Em uma crônica sobre a arte de viajar e conhecer o mundo escrevemos que as pessoas, acostumadas a viagens e convivência com outras culturas, têm os horizontes ampliados e olham o mundo de uma forma diferenciada, mais ampla. Desenvolvem uma maneira própria, com outros “parâmetros” para medir, avaliar e se relacionar com pessoas “diferentes”. Tornam-se mais argutas na arte de “observar” e analisar o comportamento dos outros. Por isso têm mais facilidade de abordagem e aproximação, vez que identificam melhor o perfil cultural das pessoas ao seu redor. Em outras palavras “o viajante por estar quase sempre só, está mais aberto para se encontrar com outras pessoas, mesmo que por pouco tempo”, segundo a poetisa e cronista Cecília Meireles.
O
viajante a serviço, e era esse o nosso caso por mais de quarenta anos e
milhares de viagens, se diferencia do turista que é apressado e tem sempre um
guia a lhe explicar tudo e a resolver qualquer problema de deslocamento,
acomodação e alimentação. Por isso mesmo, o turista comum não se interessa em
relacionar-se com as pessoas do local. Ao contrário disso, o viajante a serviço,
até por necessidade de ofício, acaba estabelecendo uma relação sentimental com
o local visitado e consegue assimilar mais a convivência e o aprendizado que
essas novas experiências lhe proporcionam, inclusive o domínio do idioma local.
Advém daí um maior autoconhecimento e melhor inserção no meio social. A arte de
viajar, segundo Meireles, é antes de tudo uma arte de amar, de admirar, uma
emoção constante, nem sempre alegre, porém intensa.
Nos
Estados Unidos passamos boa parte do tempo no escritório, em Michigan, de onde
coordenávamos as atividades de treinamento de professores brasileiros
matriculados em cursos de doutorado, em mais de trinta universidades
norte-americanas. Viajamos bastante naquele país. Cerca de duas dezenas de
universidades foram visitadas, de norte a sul e da costa Atlântica à costa do
Pacífico. Horas e horas de voos, incluindo dois acidentes aéreos com pousos
forçados em Las Vegas e Washington/Dulles Airport, felizmente sem vítimas. Mas,
fiel ao espírito de viajante a serviço, observávamos com atenção o
comportamento e os costumes das pessoas, tanto no trabalho como em família.
Assim, além assimilar rapidamente o idioma inglês e suas particularidades
regionais (alguns até nos perguntavam se éramos do Texas, por falar com sotaque
anasalado e puxando o “r”...), pudemos conviver mais de perto com as pessoas e
deles assimilar novas experiências e costumes.
Uma
boa experiência, assimilada a partir dos costumes norte-americanos, foi em
relação às recepções sociais em casa, na residência. São extremamente práticos
e objetivos, dentro da ideia de cooperação mútua. Os casais dão
festas, em casa, com hora marcada, de 20 as 22 horas ou, quando muito, até as onze
da noite. Ninguém chega muito cedo, no máximo dez minutos antes e tampouco se
atrasa. No máximo chega cinco ou dez minutos depois do horário aprazado. Nunca,
mas nunca mesmo, saem depois da hora marcada para o término do encontro.
Cumprem rigorosamente os horários e quem não o faz é considerado impolite, indelicado, mal educado.
Durante a festa e especialmente na última meia hora, alguns dos convidados vão ajuntando
os talheres e as louças na maquina de lavar, quando não são descartáveis. Não
deixam acumular louças usadas ou lixos (estes são triturados, reduzidos e
descartados em seguida). Os anfitriões se revezam nas tarefas de receber convidados
e servir as bebidas e comidas. Nessa fase, quase sempre, são ajudados por
alguns casais mais íntimos da família. Cerca de 10 minutos antes da hora
aprazada para o encerramento da festa o anfitrião e a esposa se dirigem à porta
da sala, abrem-na e esperam um por um dos convidados, despedindo-os ali, na
porta.
Nesses mesmos últimos minutos, um ou dois casais, dentre os
convidados, correm para cozinha e dão o arremate final na arrumação. Não fica
nada fora do lugar em todos os ambientes usados na festa. Eu achava aquilo
incrível e a cozinha sempre conjugada com a copa e a sala de visitas. De modo
que, tanto fazia você estar em qualquer dos três ambientes, a visão e a
interação entre as pessoas eram sempre facilitadas, com os anfitriões
circulando e servindo, auxiliados pelos casais mais amigos. Ficávamos ali a
imaginar por que, no Brasil daqueles anos 70/80, uma festa em casa significava
ter que ficar fazendo sala para alguns até às duas horas da madrugada, ou mais,
e na cozinha uma montanha de utensílios usados. Dia seguinte, o medo era a
empregada pedir demissão, tamanho o volume de pratos, talheres, copos, taças e
tudo mais. Ainda bem que acabou esse péssimo costume (e as empregadas estão também
mais escassas - diaristas) e hoje, o chique é mesmo integrar os ambientes da
sala/copa/cozinha e levar os convidados para a cozinha enquanto você prepara
algo ou põe as louças e talheres em ordem e conversa com os convidados. Assim,
no estilo americano, você pode dar festas em meio de semana, dia seguinte
acordar prontinho para o trabalho, em casa ou fora e sem tropeçar na bagunça.
Tratamos, logo, de trazer e incorporar esse bom costume.
Outra característica interessante que ali vivenciamos foi a
realização de uma grande recepção social, acontecida nos salões de festas do
hotel da Fundação Kelloggs, no campus da Michigan State University, onde sempre
nos hospedávamos. Foi uma recepção para nossa apresentação aos professores e
staff daquela universidade, nossa parceira. Havia mais de 80 convidados e todos
portando crachá, com o respectivo nome em letras bem grandes. O homenageado era
distinguido com uma flor na lapela ou no braço, em forma de pulseira, quando se
tratava de mulher. O protocolo exigia que nos dirigíssemos a cada um dos
convidados, individualmente, durante o demorado coquetel com entradas e bebidas
e, após o jantar, fazer um breve speech, durante
os desserts. E hoje, quarenta anos depois, ao abrir o
baú de tralhas e bugigangas guardadas em caixas e gavetas, pudemos recordar
aquela quase uma centena de nomes que ali conhecemos e trabalhamos diretamente
com alguns deles. Muito interessante o protocolo, pois facilita o entrosamento
com os assuntos de negócios. Entretanto, nunca vimos algo semelhante no Brasil
ou em outro país. Pode parecer estranho, mas ficamos convencidos de que os norte-americanos
são bastante práticos na arte de receber, seja em casa ou em ambientes de
festas. Ah, sobre tralhas, souvenires e bugigangas guardadas, não me chamem de “acumulador”.
Apenas os guardamos, premeditadamente, para um dia contar aos netos sobre os
costumes em outros países. Justamente agora, que eles se preparam para os exames
de proficiência na língua inglesa, com vistas a estágios no exterior, é hora de
se interessarem pela vida lá fora, longe do conforto de casa e aconchego da
família. Em contrapartida, terão os horizontes alargados e passarão a olhar o
mundo de forma diferenciada, mais ampla e se sentirão incentivados a cultivar
relações com outros povos, outras culturas e se tornarão mais sociáveis em
qualquer lugar. Essas foram as grandes lições que aprendemos em quase duas
dezenas de países por onde trabalhamos ou desempenhamos missões de governo na
área da educação superior. Educação? Sim, vamos educar os jovens de hoje e
viagens internacionais são ótimas oportunidades de aprendizado, a começar pelo
idioma.
Brasília, 20 de março de 2018
Paulo das Lavras
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