Desde os 24 anos, Paulo Roberto dá aula em nível superior. Ao todo,
são 41 anos de dedicação em salas de aula. Segundo ele, cada dia é um
aprendizado novo. “Ser professor é um prazer renovado, pois lidar com jovens
requer uma alta dose de compreensão e entusiasmo pelos sonhos que cada um
tem”. Ser professor para Paulo Roberto é ter responsabilidade ética não só de
ensinar as técnicas, mas, sobretudo, de procurar formar um cidadão e
profissional competente e consciente da sua profissão. “Ser professor de curso superior nas
áreas do Sistema Confea/Crea é um privilégio, sobretudo quando se ensina ética
e legislação profissional”, afirmou. Segundo ele, a carreira de professor
sempre foi muito respeitada por todas as pessoas e em todas as épocas. Ele
acredita que isso acontece pelo elevado grau de amor e dedicação dos mestres
aos seus alunos.
Na
entrevista acima, concedida em 2010, no Dia Internacional do Professor, por ser
de cunho mais formal não pude dizer que, na verdade, me tornei professor desde
os 16 anos, quando ministrava aulas particulares, remuneradas, de matemática
para candidatos a exames de admissão ao ginásio. É isto mesmo. Na década de
1950 e início de 60, havia a exigência de se prestar exames de qualificação
para ser admitido no curso ginasial, que corresponde hoje ao período da 6ª a 9ª
série do ensino fundamental. Mais tarde, já no curso científico, 2º grau atual,
aceitei o pedido do professor de matemática, Nelson Werlang, recém-chegado do Sul,
jovem, querido e admirado por quase todas as garotas da cidade, para
substituí-lo e dar uma aula para o 2º ano do curso de normalista do Colégio N.S
de Lourdes, frequentado só por meninas. Assim era também, na década de 60,
quando ainda havia colégio para meninos e outro só para as meninas. Entrar no
colégio delas..., nem pensar..., a gente tinha medo até de ser “mutilado” pela
Irmã Superiora, tal era o rigor do controle. Entre os rapazes a aposta máxima
era quem conseguiria adentrar aquela sagrada e impenetrável fortaleza...
Lá
fui eu, todo faceiro, com a melhor roupa, sorriso largo e matéria na ponta da língua
que ele, o Prof Nelson, havia me repassado ali mesmo, na arquibancada do
campinho de futebol, onde nos encontrávamos. Rabiscou uma reta e a equação numa
meia folha de caderno. Ainda me lembro que a matéria de geometria que seria
ministrada versava sobre as propriedades da linha reta. Nela se marcavam os
extremos A e B e mais um ponto “C” em qualquer local de sua extensão. Assim,
arma-se a equação: CB/AC = AC/AB. Daí resultava que considerando a reta de
valor igual a 1, e o segmento AC=X, o outro segmento CB será igual a 1-X. Substituindo-se as letras pelos valores,
resulta que 1-X/X = X/1, donde a equação se resume à expressão algébrica x² + X
-1 = 0. Nada como o repetez, repetez
toujour, pois quase 50 anos depois, numa de minhas visitas a Lavras, eis
que encontro o Prof. Nelson, entrando numa lanchonete e antes que me avistasse,
gritei bem alto: Der Lehrer Werlang...”. Alemão, era seu segundo idioma
preferido e no qual foi educado na infância. Sorridente veio até a mesa,
tomamos um café e relembramos aquela aula em que lhe substituí, no longínquo ano
de 1963. Mente brilhante, mesmo aos 80 anos, foi logo dizendo que aquela
equação dos segmentos da reta tinha o nome de “Divisão Áurea de um Segmento de
Reta” e ali mesmo, sobre o guardanapo, rabiscamos e resolvemos um problema
hipotético por ele formulado, com aquela equação. Doce recordação e ótimo
exercício mental.
Dia seguinte
ao pedido do mestre, dirigi-me ao Colégio e a primeira providência foi apresentar-me
à Madre Superiora (puxa que arrepio..., pois o folclore pinta essa figura
como o terror do colégio e ali estava um rapaz, jovem, sabe-se lá com que
intenções para cima daquelas garotas, pensava ela, certamente...). Dominando bem o assunto, o jovem estudante/professor demonstrava bastante autoconfiança. Em
seguida, ainda um pouco apreensivo fui direto à sala de aula. À porta respirei
fundo, cabeça erguida, autoconfiança em alta, adentrei com toda a pompa e
circunstância que se exigia do professor naqueles idos de 1963. Mas eu disse
autoconfiança em alta? Sim, mas... porém, todavia, entretanto, contudo não
obstante e ainda assim....., surgiu um detalhezinho imprevisto pelo todo empertigado
e neófito professorzinho substituto. Ali, naquela classe, estava ninguém menos
que a própria namoradinha, paixão recém conquistada e de conhecimento de toda a
classe (qual a mulher que resistiria a um
segredo desses....?). O mundo veio abaixo, o rubor se espalhou pela face
diante dos olhares e risos de surpresa de toda a turma de meninas (eram mais de 40 e só meninas) que sabiam e
apoiavam o namoro da colega com aquele jovem e agora "importante"
professor substituto que acabara de adentrar a classe.
O
jovem professor, atrapalhado no íntimo, não se fez de rogado. Cumprimentou a
todas, sentou-se à mesa, num tablado elevado e iniciou a célebre chamada
nominal de cada aluna, registrando no Diário de Classe as presenças e faltas. Risos
contidos, feições traindo a emoção e certamente as coisas iriam se complicar
quando fosse declinado o nome dela que, a essa altura, estava nas nuvens
conforme confessara posteriormente. Mas, outra vez não se fez de rogado...
pronunciou o nome, ironicamente e com ar de convencido, sorridente, disse:
"essa eu conheço bem"... e... gargalhada geral. Foi uma catarse.
Terminada a chamada e as brincadeiras que nos permitimos, o novo professor pôde
então iniciar sua aula e cumprir o compromisso sem que houvesse qualquer perturbação
no ambiente respeitoso que se instalou a seguir. Durante 50 minutos a aula
transcorreu normalmente. Após a explanação sobre a teoria da “Divisão Áurea de
um Segmento de Reta”, passaram-se aos exercícios para a fixação dos conteúdos.
Esta
foi a minha primeira aula formal e embora tensa no início, a considero como a
melhor e mais divertida que ministrei ao longo desses quase 50 anos de
magistério. Deve ser por isso que adquiri gosto pela carreira e, certamente,
aquela primeira aula em uma classe formal muito contribuiu para isso. Além
disso, no decorrer do 2º e 3º ano do curso científico, outro jovem professor,
Roussaulière Mattos, lavrense, recém graduado pela PUC-RJ em Química e Física,
convidou-me para ser monitor naquelas disciplinas. Aplicava provas mensais para
outras turmas e ajudava na preparação de aulas práticas nos laboratórios do
colégio, o que se traduziu em prestígio e respeito entre os colegas e maior
desempenho nos estudos. Lembro-me que algumas experiências com motores
elétricos eram descritas em compêndios em idioma inglês, o que dificultava
ainda mais a produção de textos para acompanhamento dos alunos. Assim fui
adquirindo gosto pela atividade de docência além de receber maior estímulo ao
aprimoramento nos estudos. Toda essa experiência em sala de aula, iniciada
ainda bem jovem, devo a esses dois eminentes educadores que incentivaram e
confiaram-me a honrosa missão de seguir seus passos.
Ao
rememorar o dia do Mestre, volto o meu olhar para esse distante passado e,
agora, no presente, ainda desfrutando do prazer da sala de aula, resta-me
agradecer a Deus por tudo isso. Ter tido o privilégio de lidar com os alunos no
ensino superior, ao longo de toda a minha vida profissional, foi uma benção,
pois sempre mantive o espírito jovem, acreditando num brilhante futuro para
todos eles.
Brasília, 05 de outubro de 2010/
novembro 2015
Paulo das Lavras
Prof. Nelson Wilibaldo Werlang –
Renomado professor de Matemática em
Lavras-MG. Iniciou a carreira em 1955 no CNSA e aposentou-se na UFLA
(foto da década de 1960- Arquivos de Renato Libeck).
Prof. Rousaulière Mattos, entregando
diploma do 3º Científico a Paulo das Lavras, dezembro de 1963.
Roussaulière iniciou a carreira
docente no CNSA, em 1962 e aposentou-se como professor da UFLA.
Coincidentemente, Nelson Werlang,
Roussaulière e Paulo Roberto terminaram suas carreiras docentes na Ufla
Paulo inicou como docente
universitário, na Ufla, em 1969, antes de seus dois queridos mestres do
colégio.
Na arte ser Professor..., tem lá suas
recompensas... Ser homenageado pela Universidade Federal de Lavras,
como o fundador dos cursos de
Pós-Graduação da Universidade... foi uma grande honra. Solenidade dos
40 anos de fundação da PG. Reitor
Scolforo (à direita), Coordenadoras Patrícia e Laene (à esquerda) - Ufla,
11/2015.
Antigo dormitório das meninas do Colégio de Lourdes
Foto: arquivo de Renato Libeck
Pos scriptum: O querido e respeitado Professor Nelson Werlang falecu em 18/11/2018. Cerca de um ano antes o visitei em sua casa em BH. Foi um momento de muita descontração e alegria, conforme mostra a foto abaixo:
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