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Estudar
idiomas nos anos 50 do século passado não era fácil. Não existia internet e
tampouco outras facilidades menos tecnológicas como um vídeo-cassete para
auxiliar o aprendizado. Bem verdade que o enorme e possante rádio RCA-Victor,
existente em minha casa, podia sintonizar a Rádio BBC de Londres, Rádio France
Internationale, Deutsche Welle (Alemanha), Rádio Canadá, Rádio Moscou e até
mesmo a Rádio Pequim e a Belgrano de Buenos Aires. Menino curioso ouvia a todas
elas, à noite, em ondas curtas de 25 a 33 metros e era fascinante aprender
sobre aqueles países, sua cultura, gente, escolas, riquezas naturais, tudo
enfim. Melhor ainda, falado em português, dirigido especialmente aos
brasileiros, exceção apenas para a Radio Belgrano, que sintonizávamos diretamente
em sua programação em espanhol, de forte sotaque portenho. Mas, a preferida
mesmo era outra e não mencionada ainda, a rádio The Voice of America – V.O. A -
A Voz da América, que transmitia diretamente de Washington-DC, com locutores
brasileiros, muito simpáticos e que sempre recebiam em seus estúdios os
brasileiros que por lá passavam. Certa vez ouvi a calorosa recepção a duas
brasileiras, da minha cidade natal, as Irmãs Marcelina e outra colega do
Colégio de Lourdes, nossas conhecidas. Melhor ainda foi ouvir a saudação da
Irmã Marcelina a seus alunos do colégio e também para o “Paulinho, estudioso do
idioma inglês”, pois sabia que eu era assíduo ouvinte da “Vi, Ou, Ei” (V.O. A),
desde o instante inicial das vinhetas:”
This is the Voice of America. The news come to you from United States of America... Now come the news…”.
Foi uma surpresa e tanto e dias depois fui ao colégio para falar com a freira e
agradecer a distinção recebida.
Essas
rádios internacionais que produziam programas de meia hora, em português para
os brasileiros, funcionavam como agências propagadoras d8 um curso de aprendizado de inglês básico, em
áudio e material escrito, que era enviado gratuitamente. Era o curso John and
Mary. Terminada a transmissão em português e o curso de inglês, passava-se à
programação normal da radio emissora em seu idioma original, hora em que então,
podíamos testar para valer se entendíamos, ou não, as notícias em inglês. A Voz
da América e também a BBC de Londres foram os meus professores da prática oral
do inglês. Mais tarde, surgiu na minha cidade um missionário do Peace Corps,
Bob, de apenas 19 anos. Sua primeira missão foi ensinar inglês a quem quisesse
e gratuitamente, à noite, em salas do Colégio Kemper, sob o patrocínio do
Instituto Presbiteriano Gammon. Assim pude praticar o inglês durante anos com
estrangeiros, além das aulas normais do colégio, com seis anos de inglês e sete
de francês e apenas um ano de Espanhol. As aulas de francês já se iniciavam na
primeira série do ginásio e o inglês somente a partir do segundo ano. Durante
os quatro anos do ginásio ainda estudamos Latim, língua mater do português.
Pois
bem, inciamos os estudos de inglês na segunda série do curso ginasial, no
Seminário de Itaúna, dirigido por padres holandeses. Os holandeses, nossos
professores, falavam o inglês britânico, cuja pronuncia se diferencia bastante
dos americanos. Ali fiquei apenas um ano, mas o suficiente para “pegar” o
sotaque britânico na pronuncia das palavras. Chegando à Lavras, voltei para o
Colégio Aparecida, de padres alemães. O sotaque gutural alemão influenciava a
pronúncia do inglês, levando-a para o também gutural norte americano, de
sotaque mais metálico, menos fluido que o fleumático som dos britânicos. Estava
formada a confusão mental para o menino aprendiz do idioma de Shakespeare.
Nosso professor de inglês, Canísio Ignácio Lunkes, de origem alemã, falava o
inglês com sotaque metálico, tal qual os americanos. Assim, a frase “This is a
boy and that is a girl”… era pronunciada como “tis is ê boy and det is a girl…”, diferentemente do que o menino
havia aprendido com os professores holandeses. Não demorou e o menino foi
chamado a repetir aquela frase. Bastou dizer à maneira britânica: “ziz is é boy and zet. is é guerl...” e
a sala veio abaixo com gargalhadas sem fim, até mesmo do professor ao qual não
restou alternativa senão também entrar na brincadeira. Naquele instante ficou
consolidado o apelido do menino: zizi-é-boy! Caramba, carreguei esse apelido
por todo o tempo de estudante naquele colégio. E pior, o maior propagador do
apelido foi um amigo, colega, vizinho de rua que, bem mais tarde foi meu aluno
no quarto ano de agronomia (teve que atrasar os estudos para trabalhar) e no
primeiro dia de aula espalhou o apelido do “Zizi é boy...”.
Aprendi
a lição com esse baita “mico”, mas também serviu para aumentar a minha acuidade,
a capacidade de percepção de diferentes sotaques, até mesmo ouvindo as rádios
BBC e Voz da América. Predominou a pronúncia americana que, mais tarde foi
aperfeiçoada quando lá trabalhei e certa vez quem gargalhou bastante fui eu,
pois um americano, professor da universidade onde também trabalhava, em
Michigan, perguntou-me se eu era texano, pois falava o inglês bem nasalado, com
sotaque daquele estado. Gargalhando respondi-lhe, “No Sir”, tenho sinusite e
por isso falo nasalado, mas de qualquer forma obrigado pelo elogio. Assim, de
um choque de culturas diferentes, britânica e americana, e ainda com o pesado bullying (naquele tempo nem existia essa
expressão/conotação, pois sabíamos nos defender das gozações próprias da
infância) o menino pôde desenvolver um senso crítico no aprendizado do idioma
inglês. Mas e hoje? Ah..., hoje, não se tem mais as dificuldades de antigamente.
Como saber a pronúncia exata ou significado de uma expressão idiomática? Não
havia com quem se praticar e muito menos o meios eletrônicos hoje disponíveis. Com a facilidade da internet, com redes
sociais no mundo inteiro, chamadas de vídeo e ainda os cursos à distância, vejo
meus netos, de 11 e 12 anos, falarem inglês fluentemente e fazendo exames
oficiais de Cambridge, testando a proficiência para então lá se matricularem. É
mesmo de se invejar. Acho até que vou aprender o mandarim ou russo...
Viva
a tecnologia aplicada ao ensino. Não tenho saudade nenhuma dos chiados do
enorme rádio receptor, de ondas curtas, dos anos de 1950 e 60, com antena
especial instalada bem alta e fora da casa, em dois mastros e direcionadas para
norte. Hoje basta um tablet, ou, melhor ainda um telefone celular com som e
imagem instantâneos conectados pela Internet a qualquer parte do mundo.
Brasília,
09 de fevereiro de 2021
Paulo
das Lavras
Desde muito cedo, "Zizi é Boy" mostrou sua curiosidade, persistência e dons para a comunicação! Amei a crônica! Lembrando o trecho sobre o bullying, uma pequena discordância: o bullying existia, sim, e muito! O que não existia era todo esse paparico das famílias com as crianças e toda essa neura atual sobre "politicamente correto". A vida fluía de forma muito mais natural e simples, dando às crianças muito mais oportunidades de crescer e defender-se quase sem a interferência de adultos. Na minha casa, eu filha de militar e professora, ouvi, com frequência: Em briga de crianças, os adultos não entram! E, aos meninos, meu pai dizia: Se apanhar na rua e vier chorando, vai apanhar em casa também! Tem que aprender a se defender! Acho que deu certo, pois também criei meus dois meninos assim. O primogênito era mais pacífico, tímido, andou sofrendo alguns bullyings. Mas o caçula, pequenino e bravinho, um dia disse a um coleguinha: "Se chamar meu irmão de Quiverme, vou te dar um murro!" O irmão era magricelo e comprido, como o pai. Uma amiga psicóloga me disse que o que se impõe mais não é apenas a força e o tamanho, mas a coragem.
ResponderExcluirMaria Lúcia, obrigado! Voce foi ao ponto certo. Existia, sim, mas, como voce propria explicou, nós mesmos resolviamos a questão e nao se dramatizava tanto como hoje. Um exagero mesmo.
ResponderExcluirOs próprios professores nos diziam que uma "onda" se apaga com outra, maior. Assim, eramos estimulados a resolver as nossas proprias contendas. Bastava criar uma onda maior, ou seja uma gozação maior, contra o colega... rsrs.