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Na quinta feira, 29/de junho de 2023, partiu, logo
pela manhã, bem cedinho e silenciosamente, para sua última viagem o já saudoso
Alysson Paulinelli. Tantas viagens fizemos com ele, durante nosso tempo na
ESAL/UFLA e mesmo depois em Brasília, quando ele Ministro da Agricultura e nós,
do outro lado da Esplanada dos Ministério, na diretoria do Ensino Agrícola
Superior. Mas, desta vez ele partiu sem aviso.Profundo
pesar. Ainda outro dia, ao terminar um capítulo de meu livro sobre a História
da Educação Agrícola Superior, falei com ele sobre seus tempos de estudante, do Centro Acadêmico de Agronomia e
de sua própria contratação pelo Dr.
Wheelock, bem ali atrás do palco do Lane Morton, minutos antes de sua colação
de grau na Agronomia, naquele mês de dezembro de 1959. Dr. Wheelock o convenceu
a ficar na velha Escola Superior de Agricultura de Lavras, que já enfrentava
problemas financeiros. Deixou um emprego já garantido e aceitou o desafio,
ingressando nos quadros de professores e logo levantando a bandeira de lutas
pela salvação de iminente fechamento da Escola. Exatos quatro anos depois
daquele “sim”, Alysson Paolinelli pôde colher a vitória, com o Diário Oficial
da União publicando a Lei nº 4.307, de 23 de dezembro de 1963, de federalização
da Escola Superior de Agricultura de Lavras que agoniava financeiramente, mas
contava com integral apoio de seus colegas professores e dos poucos
funcionários existentes. Todos eles, aliás, passaram dois anos trabalhando sem
receber salário. E como ele gostava de relembrar esses fatos e nomes de
professores que cerraram fileiras com ele naquela luta. Não se esquecia do Prof.
Américo Cicciola que, com ele veio em um carro comum, abarrotado de sacos de dinheiro,
recebidos em uma agência bancária de Belo Horizonte, transportando-os direto
para Lavras, à noite. Ali chegando acordaram o gerente do Banco do Brasil para
depositar toda aquela fortuna de dois anos de salários de todos os professores
e funcionários que em festa fizeram fila dia seguinte à porta do banco. Ele nos
contava isto e dava gargalhadas pela
cara de espanto do gerente do banco, acordando assustado, quase à meia
noite, com o inusitado pedido daquele diretor “maluco”, segundo ele mesmo dizia
com incontido riso. Falamos também do dia em que ele nos chamou a comparecer
ali na antiga DFA - Delegacia Federal de Agricultura, na Av. do Contorno, em BH,
ao lado do Parque da cidade (ele era o diretor da ESAL/UFLA e fazia ponto ali,
com seus colegas) e então, nos convidou, à
pedido do Prof. Carlos Hermeto, para ser professor da ESAL e ajudar na
construção do novo campus nos altos do eucaliptal (fui estagiário do Departamento
de Engenharia Rural e já tinha
participado na locação de avenidas e dos primeiros prédios do no novo campus).
Demos risadas, do inusitado local do convite e a lembrança que mencionamos, sobre
a semelhança da estratégia do Dr. Wheelock quando, exatos nove anos atrás, o
“intimou” a ingressar no quadro docente da Escola. Mas, ao contrário de então,
agora, ali, naquele dezembro de 1968, em BH, o convite tinha outro propósito,
ajudar na construção da nova ESAL.
Não é preciso
dizer que deixei meu trabalho em BH e aceitei de pronto seu convite. Mas, havia
uma condição por ele imposta e aceita sem discussão: “você vai ajudar ao Carlos
Hermeto na ministração da disciplina de Construções Rurais e eventualmente
auxiliar nas aulas práticas de Topografia, do Prof. José Octávio. Deverá,
ainda, acompanhar as obras de construção do novo campus nos próximos dois anos
e em seguida deverá se aperfeiçoar em curso de mestrado na sua área de atuação,
pois nossa meta é, em apenas dois anos a mais, transferir a Escola para o novo
campus, como também criar e instalar o mais rápido possível a pós-graduação na ESAL, à exemplo de Viçosa
(hoje UFV) , Piracicaba (ESALQ/USP) e Km 47”... (era assim que ele chamava a
antiga Escola Nacional de Agronomia- ENA, hoje UFRRJ). Vamos criar as bases
para a transformação daquela tradicional Escola, fundada pela Missão
Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos, em uma grande Universidade, completou
Paolinelli com brilho nos olhos e confiança no futuro. Um visionário, com
grande e contagiante entusiasmo, fé inquebrantável como disse outro
visionário, JK, em 1956, sobre a sua determinação de se construir Brasília.
O ainda garoto, de apenas 23 anos de idade, mas já experimentado na lida de campo, cuidando dos paisagismos da capital mineira e até do gramado do recém-inaugurado Estádio Mineirão, imaginou o tamanho do desafio, pois acreditava nos planos daquele Diretor, que tinha fama de “arrastar todo mundo” para as suas tarefas, “impossíveis” para alguns. Já conhecíamos a sua fama de “trator de esteiras”, apelido carinhoso que os professores Arnoldo Junqueira e Valter de Carvalho lhe haviam colocado, pois, onde passava “empurrava ou arrastava” pessoas para os seus projetos. Durante os anos seguintes viajamos juntos diversas vezes para o Rio de Janeiro, onde ainda permaneciam alguns órgãos dos ministérios da Educação e da Agricultura. Visitávamos com frequência São Paulo, Brasília e BH, sempre tratando da expansão da Escola. Dois anos depois, quando a Escola já havia sido inteiramente transferida para o novo campus, já estávamos de malas prontas para cursar a pós-graduação na Escola de Engenharia de São Carlos/USP, em março de 1971. O diretor Paolinelli fazia questão de cumprir à risca seu ousado plano de expansão e qualificação do ensino agrícola, chegando a ter 50% de seu efetivo de professores fora do campus, cursando pós-graduação em outros centros universitários do país e do exterior. Havia um detalhe interessante que, para manter a metade dos docentes fora da Escola, cursando pós-graduação, a outra metade que ficava, tinha que assumir e ministrar as aulas daqueles. Tudo arranjado em completa harmonia entre os docentes, em nome do objetivo comum: alcançar índices de qualificação que destacassem a Escola no cenário nacional. Esse costume, deixado por Paolinelli, a excelência e dedicação, perdura ainda nos dias de hoje, mais de 50 anos passados, pois a velha ESAL/UFLA, figura nos primeiros lugares dos rankings de qualidade do MEC e é tida como referência em Ciências Agrárias. Ao retornar da USP, assumimos a função de Pró-reitor de Pós-graduação com a incumbência de iniciar a PG na ESAL. Novos desafios com diversas idas e vindas à Brasília (MEC, Capes, CNPQ, Ministério da Agricultura) e também à Viçosa, Piracicaba e à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, as três vizinhas que já ofereciam cursos de pós-graduação na área de ciências agrárias. Em 1975, efetivamente, implantamos os dois primeiros cursos de mestrado na ESAL, Fitotecnia e Administração Rural. Este último foi o pioneiro no país na área de gestão do agronegócio, verdadeira inovação naquele ano de 1975.
O sonho de
Paolinelli se concretizou, tal qual dito ali na sede da DFA/M.Agr., em dezembro
de 1968, quando nos convidou a cerrar fileiras na linha de frente de seu Plano
Diretor que, aliás, era chamado por alguns de “plano do diretor...”. Visionário,
sem limites para quem o planejou..., o educador e empreendedor, Alysson
Paolinelli. Mas, a dedicação, competência e liderança foram fatores
imensuráveis que alavancaram o seu sucesso. Deu certo, ali na velha Escola
Superior de Agricultura de Lavras, fundada em 1908 e na qual ele ingressara
como estudante em 1956 e depois como professor, no dia de sua formatura, em
dezembro de 1959. Deu tão certo que já em 1974 a Escola ocupava o primeiro
lugar no ranking do MEC, com o maior índice geral de capacitação docente
(mestrado e doutorado), atingindo patamares acima de 70%, quando a média
nacional não ultrapassava 35%. Ostentava exatamente o dobro da média do país,
qualificando-a para ingressar no clube das poucas universidades que ofereciam
cursos de doutorado. Aliás, diga-se, uma determinada escola, congênere, chegou
a representar contra a criação da pós-graduação na ESAL, tendo então o Conselho
Federal de Educação (hoje, CNE/MEC), refutado o recurso usando exatamente o
argumento de elevado índice de qualificação docente e o reconhecimento de suas
pesquisas agrícolas, conforme processo arquivado no MEC e do qual fomos
protagonista quando na coordenação nacional do ensino agrícola superior. Em
curto espaço de tempo a ESAL dera um salto de grandes
proporções em qualidade e quantidade na oferta de cursos e pesquisas. Um novo e
moderno campus estava construído em tempo recorde, com oferta de inúmeros
cursos de mestrado e mais tarde de doutorado. O curso de graduação de Agronomia,
o único até então existente, multiplicou a oferta de vagas anuais, passando de
apenas 30 para 200 vagas/ano. Outros três importantes cursos de graduação foram
criados e implantados, a Engenharia Agrícola,
Zootecnia e Engenharia Florestal. Muitos outros vieram mais tarde, como a
Medicina Veterinária, Administração Rural e Ciência dos Alimentos, mesmo antes
de se transformar em universidade (dezembro de1994) e ampliar de vez o leque de
oferta de cursos. Tudo deu certo nos planos do diretor Paolinelli e é
interessante notar que até parece que ele escolheu o mês de dezembro,
sucessivamente, para celebrar eventos e realizações na sua vida profissional.
Em dezembro de 1959 a formatura e convite para ingresso no quadro docente da
Escola. Dezembro de 1963, federalização
da ESAL. Dezembro de 1968, nosso convite em BH. Dezembro de 1994, transformação
da ESAL em Universidade Federal...
Pois bem, voltando o foco de
suas atividades em Brasília, o MEC também contou com sua prestimosa colaboração, durante todo o tempo em que estivemos à
frente do Ensino Agrícola Superior (1975-2008). Paolinelli, quando Ministro da
Agricultura (1974/79), cedeu os PhDs da EMBRAPA, então dirigida pelo eminente
Eng. Agr. Eliseu Roberto de Andrade Alves, para atuarem como orientadores de
teses de doutorandos nas universidades
federais e assim, pudemos triplicar a oferta de cursos de doutorado no país. Somados os PhDs da EMBRAPA e das
Universidades federais, o Brasil contava, já no início dos anos 80, com a maior
massa crítica de cérebros dedicados ao desenvolvimento do Ensino e da Pesquisa
Agrícolas de todos os tempos. Começava ali, naquela década, o vertiginoso salto
tecnológico agrícola que, em seguida, colocou o Brasil nos primeiros lugares de
produção de grãos no mundo. De um lado da Esplanada dos Ministérios, pelo MEC conseguimos
treinar 250 PhDs nos EUA e outros trezentos no país e, do outro lado,
Paolinelli e equipe da EMBRAPA treinaram mais de 1.000 PhDs no país e no
exterior. Além disso, ele influenciou as
reformas na formação dos cursos de agronomia. Como Ministro da Agricultura, foi
ao gabinete do Ministro da Educação sugerir mudanças importantíssimas como a
introdução de matérias sobre administração do agronegócio, armazenamento e
comercialização de produtos agrícolas. Chamado ao gabinete, recebemos o documentos
e a ordem expressa do então ministro da Educação, Nei Braga... “execute, pois
são mais que pertinentes as sugestões desse jovem e amigo ministro Paolinelli”.
E assim o fizemos. Mas, vamos parar por aqui. Só mesmo em livro para falar sobre o tanto que Paolinelli
fez pela Educação Agrícola Superior no país.
Ele foi o
"Pai do Cerrado", como nos conta a imprensa nacional. Mas não foi
apenas isto. Foi também o grande e maior
responsável pela revolução do ensino tecnológico no Ministério da Educação. Meu livro, em
fase de edição, trata disso, de sua luta, aqui no MEC, desde o ano de 1960.
Lutou e venceu. O Brasil colhe, agora, ou melhor há uns 40 anos, os resultados desse laborioso, competente e dedicado
trabalho de Paolinelli. Um grande benfeitor da Agricultura e da Educação
Agrícola Superior e, por isso, rendemos esse tributo de reconhecimento e
GRATIDÃO ao Engenheiro Agrônomo, Professor Alysson Paolinelli. Um adeus com muita gratidão! Sim, sou
eternamente grato a ele. Profundo pesar pelo seu passamento. Meu abraço de puro
sentimento à família, aos colegas e
amigos. Que Deus conforte a todos.
Descanse em
paz, amigo, em verdes e serenos campos do Senhor, tão verdes e serenos como
aqueles que você sempre semeou aqui na Terra e serão sempre lembrados, em sua
memória, nosso legado. Amém!
Brasília, 30
de junho de 2023
Paulo das
Lavras
Foto do autor-
Recife-Pe, outubro de 2007
Caro Professor, parabéns pela justa homenagem. Sendo Engenheiro Agrônomo incluo-me na lista dos brasileiros beneficiados pelo Mestre Alysson Paolinelli. Em primeiro lugar por ter tido a oportunidade de realizar Mestrado na ESAL/UFLA e, em seguida, por trabalhar numa unidade da Embrapa por ele inaugurada em 1977, o Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura.
ResponderExcluirPois é, meu caro amigo, Ygor, você é um dos protagonistas dos feitos e obras daquele grande mestre. Você integrou a primeira turma de mestrandos de Fitotrecnia da ESAL/UFLA. Isto foi possível (a existência o curso de mestrado na UFLA) graças ao Plano Diretor estabelecido e cumprido à risca por Paolinelli. Um grande empreendedor da Educação e da Agricultura.
ExcluirTenho certeza de que ele está repousando nos verdes e serenos campos do Senhor. Tão verdes e serenos como os que ele semeou e cuidou a vida inteira.
Professor Paulo, Você viu a chamada (¹) para o rodapé do meu último texto no Facebook?
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