Nunca
gostei do frio, até mesmo por questões de saúde, com ligeira deficiência
respiratória. No colégio vivia brigando com a matéria de Física por pura
implicância na definição aprendida com o saudoso professor Russaulière Mattos
que, por meio do livro de L.P.M. Maia, da PUC-RJ, nos ensinou que a Física é
subdividida em quatro campos do saber, a Mecânica, Estática, Cinemática e o Calor.
Até aí tudo bem, mas dizer para os meninos que o Calor é o quente e o frio...,
ah, isto já era demais, pois para eles o calor era calor e frio era frio,
coisas opostas. Mas, falemos um pouco do frio, daqueles abaixo de zero grau em
países do hemisfério norte e seus desconfortos, sobretudo para quem vive em
clima tropical com sol 365 dias/ano. Pesquisas da Universidade do Alabama, nos
EUA confirmaram que os moradores de cidades com pouca exposição de luz solar
são mais propensos a desenvolver distúrbios de humor. Isto porque também já
está comprovado que a incidência de luz e calor solar estimula a produção de
serotonina, o hormônio neurotransmissor que controla o apetite, dá energia e
desencadeia o bom humor e o bem estar mental. Assim, fica fácil deduzir por que,
quando o dia está nublado e fechado por muito tempo, o
chamamos de aziago, ou seja, tenebroso, infeliz. Ninguém que vive em clima tropical, luminoso e
radiante, gosta de um dia nublado, feio, para se dizer o mínimo. Incomoda muito
e se perdurar, certamente levará à depressão, ao que os especialistas chamam de
transtorno afetivo sazonal. Assim, o tempo frio, nublado ou de longos períodos
de chuva, deixa a maioria das pessoas mais introspectivas, tristes ou deprimidas.
Nos meses frios há maior tendência em se adoecer, pois nosso sistema
imunológico fica enfraquecido. Acresça-se a isto, o fato de que no inverno as
pessoas passam mais tempo em locais fechados, facilitando a proliferação de micróbios.
Já o calor e o sol deixam as pessoas
mais eufóricas, voltadas às relações interpessoais e melhor ainda, pesquisas da
Universidade do Michigan revelaram que sair ao ar livre, em um dia agradável de
primavera ou verão, pode estar ligado a um aumento no pensamento criativo. Viva,
pois, o verão nas praias brasileiras, onde todos estão alegres e receptivos e
segundo a pesquisa americana, mais “criativos”, ainda que seja para a paquera,
diriam alguns. De minha parte, não foi a toa, portanto, que
passei por momentos depressivos, em alguns finais de semana, encerrado em
hotéis de cidades de clima extremamente frio, como em Michigan, nos EUA e Paris,
na França, onde trabalhei em períodos alternados por alguns
anos. Passar o dia todo encerrado num escritório e à noite em quarto de hotel,
com portas e janelas hermeticamente fechadas, com calefação, ressecando a pele
e as mucosas, não é nada agradável.
“Não há primavera nesta terra. As árvores
estão verdes e as flores coloridas, mas o sol, que é propriedade comum dos
homens, se esconde sempre atrás de nuvens carrancudas e hostis. Isso reflete na
alma da gente e só convida a pensamentos que trazem o tom das nuvens, cor de
spleen”.
Ah...,
mas dessa vez, em sua visita à Cidade Luz, o menino não esperou que o céu spleen lhe provocasse outro piripaque saudoso
como aquele de quase trinta anos atrás.
Agora, na fria tarde de domingo, vestiu um pesado sobretudo, pulôver,
cachecol e luvas, um look parfait...,
comme il fault, tomou o metrô no centro da cidade e foi visitar, de surpresa, um amigo e ex-colega de
trabalho que, como doutorando na Sorbonne, residia na Maison du Brésil, reduto
estudantil dos brasileiros. Ao chegar,
já no escuro da noite do inverno europeu, notei à saída do metrô, já na rua, um
grupo de pessoas conversando em francês. Diminui o passo, apurei os ouvidos,
pois pretendia me informar sobre o local exato da Maison du Brésil. Mesmo
estando todos encapotados, com luvas, cachecois enrolados em volta do pescoço e
alguns até cobrindo o nariz, pude perceber e reconhecer pela voz e perfil do
amigo que iria visitar. Decidi passar-lhe um trote, pois o mesmo nem imaginava
que eu estivesse naquela cidade e muito menos ali para uma visita a ele e sua
esposa. “Bonjour monsieur, pourriez vouz,
s´íl vouz plaît, m´indiquer où est la Maison du Brésil?" . Com o rosto
parcialmente encoberto e ainda no escuro da noite, com rua mal iluminada, não
fui identificado pelo interlocutor, o próprio amigo a ser visitado. Educadamente
indicou-me o local solicitado, apontando-o logo ali, a menos de 100 metros. Perguntei-lhe,
ainda em francês, se morava lá e diante da resposta positiva, emendei a
pergunta final: Conaissez-vous a M.
Capdeville? Guy Capdeville, citoyen bresilienne, étudiant de doctoract a Sorbonne?
Arrancou o cachecol que cobria parte de seu rosto, esboçou um largo sorriso de
surpresa e retrucou: ooh..., moi même! Je suis Capdeville. Também
arranquei o cachecol naquele frio cortante, soltei uma sonora gargalhada,
que já custava segurar e exclamei: et moi,
monsieur, je suis votre ami..., carregando a pronúncia do francês que tem
mania de fechar o final dos nomes com acento circunflexo, sempre chamando a mim
de “Paulô Robertô ou então Monsieur Da Silváhhh ”. Abraçamo-nos efusivamente,
pedimos licença aos demais e caminhamos para seu apartamento, onde se encontrava
sua esposa. Naquela noite o vinho trazido pelo visitante foi mais saboroso, aquecendo
nossa alma ao lado do casal amigo que havia tantos anos não nos encontrávamos.
Afinal o rigoroso inverno com seu desconfortável e detestável frio serviu de
cenário para esse episódio que nos deu muita alegria, aos brasileiros longe de
casa, falando das coisas boas da terra e sua gente. Ninguém duvide, brasileiros
saudosos quando encontram um patrício em terras estrangeiras logo se tornam
chegados, mesmo sendo desconhecidos e o assunto só é mesmo a pátria-mãe. Santo
remédio para o banzo e melhor ainda quando acontecia numa visita para almoço, a
anfitriã abria sua despensa, ia para a cozinha e na companhia de todos fazia
uma deliciosa feijoada. Isto era mais frequente nos EUA, nos estados sulinos,
Texas, Arizona e outros, onde os brasileiros ali residentes – estudantes de
doutorado - sempre adquiriam o feijão preto de comerciantes mexicanos ali
radicados.
Esse
foi o meu “rendez-vous”, planejado para acontecer em Paris, na Maison du Brésil.
Certamente que os amigos brasileiros, contemporâneos, ao lerem o título desta
crônica imaginaram maliciosamente outro lugar, nada recomendável..., o tal “rendez
vous” dos anos 60, como eram chamados os cabarés, lá em Minas. Assim, eram conhecidas
como “rendez-vous” a casa da Zezé, em BH ou o Capixaba em Lavras. Não erraram
de todo, os maldosos amigos, pois rendez-vous quer dizer simplesmente isso:
encontro. Não foi um “encontro” como aqueles dos anos 60, mas uma visita social,
uma reunião de amigos na França, berço daquela expressão que os brasileiros deram
outra conotação. Mas, longe daquela conotação mineira, o rendez-vous de Paris,
sob frio intenso, que odeio, por conta de deficiência respiratória, foi
divertido, perfeito para matar a saudade e com agradável conversa, acompanhada
de um bom bourgogne para aquecer o frio, o frio gelado, definição que usava
para contrariar o saudoso prof. Russaulière Mattos que, em sua definição,
chamava tudo de “Calor”, fosse quente ou frio... Ademais, a Maison du Brésil ,
além de abrigar inúmeros estudantes, é um centro de difusão da cultura
brasileira na França. Não deixa, portanto, de ser um local de encontro muito aprazível,
e interessante até mesmo para se conhecer a obra arquitetônica de Le Corbusier
e Lúcio Costa, encravada na Cité Internationale Universitaire de Paris. Vale a
pena! E nem percebi que estava frio naquela noite.
Brasília,
30 de maio de 2018
Paulo
das Lavras
Permiti-me
uma paradinha no Café de Flore, ao lado de uma livraria onde escolhi
um livro para o amigo de longa data... Mesmo na calçada externa, na rua e ainda
que com frio de zero grau, os aquecedores instalados no alto da parede (com
brilho amarelado), mantinham o ambiente aquecido (um bálsamo para quem não
gosta do frio), Ah... , eu não fumo, o cachimbo eu tomei emprestado de um amigo
francês, apenas para encenar, tal qual os escritores faziam ali, naquelas
mesinhas na calçada.
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