“Guardo as memórias que me trazem riso,
as pessoas que tocaram a minha alma e
que, de alguma forma, me mudaram para melhor.
Guardo também a infância toda tingida de giz.
Tinha jeito de arco-íris
a minha”
Caio Fernando de Abreu
Por que quando toca o sino de uma igreja ou o apito de um trem, de um navio, ou ainda a decolagem de um avião, os sons e as cenas nos remetem às lembranças de despedidas? Por que muitas das vezes choramos diante de cenas assim, mesmo depois de tanto tempo do acontecido? Lembro-me que não consegui conter as lágrimas ao ouvir os apitos de um navio zarpando do porto de Nova York, com a bandeira brasileira tremulando ao vento. Pedi ao motorista que parasse o carro e sozinho fiquei a contemplar, extasiado, a cena como se fosse a oitava maravilha do mundo. E isso foi quando já era adulto, um jovem “yuppie” que por lá trabalhava periodicamente. Tudo bem, aí teria a explicação do forte fator da saudade da pátria distante por tanto tempo. Puro ataque de banzo, nostalgia, que é a saudade dolorida da pátria. Compreensível, “rever” e imaginar ali, diante daquele símbolo nacional, a pátria amada, a família, os amigos, os lugares onde vivi em plena harmonia com a felicidade na alma. Por isso jamais me envergonharia daquelas lágrimas solitárias diante dos sonoros e tristes apitos do navio e principalmente o tremular do auriverde pendão que, tantas vezes, nos perfilamos diante dele e cantamos o Hino Nacional. Não à toa sempre mantive uma bandeirinha verde-amarela sobre a mesa de meu escritório, naquele país, contrastando com milhares de bandeiras norte-americanas espalhadas de porta em porta na Wall Street. E ali, naquela cidade, uma única bandeira auriverde valia mais em meu coração que milhares daquelas em vermelho e azul, hasteadas em várias avenidas daquela cosmopolita cidade.
Por outro lado, em matéria de apito
de despedida, vivenciei ainda criança, um duro episódio que deixou marcas
indeléveis na alma: o apito do trem! A partida do menino de 12 anos que, por
conta própria decidira ir para o seminário, o empolgava. Empolgava? Sim, até
chegar o momento da despedida com os estridentes apitos da maria-fumaça que
esbaforia seus vapores de água quente saindo das caldeiras, branquinhos, jogados
para o lado sobre os trilhos e a fumaça negra para o alto, de sua chaminé fumegante. A longa viagem de
16 horas foi um misto de curiosidade pelo “novo”, contrastando com a angústia, ouvindo
a noite inteira o contínuo tralalaco-traco das rodas de ferro sobre os trilhos,
como a provocar-me doloridas lágrimas por ter deixado para trás os entes
queridos. Só então caiu a ficha do menino que partiu e deixou tudo e todos.
Ah..., se o menino soubesse a dor da despedida e a saudade incontida por um ano
inteiro, em tão distante lugar, ele não teria se decidido a partir com tão pouca
idade.
Mais
tarde, já na adolescência o menino gostava de ouvir musicas, e uma em especial,
da qual tomei emprestado seu nome para título desta crônica e que pode ser
ouvida no link indicado ao final. E essa música lembra a saudade, a dor da
despedida. E essa dor dolorida de despedida é como aquela do protagonista de
uma história de amor que, em desespero assistiu a desatracação do navio que zarpou
levando a amada, deixando o porto com aqueles característicos apitos de sonidos
tristes, de dolorido adeus. Lágrimas corriam, o coração apertava em estranha
sensação de perda, parecendo que nunca mais voltaria a vê-la, conta-nos o
escritor em seu romance. E assim segue a vida, cheia de adeus, repleta de
saudades sem fim. Mas, afinal o que é a saudade? Sei, não! Só sei que muitos
poetas tentaram defini-la, mas nunca se chegou a uma definição completa.
Saudade é o amor que fica, dizem alguns, ou melhor, disse o médico oncologista,
Dr. Rogério Brandão, de Pernambuco, depois de ouvir as doces palavras de
despedida de uma menininha, um anjo, atacada pelo câncer e já em estado
terminal. Saudade é o amor que fica..., disse ele, com lágrimas nos olhos ao
relembrar aquele anjinho que partiu para sempre, segurando suas mãos, ali no
leito. E é mesmo! Saudade é o amor que fica!
“... Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida. Quando vejo retratos,
quando sinto cheiros, quando escuto uma voz, quando me lembro do passado, eu
sinto saudades... Sinto saudades dos amigos que nunca mais vi, de pessoas com
quem não mais falei ou cruzei...
... Sinto saudades dos que se
foram e de quem não me despedi direito! Daqueles que não tiveram como me dizer
adeus;
... Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar, sem
curtir na totalidade. Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que...
não sei onde... para resgatar alguma coisa que nem sei o que é e nem onde
perdi...”
Mas,
o que é saudade em outros idiomas? Simplesmente não existe tradução dessa
palavra mágica para nenhuma outra língua. No inglês se diz: I miss you, sinto sua falta. No francês Vous me manquez, você me faz falta. Só
mesmo no nosso idioma existe essa expressão que sintetiza todo o sentimento da
alma, da falta que sentimos das coisas e das pessoas queridas, com aquele aperto
no peito. Sentir saudades é sinal de que estamos vivos. Viva a saudade, boa,
gostosa, que nos faz viver, reviver! Sinto saudades da minha infância, do meu
primeiro amor, do segundo, do terceiro, do penúltimo e daqueles que ainda vou
ter, disse outro poeta. E prossegue na lista saudosa: Sinto saudades de quem me
deixou e de quem eu deixei! De quem disse que viria e nem apareceu... De quem
apareceu correndo, sem me conhecer direito... De quem nunca vou ter a
oportunidade de conhecer. Sinto saudades dos que se foram e de quem não me
despedi direito! ...De gente que passou na calçada contrária da minha vida e
que só enxerguei de vislumbre! Bem verdade, os poetas são verdadeiros artistas
em trabalhar as palavras para expressarem sentimentos. Mas, posso ainda
acrescentar que sinto saudades até dos livros que li e que me fizeram viajar
pelo mundo inteiro, da terra dos Faraós, às mais distantes, da Babilônia, Grécia,
das Arábias e “da... Zoropa”! Sinto saudades das musicas da Jovem Guarda e dos
Embalos de Sábado à Noite que vivenciei na terra do Tio Sam e que me fizeram
sonhar e ainda hoje as lembro. E de
todas essas saudades a mais dolorida é aquela das coisas que deixei passar..., sem
curtir, sem marcar, sem apreciar como deveria. Ah..., por que não estudei
música, idiomas como o alemão, o italiano? Por que não assisti a todos os
concertos, recitais, corais e desfiles de fanfarras colegiais de minha cidade, com
suas lindas balizas de roupas coloridas e enfeitadas, como as acrobáticas cheerleaders que via nos Estados Unidos
anos depois? Ah..., ia me esquecendo, sinto uma saudade danada do trabalho,
daquele compromisso diário, de terno e gravata e constantes viagens pelo país e
exterior. Trabalho? Sim do trabalho,
mas..., é a chamada “saudade aliviada”, aquela em que você sente saudades
apenas do ambiente, das pessoas, mas fica aliviado da “carga” de
responsabilidade. Assim é a “saudade aliviada”.
Mas, os poetas existem e aí estão para cantar o amor, as boas coisas da vida. E a saudade o que é senão o amor que fica? E sabe de uma coisa mais que certa? É a afirmação do poeta Rubem Alves, que é um pouco lavrense (sua mãe nasceu em Lavras, onde ele morou por algum tempo). Ele define o poeta como um “apaixonado pela vida”. Você já viu algum poeta deixar de cantar e exaltar a vida? Costumo dizer que o bom poeta, escritor, contista ou seja lá que gênero literário tenha, ele não representa, não inventa. Ele VIVE a história, o poema, o conto ou a crônica. Qualquer assunto é transformado, por palavras, em uma trama ou enredo agradável... Por quê? Porque ele está falando de sua paixão, a VIDA e quer compartilhar essa maravilha com seus leitores. Os poetas desejam voltar às suas origens. É lá que mora a verdade que os adultos esqueceram. Fogem da loucura da vida adulta. Buscam reencontrar a simplicidade da infância. Para se curar da adultite é preciso tomar chá de infância, virar criança de novo..., completa o poeta e filósofo Rubem Alves.
E esses mesmos sábios poetas que exaltam a
vida dizem, também, que a nossa saudade é maior do que em todo o mundo, porque
é expressa em português, sem tradução para outros idiomas. Segundo esses
especialistas, costuma-se usar sempre a língua pátria, espontaneamente...,
quando estamos desesperados, seja para contar dinheiro, fazer amor e declarar
sentimentos fortes dentre outras situações de emergência. E isso, expressar as fortes
emoções no idioma pátrio, é muito comum e não importa em que lugar do mundo
estejamos. Sei muito bem, já passei por constrangimentos de se exclamar em
português quando deveria falar no idioma local, do interlocutor. Por isso e
muito mais é que cheguei à conclusão que tenho muitas saudades e o consolo de
que sentir saudades é sinal de que estamos vivos. Viva a saudade boa, gostosa,
que nos faz viver, sonhar. E enquanto houver sonhos, haverá Vida! E para
encerrar, os versos do poeta Bastos Tigre:
Ter saudade é viver passadas vidas,
Percorrendo paragens preferidas,
Ouvindo vozes que se têm de cor.
Sonha-se… E em sonho, como por encanto,
A dor que nos doeu já não dói tanto,
Gozo que foi é gozo inda
maior.
Têm
razão os poetas, pois a saudade é mesmo a herança
dos que abriram o coração para amar... No entanto, outros dizem que
saudade mata. Não sei se mata, mas que dói, dói..., e muito, mas é uma dor gostosa
de viver. Dizem os especialistas que a saudade em vez de matar, pode trazer a
cura, fazendo a vida valer a pena. A saudade pode se
transformar em fonte de cura que faz a vida valer a pena! E, vale!
Brasília,
19/02/2021
(mês da pandemia
recrudescida, fazendo aumentar a saudade dos entes queridos)
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