“Guardo as memórias que me trazem riso,
as pessoas que
tocaram a minha alma e
que, de alguma
forma, me mudaram para melhor.
Guardo também a
infância toda tingida de giz.
Tinha jeito de arco-íris a minha”.
Ninguém como os poetas para expressar os sentimentos humanos. Nem
vou me referir ao príncipe dos poetas, aquele que cantou e encantou corações
com as “bolhas de sabão”. Destaco outros como Caio de Abreu, autor da frase
acima, em epígrafe. Eles, os poetas e pensadores, sabem traduzir, com belas e
bem colocadas palavras, tudo aquilo que se passa em nossa alma. Rubem Alves também
foi um desses e dos mais destacados, com destacada vantagem, pois era, além de
poeta e escritor, filósofo e professor na constante lida com os jovens e
crianças. E ele disse: “Toda separação é
triste. Ela guarda memória de tempos felizes [ou de tempos que poderiam ter
sido felizes] e nela mora a saudade”. E que duras separações nos reserva a
vida, principalmente a da infância! A primeira se vai aos três anos de idade, a
segunda aos seis e a terceira e última aos dez ou doze anos. É admirável como a
nossa memória carrega as lembranças dessa época. Basta um cheiro, uma voz, um
cenário e lá vem a danada da reminiscência, a doce e doída saudade, sem pedir
licença. Mas, a separação a que se refere o filósofo não é somente a da
infância, perdida para a adolescência e a vida adulta, mas a toda e qualquer
separação. Uma longa viagem, o internato em colégios, a mudança de escola, de cidade
ou bairro e principalmente a mais dura de todas, o desenlace de um ente
querido. Separações são, a meu ver, a melhor forma para se amadurecer a alma,
pois nos levam a meditar sobre
os valores das pessoas e da vida como um todo. A solidão, ainda que provisória,
se constitui em excelente oportunidade para a meditação, para o crescimento da
alma. Às vezes nos faz sofrer, mas é ela que nos fortalece a alma e nos faz o que somos hoje, fortes, sabendo cuidar de si
próprio, pois, não importa o que fizeram com você. O
que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você, dizem os
especialistas.
O
caminho da felicidade e da alegria do viver, deve ser buscado trabalhando a
“separação” e a saudade a seu favor. Foram nas constantes separações, do
internato aos doze anos de idade, das longas viagens solitárias em aviões
cruzando oceanos e continentes, nos hotéis, por cinco, seis semanas seguidas,
durante mais de 35 anos de atividades profissionais, que aprendi a tirar
proveito da solidão e da saudade matadeira sempre em boas companhias de
leituras selecionadas e a leveza das músicas clássicas que enlevam a alma em
perfeita comunhão e harmonia. E a comunhão, a harmonia da alma, não acontece em
reuniões, festas regadas a bebidas e muito riso, mas, paradoxalmente, na
ausência do outro, como dizia Nietzsche, que tinha a solidão como sua
companheira. Assim devemos tratar a “separação”, a saudade:
"Eu carrego comigo uma caixa mágica onde eu guardo meus
tesouros mais bonitos. Tudo aquilo que eu aprendi com a vida, tudo aquilo que
eu ganhei com o tempo e que vento nenhum leva. Guardo as memórias que me trazem
riso, as pessoas que tocaram a minha alma e que, de alguma forma, me mudaram para
melhor. Guardo também a infância toda tingida de giz. Tinha jeito de arco-íris
a minha. O
pouco é muito para mim. O simples é tudo que cabe nos meus dias. Eu vivo de
muitas saudades. E quem se arrebenta de tanto existir, vive para esbanjar
sorrisos e flashes de eternidade "
Foi assim que se expressou o
pensador Caio
Fernando de Abreu. E ainda acrescento: A vida foi justa
comigo, pois escapei de grave problema de saúde aos dois anos de idade,
deixando-me convalescente por nove meses; aconteceram ainda dois acidentes
quase fatais, um afogamento aos cinco anos, com ressuscitação respiratória e bem
mais tarde, a queda de um Boeing 737, em Belo Horizonte, quando saí encharcado,
caído no chão, em meio a um mar de querosene, o combustível da aeronave que,
embora estivesse aos pedaços, não explodiu, graças a uma tempestade de chuva que cobria a pista
com quase meio metro de água, evitando-se o incêndio que me transformaria em
homem tocha. Isto sem contar dois outros pousos de emergência de grandes Boeing,
um com incêndio a bordo em Las Vegas e outro com pane hidráulica nos comandos
de voo, no aeroporto de Washington-DC. Sim, a vida foi justa demais comigo
porque, além disso, tive facilidades para o desempenho das funções
profissionais no país e no exterior. Por outro lado, na afetividade sou
autossuficiente, embora afeto nunca seja suficiente e quanto mais melhor. Tem
sido uma dádiva viver numa família que nos proporcionou plena tranquilidade na
batalha da vida. Tive o privilégio de conhecer meio mundo, todos os países da
América do Sul, grande parte da América Central e Caribe, além do Canadá e
Estados Unidos, onde mantinha escritório na Michigan State University. Conheci
também vários países da Europa, principalmente a França, onde desempenhei
missões de governo por várias vezes. Por isso pude desenvolver as habilidades
de compreensão e expressão em quatro outros idiomas, conhecendo pessoas
diferentes, de outras culturas, observar e principalmente, perceber e
compreender, com maior profundidade os valores da vida, graças a essas longas e
repetidas “separações”. É por isso que copiei o texto do pensador citado:
“Guardo as memórias que me trazem riso, as
pessoas que tocaram a minha alma e que, de alguma forma, me mudaram para
melhor. Guardo também a infância toda tingida de giz”. Tinha jeito de arco-íris
a minha”.
E então, a saudade
bateu forte? As reminiscências da infância às vezes o levam a ficar triste, por
causa apenas de uma eventualidade de hoje? Não! Pense diferente, positivo. A
saudade, a solidão, são apenas
companheiras de viagem. Diz a sabedoria que às vezes a
ausência de luz é necessária para que a valorizemos. É na escuridão, no vazio
do pensamento, que residem as melhores reflexões que nos conduzem à valorização
do amor, das amizades às pessoas, com a certeza de que nunca estamos sós, pois
embora distantes, sabemos que podemos voltar para a casa, nosso lar, refúgio e
fortaleza. Assim é a infância, nosso passado. Ela é, por essência, a nossa casa.
Nela podemos adentrar pelos escaninhos da alma, a qualquer instante... A
saudade pode se transformar em fonte de cura que faz a vida valer a pena.
Ter saudade da infância é ser feliz!
Brasília,
28 de novembro de 2016
Paulo
das Lavras
O melhor balanço do mundo.... (1981)
No Castelo em Minas Gerais - 1983
No aniversário, crianças felizes
Cuidando dos pintinhos
Colando figurinhas
Plantando um pinheiro Araucária
Ouvindo historinhas
Bolhas de sabão... na festa junina
Dando aula de Ciências para os coleguinhas
Um “rally” barulhento, na rampa de descida. O melhor brinquedo do mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário