1892, o cenário dessa serra, semelhante à  dos montes Alleghenies da Virgínia/EUA, inspirou aquele missionário a escolher a cidade para sediar o Colégio Internacional,

 que se chamava Gynasio de Lavras, depois IG, teve como vinculada a Esal

que se transformou em UFLA. 

Foto do autor - 2019 



 
Montanhas sempre fascinaram o menino das Lavras. Aqui o fenomenal Vulcão Arenal, próximo a San José de Costa Rica.  Sua constante erupção de lava incandescente oferece um espetáculo pirotécnico, noturno, sem igual e chega a ser assustador. Produz um barulhão da rochas incandescentes rolando montanha abaixo. 
Mais parecia uma rajada de metralhador a perturbar o sono no hotel a uns 4 km de distância e com essa maravilhosa vista mostrada na foto. 
Foto: internet



 

Na Guatemala escalei uma montanha para conhecer a cultura indígena e suas plantações de café nas montanhas. Uma indígena descia o morro com um feixe de lenha na cabeça. Consentiu a foto, raridade, pois não gostam. São supersticiosos, acreditando que a fotografia rouba seu espírito, contou-me um professor de Ambato/Equador 

Foto do autor –1986 



 
Em Ouro Preto, recordando os tempos que reflorestava suas montanhas, passeou no trem turístico 
que liga essa cidade à também histórica Mariana. 
Foto  do autor - 2012 


 O sul de Minas é pródigo em montanhas. Veja a Montanha Sagrada, de São Lourenço-MG , 
local de saltos de parapente e paraglider!  Entre a praia e as montanha, para se passar 
férias, sempre escolhia a última e procurava conhecer o alto 
 dessas montanhas, com ou sem teleférico. 
Foto:  Internet – São Lourenço-MG


 ... e para aguentar o banzo no exílio dourado, até mesmo o arado de aiveca, que

 pertenceu a meu pai, nos anos 50, foi trazido de Lavras para Brasília. 



Vista geral das serras de minha chácara, um recanto especial e nostálgico

nas planuras do planalto central. Pura reminiscência da terra natal

Foto do autor, 2024 



Saindo de BH rumo ao sul de Minas... por entre montanhas, alegria renovada e incontida, clicando a Serra de Itatiaiuçu/Igarapé, onde à direita situa-se a cidade de siderúrgica

 de Itaúna, também de gostosa memória.

Foto do autor, 2019  



Brasília, vista de cima, da janela de um avião. parece um avião!... 


... mas, é uma linda cidade-parque, com 200 mil pés de ipês. Na foto, florada dos ipês roxos









Anexos:

1-    1- A escravidão nos tempos da colônia: Os Salles, o trabalho escravo e ascensão social dos negros em Lavras :

https://contosdaslavras.blogspot.com/2022/01/a-escravidao-nos-tempos-da-colonia-os.html

 

2-    Marmelada do quilombo do Mesquita/Brasília-DF – semelhanças e vínculos portugueses do sul de Minas:

https://contosdaslavras.blogspot.com/2016/01/quilombo-do-mesquita-e-o-doce-de.html