Não, não se engane. Não deixei nenhum amigo
na capital norte-americana. Apenas conhecidos, aqueles com os quais
desempenhamos algum trabalho. Aprendi a prestar atenção nos cães de estimação
desde os tempos de trabalho nos Estados Unidos. Lá, numa reunião social do
Departamento de Estado, em Washington-DC, durante seminário internacional sobre
programas da USAID no mundo inteiro, um alto funcionário do governo perguntou-me
como era a vida numa capital (Brasília) fundada havia menos de 20 anos.
Respondi-lhe que a cidade de Brasília era excelente para o trabalho e até mesmo
para caminhadas em seus parques que rodeam os prédios residenciais. Um paraíso
paisagístico, sem igual no mundo. Nem mesmo ali em Washington, Nova York, Londres ou Paris. Mas,
socialmente, deixava a desejar pela falta de raizes e as constantes revoadas
nos finais de semana para a terra natal. Naquela época, anos de 1980, quase não
existia vida social, pois todos os funcionários eram migrantes temporários que
retornavam para sua cidade natal após cumprir a missão em determinado período
de governo. Os finais de semana eram vazios, pois quase toda a familia voava
para os estados de origem. Ninguém aguentava mais que quinze dias isolado do
convívio de seus antigos e dos sólidos laços familiares e de amigos da infância
e juventude. Além disso, boa parte dos colegas de trabalho não trazia sua família e
morava em hoteis, flats, muito comuns na cidade. A capital era, de fato, muito
nova e ainda não tinha raizes que prendessem os moradores, sempre considerados
“forasteiros”. Qualquer conversa começava sempre com a célebre pergunta, de
onde voce é, de qual estado da federação você veio? E essa falta de raizes nos
custava bastante dinheiro com a ponte-aérea, reclamei para o interloicutor
interessado na resposta. O funcionário americano retrucou: “Aqui é pior..., no friends, too”, só há
ambições e se quizer ter um amigo aqui..., compre um cachorro! Não entendi bem,
arregalei os olhos, engoli em seco e até achei muito engraçada a expressão à
queima bucha: buy a dog - compre um
cachorro! Dei uma boa gargalhada, pois embora fleugmático e mesmo sorvendo um
copo de uísque cowboy, o gringo estava com certeza ironizando a frieza e a
indiferença social da capital dos norte-americanos. E era mesmo, pois ali
dificilmente se fazem amigos, há muitos visitantes, gente de outros estados ou
paises, políticos ou executivos fazendo lobby em favor de seus projetos. Fiquei
a pensar, se o gringo, de maneira geral, já não é tão efusivo como os
brasileiros, ali na capital era pior a situação. Total indiferença para com as
pessoas..., “no friends”, ecoavam as
palavras do gringo balançando o gelo em seu copo de whisky..., apenas interesses comerciais. Ainda bem
que a capital americana é dotada de inúmeros museus e monumentos de atração
turística, pensei logo, e o visitante não precisa ficar encerrado nos hoteis em
finais de semana.
Hoje, mais que nunca, ao vivenciar casos
como o do vira lata adotado e superdotado, Candu (link anexo), pudemos
compreender melhor o conselho daquele morador da cidade de Washington. Tratei
logo de vestir a carapuça e pensar em arranjar amigos verdadeiros na outra
capital, Brasília. Se os humanos não oferecem ou não merecem confiança,
principalmente nas capitais onde a população de políticos é considerável e é
grande a mobilidade com vai e vêm constantes, os cães, ao contrário, não se
cansam de dar provas de amor e fidelidade aos seus donos. Lá mesmo em
Washington, mais recentemente, o cão labrador, Sully, de Geoge Bush (pai) deu
mostras inequívocas de puro amor e fidelidade. Quando o ex-presidente Bush faleceu, o
labrador ficou postado com absoluta tristeza ao lado do caixão do antigo e
querido dono. A foto do cãozinho ali a seu lado, num último adeus, rodou o
mundo e nos comoveu a todos. E naquele
dia me lembrei das palavras do gringo do Departamente de Estado Americano, num
salão de festas ali mesmo em Washington onde George Bush exerceu a presidencia
dos E.U.A. Suas palavras, “se quizer ter um amigo aqui..., compre um cachorro...”,
reverberaram na minha mente. Ali estava o exemplo, bem aos meus olhos, um cão
da raça labrador num último adeus ao dono querido. Fiel amigo.
Em Nova York até há o Museus dos Cachorros (AKC Museum of the Dog) que, em recente passado, apresentou a exposição “Cachorros Presidenciais”, mostrando a retrospectiva das diferentes raças de cães que já viveram na Casa Branca ao lado dos presidentes que ali se hospedaram. Interessante a narrativa das histórias dos cachorros e a influência que eles tiveram naquele país. O único inquilino que para lá não levou um cachorro foi o Sr Trump. Aqui no Brasil há um ditado que diz que quem não gosta de samba bom sujeito não é. Será que haveria correspondência desse ditado em relação aos animais? Portanto, a piada que o gringo contou-me nem pode ser classificada como tal, pois reflete a preferencia, o amor que os americanos têm pelos cães, a começar pelos presidentes da nação. Também não é de se estranhar que nessas metrópoles haja exagerada quantidade desses bichinhos de estimação. Mas, não é somente por lá. Paris, por exemplo, bate todos os recordes de número de cães por habitante. Ali, o índice de natalidade dos humanos é dos menores do mundo, apenas 0,6% e por isso, na falta de crianças, os casais preferem ter a companhia de cachorros. Estão presentes, em grande número, nas ruas, parques e até em restaurantes. Nunca entedia, quando lá trabalhava, aquela enorme quantidade de cães puxados pelas madames ou até mesmo carregados no colo, nas ruas e em todos os lugares. Somente compreendi a situação quando tomei conhecimento das estatísticas sobre natalidade. Sem crianças e muitos cães de estimação, essa era a realidade parisiense durante as temporadas que lá passei a trabalho, por mais de cinco anos. Certa vez estava jantando, num respeitável e seleto restaurante especializado em ostras, situado no cruzamento da Boulevard Raspail com Montparnasse e cujos bancos estofados eram geminados, costas com costas, senti repentinamente e sem nehum aviso prévio, um leve roçar na nuca, seguido de um molhado “lambeijo”. Assustado, imaginei já refeito do susto e mais animado depois de algumas semanas sozinho por ali, que alguma gata, no sentido figurado, estava me cortejando. Virei para trás e ainda pude sentir o hálito quente do cachorrinho da madame, a qual sequer se desculpou. Decepção geral, pois além de errar a espécie, nunca imaginara ser possível uma situação daquela. Coisas de capital, onde, segundo o diplomata americano, para se ter um amigo é preciso comprar um cachorro e no caso de Paris, mais ainda, um substituo das crianças quase inexistentes na capítal francesa. Haja cachorros!
Bem, por aqui, em Brasília, também há
muitos cachorros de estimação e todas as manhãs e tardes desfilam pelos parques
de imensos gramados. Também tenho os meus, mas preferi mante-los na chacara com
mais espaço e conforto para eles, que são nossos fiéis amigos, seja em Paris,
Washington, Brasília, ou qualquer outro lugar. Depois dessas inusitadas experiências em Washignton e Paris, sinto-me como um americano ou francês quando chego à chacara. Lá estão todos os quatro ou cinco câes a me esperarem. Disse-me o caseiro que eles identificam o barulho de meu carro a mais de um km de distância e saem em disparada rumo ao portão latindo e correndo. Ao chegar e ser recebido com tanta "festa", sinto-me como se fosse um americano ou francês, "amado", querido, festejado e até penso que a capital onde moro tem o mesmo problema daqueles estrangeiros. Desço rapidamente do carro faço um afago nos dois enormes filas e nos vira-latas, os mais festeiros e tento silenciar a estrondosa banda de recepção de latidos e uivos. Lógico que não deixo me darem lambeijos, coisa que não pude evitar na capital francesa...
Brasília, 12 de março de 2021
Paulo das Lavras
O American Kennel Club Museum of the Dog, em Nova York, promoveu em 2020 uma exposição Cachorros Presidenciais, tal a admiração pelos cães.
Foto- AKC
Veja também, no link abaixo, uma história
inacreditável de amor dos cães, acontecida e vivenciada na chácara. http://contosdaslavras.blogspot.com/2014/10/candu-o-adotado-superdotado.html
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