Lavras
fabricava brinquedos na Metalúrgica Matarazzo que os exportava para todo o
mundo, pelo menos até os anos 70. Eram lindos e me lembro de um trenzinho
movido à pilha, reluzente e com a logomarca “METALMA”. Mas, poucos sabem que a cidade exportou
paletó xadrez para os Estados Unidos e eu próprio cuidei da exportação. Lembrei-me
do fato porque o amigo Bertolucci Geraldo Júnior, postou uma crônica relembrando
uma das mais famosas e movimentadas ruas de Lavras, minha cidade natal. Hoje,
outro amigo colorizou a antiga foto e nela se destacou com mais nitidez o
letreiro da fachada da loja Império das Casimiras e Alfaiataria Rajá Ferreira.
Hoje, outro amigo, Rogério Salgado, também apaixonado por história e perito na
arte de restauração de fotos antigas, retocou a foto e realçou a loja e e seu letreiro no alto da fachada. Foi como se
eu tivesse voltado no tempo, pois vi em meu imaginário o balcão de corte dos
ternos, que ficava bem à entrada. Ali, o talentoso alfaiate passava todo o
tempo com suas tesouras, fita métrica, esquadros e giz, cortando os modelos e
ao mesmo tempo cumprimentando os passantes. Entrar ali era a festa. Ele se
desdobrava em gentilezas e contava causos e causos de gente da cidade e até
mesmo de Brasília, onde tinha muitos amigos. Era um prazer imensurável ali
passar, ainda que por poucos minutos.
Quando me
transferi para Brasília, em 1975, o alfaiate Rajá confeccionou, sob medida,
seis ternos completos – paletó com colete para os mais clássicos, e na linha
mais casual ternos com camisas incrementadas e gravatas bem modernas, dali
mesmo, de sua loja. Tudo combinado, havia “ton sur ton” bem discretos, riscados
largos e riscadinhos, xadrez ultra discreto em cor cinza claro, chamado de
Príncipe de Galles e até mesmo um em estilo jaquetão, embora não apreciasse
muito aquele paletozão. Outros ternos nem eram tão discretos, mas, gostei e
aprovei todos. De modo geral, a elegância dos esmerados cortes em casimiras
importadas, fazia sucesso aqui no MEC, onde 80% dos funcionários
Foto: acervo de Schirley Nogueira Cavalcanti
eram mulheres. Acuidade modal
assim..., só mesmo entre as experts, pois elogiavam todos os conjuntos, menos
um. Mas, não deixavam de olhá-lo com
certo ar de graça, porém discreto. Extremamente educadas as secretárias e
subordinadas ou mesmo as colegas dos outros andares do Ministério da Educação,
nunca deixavam escapar nada que pudesse desagradar, apenas elogiavam.
Mas, mesmo
assim, cheguei à conclusão de que havia algo de espalhafatoso com aquele terno
de paletó xadrez branco e vinho, de tecido mais encorpado. A calça, boca de sino,
era inteiramente da cor vinho, combinando com o xadrez do paletó. A camisa branca, de algodão
egípcio trabalhado, de colarinho extremamente exagerado no comprimento e
largura, ostentava duas riscas de cor vinho, Até mesmo a gola, supergrande,
tinha uma risca na cor vinho. (lembrava aqueles colarinhos exagerados do
cantor de rock, Elvis Presley). A gravata de seda, para completar o conjunto,
também era na cor vinho, inteiramente lisa e um pouco brilhante, sapato marrom
e meia também na cor vinho... Ah que beleza extravagante... rsrs. Essa
extravagante elegância era comum, nos anos 70, em todo o país. Era moda! Tenho
algumas fotos antigas de festas e bailes no Clube de Lavras e até em formaturas,
onde se viam ternos xadrezes em quantidade.
Minhas
suspeitas acabaram por se confirmar, pois não é que, certa vez, um gringo que
trabalhava comigo, no MEC e recém-chegado dos Estados Unidos, nem português
falava, ao ver-me trajado com aquele figurino xadrez, exclamou: Oooh...,
very nice, you look like a Christmas tree..., ou seja: uau, que elegância, você parece uma
árvore de natal. Gargalhada geral dos assessores e secretárias que esperavam a
minha chegada na sala de reunião. Pela intensidade da hilaridade da plateia
deduzi que minhas suspeitas estavam certas. Era mesmo extravagante aquele terno
de roupa, no mínimo bastante vistoso...rsrs. Refeito da surpresa e sempre com
aquele lema na cabeça, de que a melhor defesa é o ataque, parti para cima do
gringo ousado e gozador, pois até então nenhuma
brasileira ousou falar, criticar-me daquela maneira... rsrs. Por isso, não me
fiz de rogado, respondi-lhe de pronto: yeah, mister..., it is like you do in
U.S.A, tal qual vocês americanos, que usam até mesmo a calça xadrez com
paletó de mesmo estilo. Aposto que muitos já viram gringos trajando grossas calças ou paletós
xadrezes de marrom, azul, amarelo abóbora, verde e vermelho, com todas essas
cores juntas, embaralhando as vistas.
O
pior dessa história foi que, chegando em casa, contei-a à mesa e a reação foi
de apoio à piada do ousado gringo. Nunca mais usei o espalhafatoso terno aqui
no Brasil. Pensei numa vingança ao atrevido gringo e coloquei o terno na mala e
o deixei no armário de meu escritório em Michigan, onde fazia questão de usá-lo
e me igualar eles durante todas as temporadas anuais que lá passava por vários anos.
Tornei-me exportador de paletó xadrez,
ainda que um único produzido na Rua Santana, em Lavras. Em 2015 uma longa
discussão se travou nas redes sociais, sobre essa moda xadrez e listrados,
tendo como fonte motivadora a foto acima ilustrada, do Prof. Canísio. Senti-me
novamente vingado, pois a ex-colega de colégio, Maria Lucia Cunha Carneiro, foi
a primeira a comentar a postagem de Renato Libeck, dizendo:“ Um de paletó listado, outro de
xadrez, provavelmente, uma foto da década de 70”. Provocada
por mim, que lamentava o meu xadrezão de
cor vinho , concordei que era moda naqueles anos , mas sempre fora
motivo de piadas. Eram tantas as piadas que até cunharam, jocosamente, a
expressão “boco-moco” (talvez a junção abreviada de bocó, bobo, com mocorongo, trapalhão),
para caracterizar aquele indivíduo, de
propaganda na TV, que usava calça xadrez boca de sino, camisa colada ao corpo e
com enorme gola, cabelo repartido ao meio e enormes costeletas e o
indispensável bigode bem grande. As calças as vezes eram listradas, combinando
com a camisa xadrez, em cores berrantes, chamativas em tons azul, abóbora,
vermelho ou amarelo canário/ouro”, em cores caricatas de um personagem de
propaganda comercial na TV, o Boco-moco.
Tentando reanimar-me em relação à depreciativa
crítica sobre aquela moda, a amiga prosseguiu: “Pois o xadrez
era o luxo da década de 70 e os tons de vinho, inclusive em tecidos brilhantes
eram também o que havia de chique! A moda dos anos 70 era mesmo exagerada,
feita para chamar atenção. As bocas de sino, ou pata de elefante... Assim,
mais de 30 anos depois, reconciliei-me com aquele espalhafatoso terno xadrez
vinho, batizado pelo gringo como árvore de natal. Mas já era tarde, pois a moda
caíra em desuso. Restou-me lembrar com carinho do alfaiate Rajá, falecido precocemente
em 2010, que era antenado a seu tempo e queria que o menino se apresentasse bem
trajado na capital em suas andanças pelos palácios e ministérios... Aliás, ele
próprio gostava de trajar o xadrez, como mostra a foto abaixo, quando foi nos
receber no avião da FAB em visita à Lavras, acompanhando o Ministro Paolinelli,
para a inauguração de uma Cooperativa
Agrícola e visita à EsaL/Ufla, em 1976.
Sempre que visitava Lavras, era
obrigatório passar naquele endereço da Rua Santana e provocávamos o amigo Rajá Ferreira.
Invariavelmente eu lhe perguntava, mesmo mais de 20 anos depois: “Rajá, você
faz um terno xadrez para mim? Bem espalhafatoso, igual aquele primeiro que já se
acabou por lá... Quero usá-lo somente
nos Estados Unidos, pois lá eles adoram calças e paletós xadrezes...” . Era a
senha de saudação seguida de gostosas gargalhadas e longas prosas. Rajá gargalhava
sem parar, pois conhecia muito bem a primeira história que havia lhe contado, anos
antes, sobre a gozação do gringo... you look like a Christmas tree.... Bons
tempos, daquele querido e estimado alfaiate. Amigos que se foram, saudade que
fica, chama de amor e amizade que ora desperta de nosso subconsciente. Saudosa Rua
Santana, nosso caminho diário, por tanto tempo, em direção à Esal/Ufla, Gammon
e tantos outros lugares da cidade.
Obrigado,
amigo Bertolucci, por trazer-nos, em sua página, tão queridas recordações de
nossa terra e sua gente. Tens razão, aquela rua é cheia de lembranças. Muitos
outros causos povoam a nossa memória, como aquela que comentei em sua crônica,
quando contei que o Deli Leão ganhava a nossa preferência na compra de material
escolar em sua papelaria e livraria, simplesmente porque nos oferecia um
brinde: o mata-borrão. Todo estudante tinha pelo menos uma meia dúzia dessa
peça, importantíssima para minimizar os desastres com nossas canetas tinteiros
dos anos 50/60, quando ainda não existiam as esferográficas.
A cada dia que passa mais me convenço daquela lição de Olavo Bilac: “Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! Criança, não verás nenhum país como este!” Pura verdade, falar de Rua Santana e outros logradouros e principalmente de pessoas da terra natal, depois de quase 50 anos de ausência, é como destravar o subconsciente que derrama toda a saudade que, nada mais é do que o amor que fica. E esse amor é tão latente que até criei um pseudônimo - Menino das Lavras. bem coerente para o meu blog de saudosas crônicas:
Brasília, 03 de novembro de 2022
Paulo das Lavras
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